(...) Em que ortografia vão os nossos grandes autores ser servidos nas escolas? Serão implacavelmente desfigurados pela aplicação dessa coisa sem nome? Ou virá o Governo a tomar providências rápidas para, pelo menos em parte, remediar a situação?
A crítica definitiva do Acordo Ortográfico, nos planos científico, jurídico, político e sociocultural, está feita há muito, pelo que nem sequer vale a pena retomá-la. Mas torna-se necessária uma solução que, de resto, (...) sairá tanto mais cara ao País quanto mais tarde ela for tomada. Ao custos directos e indirectos serão muito altos mas arriscam-se a tornar-se astronómicos se se continuar a perder tempo. Trata-se de uma questão também política que, pela sua dimensão internacional, requer um particular tacto no seu tratamento e cuja solução, segundo creio, poderia ser encontrada em três planos.
Em primeiro lugar, o Governo poderia negociar com os editores de livro escolar, que não são assim tantos, o abandono do esquema actual de aplicação do Acordo nas edições escolares, tendo em conta o tempo de validade dos livros e manuais existentes e o seu ritmo de substituição.
Entretanto, o Governo suspenderia a aplicação do Acordo Ortográfico decretada por uma Resolução do Conselho de Ministros de ultrajante memória, determinando que, na medida do possível, se voltasse já ao sistema anterior (afinal, o ainda vigente, quer se queira quer não...)
Em terceiro lugar, no plano internacional, seriam desencadeadas as medidas necessárias a uma revisão imediata do Acordo Ortográfico pelos oito países de língua portuguesa (incluindo portanto Timor).
Estas três dimensões do problema não terão nunca uma solução satisfatória, atendendo aos malefícios já provocados e aos que se desenham no horizonte. Mas na situação em que nos encontramos, não se pode esperar que haja muitas outras saídas possíveis e esta seria certamente uma delas. (...)
Relembro, aqui e agora, esta crónica de Vasco Graça Moura, publicada no DN a 22 de Janeiro de 2014, por ter ficado a saber, pela comunicação social, que se comemoram hoje oficialmente 800 anos da língua portuguesa, com base no testamento de D. Afonso II, que dizem ser o primeiro documento conhecido escrito em português.
Não posso deixar de achar piada a estas efemérides e aos discursos laudatórios que aparecem sempre em ocasiões assim, segundo os quais a nossa língua é uma das mais importantes do mundo e blablabla, quando na verdade a vejo estropiada diariamente por essa aberração do AO, que se vai aplicando assim assim, como é típico de tudo o que se passa por cá, e quando falta a coragem política para acabar com esta monstruosidade que aos poucos vai minando e desfigurando a nossa língua, igorando que a língua é viva mas é também diversa, e não se muda por decreto; e esquecendo que é a língua que nos define e estrutura o pensamento e permite a nossa relação com o mundo e que, por isso, deve ser cuidada todos os dias e não apenas lembrada de vez em quando, em datas específicas, assinaláveis no calendário.
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