Foi talvez por ter estado ontem num jantar em que acabámos todos a desejar-nos "Um Santo Natal", que percebi claramente que já falta tão pouco tempo e, sem saber porquê, me lembrei de como era o Natal no tempo em que os dias pareciam sempre enormes e as Boas Festas se desejavam em bonitos postais escritos à mão, como eu gosto.
Naquela época, eu era ainda uma menina, e toda a azáfama que antecedia a festa me parecia mágica e misteriosa, apesar de repetida cada ano. Não havia a euforia consumista de agora e tudo se centrava na alegria um pouco poética de um Menino que nascia para nos salvar.
Lembro-me do cheiro a cera e a canela, do tilintar das louças, da alegria de ver entrar o pinheiro, que era muito grande e um pinheiro a sério; das jarras cheias de azevinho; da excitação dos enfeites que demoravam uma tarde inteira a preparar e colocar nos sítios certos, com bolas e grinaldas coloridas espalhadas por todo o lado; e das tias a recortar estrelas em papel de lustro e cartolina, a fazer anjinhos de cartão, a ajudar a pendurar as bolas na árvore e a pôr lá no cimo uma estrela, naquele sítio mais alto onde nos parecia impossível que se pudesse chegar. O presépio estendia-se ao longo do móvel da sala de jantar, tinha musgo e montes feitos de papel de cenário grosso, castanho escuro, com bolas de jornal por baixo para fazer o efeito das elevações, e muitas figuras pequeninas, ovelhas, pastores, reis magos e querubins, que nós adorávamos ir fazendo avançar, discretamente, por aquele cenário, dia após dia, até estarem todos juntinhos, quase amontoados diante do Menino Jesus, para grande irritação dos adultos lá de casa, que voltavam a colocá-los nos lugares de partida sem que nós entendessemos bem porquê.
Havia a Missa do Galo, na Capela do Rato, que era a parte mais espiritual, a que dava sentido ao resto, tudo bem agasalhado e trajado a rigor, entre o cheiro a velas, o silêncio do recolhimento que a solenidade exigia e cânticos de alegria, onde nunca faltavam o Adeste fidelis, a Noite Feliz e o Gloria in Excelsis Deo. Nessa noite custava-nos sempre mais a adormecer e, ao mesmo tempo, queríamos que o tempo passasse depressa, porque no dia 25 o Menino Jesus já tinha nascido e havia presentes logo de manhã; e depois o almoço de família.
Hoje, é tudo muito diferente: a casa já não é a mesma, já não vamos à Missa do Galo, muitos partiram entretanto, outros chegaram. Mas a essência continua a mesma. Por isso o meu Natal não tem Pai Natal, não se centra nos excessos de comida e de bebida, nem na corrida desenfreada e alucinante das compras. E também não escrevo uma mensagem com frases feitas e palavras de circunstância que envio num só clic a todos os meus "contactos."
No "meu" Natal, continua a ser obrigatória a missa e o almoço de família, mas os presentes reduzem-se a dois ou três, porque não é isso que conta. E às pessoas que verdadeiramente significam alguma coisa na minha vida eu telefono, eu escrevo, ou aperto nos braços, mas individualmente e de forma personalizada, porque cada uma delas é também especial para mim.
É que apesar de já não me lembrar que idade teria, ainda me lembro da desilusão de perceber que não era o Menino Jesus que vinha deixar presentes durante a noite. Mas isso não quebrou o encanto desta época de luz, emoção e cumplicidades que é, acima de tudo, um tempo de simplicidade e de afectos. De amor.
Muita coisa tem perdido o encanto, ao longo do tempo e por motivos vários.
ResponderEliminarQuase que aposto que 80% das pessoas que se sentam à mesa na noite da consoada, não percebem porque lá estão. Isto é, o verdadeiro motivo.
Isabel, curvo-me perante esta sua frase: "Mas isso não quebrou o encanto desta época de luz, emoção e cumplicidades que é, acima de tudo, um tempo de simplicidade e de afectos. De amor."
Beijinho e bom fim-de-semana.
A verdade é que muita coisa se vai modificando, mas isso faz parte da vida. E vamo-nos adaptando... O que importa é sentirmo-nos bem e termos a atenção de querer fazer os outros felizes, também.
EliminarNão sou nostálgica de um passado que já não existe, mas às vezes vejo aquela correria das compras (que existe, apesar de tanto se falar em crise) e dou comigo a pensar "o Natal não é isto!..."
Bom fim de semana também para si.
Beijinho
Ao ler este texto recordei o meu "Natal antigo". Até consegui sentir os odores misturados do azevinho, do pinheiro e do musgo. Também, na minha casa, muita coisa mudou... No entanto, todos procuramos que a essência simbólica da própria festa continue.
ResponderEliminarBeijinho Isabel e bom Domingo para si.
Há cheiros e imagens que se nos agarram ao corpo e recordamos a vida toda. E, apesar de tudo o que muda, há também o que permanece intacto e se vive sobretudo no coração de dentro para fora e o contrário ;)
EliminarObrigada Teresa, bom Domingo e outro beijinho para si.