Durante não sei quantos dias, querendo ou não, vamos ter de aguentar uma overdose futebolística. E não são só os jogos, na televisão ou em écran gigante, um pouco por todo o lado. São os intermináveis comentários que antecedem e sucedem cada desafio, as tácticas e estratégias discutidas até à exaustão por verdadeiros "treinadores de sofá"; e ainda todas as notícias sobre as lesões, os treinos, o que comeram, vestiram, disseram, ou onde dormiram os jogadores; as bandeirinhas e os cachecóis; e um súbito furor patriótico, que inunda tudo. Um cansaço!...
Tudo isto me passa ao lado, tanto quanto é possível, no meio desta espécie de terramoto, que parece querer fazer esquecer que há vida para além do futebol.
Hoje, por exemplo, neste que é dia de Lisboa, nasceu em 1888, por uma feliz coincidência, um dos seus poetas maiores. E isso também vale a pena ser lembrado...
Aqui fica:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa)
Realmente isto do Mundial é uma chatice. Nunca mais começa a pré-época e os jogos do Benfica!
ResponderEliminarNão é "uma chatice", mas é uma canseira...
EliminarMas o Benfica é que não!...
É que mesmo não percebendo nada de futebol, a minha alma é sportinguista. Nem que seja por herança familiar...
Futebol se joga no estádio?
ResponderEliminarFutebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São vôos de estátuas súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
— afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.
Carlos Drummond de Andrade
Beijinho:)
Visto desta maneira poética, sim, Paulo. Assim é lindo...
EliminarSou suspeita: Drummond de Andrade é um dos meus poetas preferidos. (E não conhecia este poema. Obrigada pois por isso, Paulo) ;)
Beijinho :)
A comunicação dita social não pensa duas vezes, quando se trata do palavrão 'share'.
ResponderEliminarDe dois em dois anos, por esta altura, temos campeonatos europeus e mundiais, alternadamente.
Gosto de ver bom futebol mas, sem dúvida que as doses industriais saturam.
Fado, futebol, e Fátima, como dantes, são a distracção de um povo amolecido.
Poesia? Venha ela, da boa.
Beijinho e bom domingo, Isabel.
Não concordo consigo, António. Não se trata de "um povo amolecido", mas antes de consumir o que quer que se lhes ponha na frente. Falta de sentido crítico, entre outras coisas.
EliminarEnfim, a questão é mais vasta e mais fundo e poder-se-ia dizer muita coisa, mas... não temos tempo.
Farei por isso, obrigada. Beijinho.
Cansaço dos grandes para quem não tem a mínima apetência para o enredo à volta do futebol. Também sou tão ignorante na matéria. Digamos que um zero à esquerda.
ResponderEliminarBeijinhos, Isabel
A mim não me dá sequer súbito patriotismo. Nem os jogos de Portugal vejo... :)
EliminarBeijinhos