Sou de amores resistentes e mais ou menos assolapados. O francês é, das línguas que conheço, a minha língua do coração. Não sei explicar muito bem porquê. Não apenas por ter sido a primeira língua estrangeira com que tive contacto. É por uma razão mais funda. Há nela uma sonoridade que me toca de um modo particular e que me faz considerá-la a mais bonita de todas, ao contrário da maior parte das pessoas que tem tendência a preferir o italiano, para mim demasiado adocicado.
Tenho a sensação de a saber desde sempre, se bem que isso não seja exactamente verdade. Mas aprendi-a ainda antes de a aprender, porque a minha irmã começou antes de mim. E eu gostava tanto de ouvir aquelas palavras estranhas, que me soavam bem mesmo sem lhes conhecer o significado, que me entretinha a decorar textos do livro dela, que começava, ainda me lembro: Pierre est à la porte de la sallle de classe. Il frappe. Il ouvre la porte... ou, mais adiante, de aprender a dizer isto sem fazer a mínima ideia do que dizia, mas que nunca mais esqueci:
Demain, dès l'aube à l'heure où blanchit la campagne
je partirai. Vois -tu je sais que tu m'attends
j'irai para la forêt, j'irai para la montagne
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.
Isto, soube-o muito depois, é Victor Hugo, que eu não fazia a coisa por menos...
Já adolescente, por coincidência, ou talvez não, grande parte dos meus amigos andavam no Charles Lepierre. Nessa altura, convencidos de que haveríamos de mudar o mundo e com a cabeça e o coração cheios de sonhos e de utopias várias, conhecíamos e cantávamos com fervor todas as canções de Moustaki, de Brassens, de Reggiani, Ferré e companhia, que sabíamos de cor, mas cujas letras eu insistia em escrever na minha letra pequena e redonda nos famosos "cadernos de canções", forrados de tecido e religiosamente guardados, anos a fio.
Isto, soube-o muito depois, é Victor Hugo, que eu não fazia a coisa por menos...
Já adolescente, por coincidência, ou talvez não, grande parte dos meus amigos andavam no Charles Lepierre. Nessa altura, convencidos de que haveríamos de mudar o mundo e com a cabeça e o coração cheios de sonhos e de utopias várias, conhecíamos e cantávamos com fervor todas as canções de Moustaki, de Brassens, de Reggiani, Ferré e companhia, que sabíamos de cor, mas cujas letras eu insistia em escrever na minha letra pequena e redonda nos famosos "cadernos de canções", forrados de tecido e religiosamente guardados, anos a fio.
Hoje, a língua francesa faz quase parte de mim, trato-a por tu, e vivemos na mais absoluta intimidade. Não é a minha língua, mas diria que sou capaz de pensar, rir, chorar ou emocionar-me em francês, por mais estranho que possa parecer.
Trago comigo outros amores assim, intemporais e da vida toda, alguns mais secretos que outros. E em momentos de excesso de sentimentos, seja tristeza ou alegria, não é raro pensar num poema, ou numa canção. Em francês, pois claro. Hoje, foi isto:
Venise n'est pas en Italie
Venise c'est chez n'importe qui
C'est où tu vas
C'est où tu veux
C'est l'endroit où tu es heureux
Venise n'est pas là où tu crois
Venise aujourd'hui c'est chez toi
Faites l'amour dans un grenier
Et foutez-vous des gondoliers...
(Fotografia de Maria Cristina Guerra)
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