Para designar o tempo, a antiguidade grega distinguia duas palavras: Kronos, o tempo sequencial tal como hoje o entendemos, que pode ser medido, repartido em horas, dias, meses, anos; e Kairos, definido como um momento indeterminado, existencial, em que algo de especial acontece.
Segundo a mitologia, Kronos seria um ser de três cabeças que teria dado origem ao universo, ordenado em terra, mar e céu; e Kairos estaria intimimamente ligado a Atena (sabedoria) e Eros (amor), ao tempo psicológico, à beleza cristalizada de cada momento, ao ser sem devir.
Hoje, a noção que temos do tempo é a de uma sequência de acontecimentos captados pelos sentidos, que se sucedem de forma lenta, ou rápida, fluindo como a água, associado à influência que tem em nós a alternância entre a luz e a escuridão, o dia e a noite, ou a mudança das estações; mas, também, tudo o que é relativo no tempo e no espaço, potencializador da impressão que nos causa e nos permite viver o presente na mais absoluta plenitude. O tempo que corre e o tempo que apenas é.
A isto se refere Jorge Amado, no belíssimo conto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - uma história de amor, nestes termos: "O tempo é um ser difícil. Quando queremos que ele se prolongue, seja demorado e lento, ele foge às pressas, nem se sente o correr das horas. Quando queremos que ele voe mais depressa que o pensamento, porque sofremos, porque vivemos um tempo mau, ele escoa moroso, longo é o desfilar das horas."
Ou Marguerite Yourcenar, em L'eau qui coule: "Sem relógio, sem calendário (...) o tempo passava como um relâmpago ou então durava eternidades. Nascia o Sol e desaparecia, num sítio um poucochinho diferente do da véspera, um pouco mais cedo todas as noites, um pouco mais tarde todas as manhãs. A madrugada e o crepúsculo eram os únicos acontecimentos de monta. Entre eles algo corria que não era o tempo, mas a vida."
Também eu tenho uma estranha relação com o tempo, um deslumbramento pelo seu carácter passageiro, simbolicamente representado pela metáfora da corrente do rio (Sous le Pont Mirabeau coule la Seine), numa efemeridade que torna cada momento único e irrepetível; e, simultaneamente, a noção clara disto que a vida me foi ensinando: que só o presente importa e que temos que aproveitar cada dia, não apenas como mais um dia, mas como uma dádiva da existência, na sua inquebrantável relação com o universo.
Será isso que explica, talvez, a minha paixão por relógios, que já em criança me fazia ficar parada diante do relógio de pêndulo da sala dos meus avós, ou deter-me embascada a ouvir tic-tacs vindos não sabia de onde e que faz de mim uma adulta sempre pontual, que não dispensa por nada o uso de relógio. Os relógios são, de facto, (além das canetas), um dos meus objectos de estimação. E de colecção.
Tentativa sempre frustrada de capturar o tempo, de o deter num momento em que passado presente e futuro se confundem e coexistem, ou vontade secreta de aprender a só ser, kronos dissipando-se em Kairos?
Esta relação dialéctica, contraditória e mesmo inesgotável entre o que é um pouco a alma portuguesa, vivendo permanentemente na nostalgia de um passado que não volta e confere ao presente uma melancolia que só a esperança num futuro melhor e maior atenua e a mais nítida consciência de que o passado não se repete e o futuro não existe, é que nos permite um olhar demorado sobre o presente, feito de sorrisos e silêncios sublimes, que nos impedem de "ficar para sempre à margem de nós mesmos."
Também gosto muito de relógios, embora não consiga ouvir os tiquetaques, sobretudo durante a noite. Fazem-me impressão e nostalgia pois na casa dos meus avós e pais havia relógios por todo o lado.
ResponderEliminarA noção de tempo é muito complexa e subjectiva. Hoje estava a falar com uma amiga da minha filha que é japonesa e quando pensei que já me tinha separado há dez anos, parecia-me quase impossível que tivessem passado tantos anos. Também ontem encontrei uma colega que não via há anos e dava-me a impressão de que a tinha visto na véspera.
Quanto ao futuro, gostava que o tempo passasse lento, lento, não tenho nenhuma pressa de viver:))
Bjo
A noção de tempo é tão complexa como fascinante. Também não tenho pressa de nada, é sempre, cada vez mais, um dia de cada vez, presente, presente, presente... :))
EliminarBeijinhos
O tempo é sempre o mesmo. Como o aproveitamos?
ResponderEliminarcurtosinstantes.blogspot.com
«Pensamos no tempo e o tempo surge em pensamento. Detemos no momento o pensamento e o pensamento emerge. Pensamos depois, que o tempo precede o pensamento e assim pensando, forçamos o impensável tentando encerrar o tempo onde não há pensamento.»
ResponderEliminarBeijo, Miguel
:))
EliminarBeijinho, Miguel!
José Cardoso Pires dizia «Com esta escrita descobri uma coisa em que nunca tinha pensado, é que o bem mais precioso do homem é a memória.». Não há tempo sem memória, não há passado, presente nem futuro. Boas memórias presentes e futuras é o meu desejo, Kronos e Kairos.
ResponderEliminarE, agora sim, que texto bonito... :)
Beijinhos!
Obrigada, Paulo, tão querido!...
EliminarÉ o meu desejo também, esse das boas memórias presentes e futuras ;)
Beijinhos!! :)
Belinha