Sempre gostara de se estender ao sol, como se dentro dela houvesse uma necessidade urgente de luz, ou da energia que aquele calor lhe transmitia. Nem lhe importava a estação do ano. O sol, mesmo mortiço, sabia-lhe bem. Animava-a; compensava-a do frio que se lhe instalara no corpo. E também, talvez, no coração.
Procurava, entre memórias perdidas, às voltas na sua cabeça, girando a mil à hora, desvendar o momento exacto ou o acontecimento que poderia tê-los feito chegar áquele ponto em que já nada parecia ter remédio.
Sentia-se dividida entre a vontade de o reter e recuperar o amor que o tempo desgastara, tão lentamente que não os deixara sequer aperceber-se do que ia acontecendo, ou deixá-lo ir, como se o fim fosse natural e inevitável.
Seria tão banal como dizia a canção naquele dia? (maybe it's just the way it is and there's nothing I can do it's just the way it is...) Tantos anos depois da primeira vez, recordava aquela noite fria de Dezembro, esquecida num tempo já muito longínquo; e perguntava-se o que sobrava desse amor, ao qual se dera para lá do que alguma vez julgara possível. Juntos, tinham vivido quase tudo: o amor e a dor, a descoberta do prazer e o desânimo, a mágoa e a saudade.
No fundo achava que, apesar de todos os entusiasmos que se lhe cruzavam por diante, nunca seria capaz de amar com a mesma entrega de corpo e alma com que sempre se lhe dera inteira. O que os unia afinal? Era cada vez mais amizade e cada vez menos amor, num percurso antigo, em que até então tinha sido impossível distinguir onde acabava uma coisa e começava a outra e que, no entanto, nunca fora simples, nem mesmo pacífico.
Às vezes pensava que ainda queria que tudo pudesse voltar a ser o que já fora; e como seria bom se bastasse simplesmente abrir os braços para trazê-lo outra vez para perto do seu coração, na serenidade de um afecto antigo, porto seguro de todas as horas e memória de colos ancestrais. Amava-o, na verdade, ou tudo o que sentia não eram senão os restos de um amor à beira do fim, a saudade de uma intimidade perdida?
Quando o olhava no fundo dos olhos, procurando em vão a resposta para o que lhes acontecia, continuava a enternecer-se e a enfeitiçar-se um bocadinho com o seu brilho meio triste, semelhante a um pedido de protecção reprimido pelo pudor, capaz de despertar nela instintos maternais entretanto adormecidos na parte mais funda e obscura de si.
E tentava entender por que a atraíam novos enredos, o que a fazia deixar-se levar na procura de novas emoções e de uma felicidade mais plena, o que a fascinava noutros corpos, ou em personalidades mais pressentidas do que reveladas, em possibilidades sonhadas, na incapacidade de resistir à tentação, quem sabe se apenas iludida pela ânsia do coração disparado a querer saltar do peito e do corpo a arder de desejo, de sentidos à solta, em busca de uma originalidade qualquer, que lhe permitisse voar a grandes altitudes, em direcção a caminhos tão incertos quanto aliciantes, muito para lá do horizonte, atravessando a linha onde o mar o o céu se juntam numa união aparentemente tão perfeita.
Depois, voltava a indisfarçável vontade de se enroscar no seu colo e a saudade de todos os momentos em que, esquecidos do mundo, se entregavam ao seu amor, tão profundo e diferente de tudo, demorando-se um no outro, num consentimento mútuo que não precisava de muitas palavras. Do tempo em que se arrepiavam ao mínimo toque; do prazer da pele deslizando contra a pele; da descoberta de cada milímetro de corpo, que as suas mãos conheciam agora de cor; e do gosto dos beijos, quentes, molhados, grandes, pequenos, depressa, devagar. Ou das vezes em que, estando sozinha, um cheiro a perfume lhe bastava para o trazer de novo até si e sentir a vontade da sua boca a crescer-lhe no corpo, na imensa saudade de tanto que haviam aprendido e experimentado juntos.
Mas o tempo, implacável, tinha acabado por confirmar o que a idade adulta lhe deixava adivinhar e o coração persistia em querer contrariar: só as histórias de encantar têm finais felizes.
O seu amor era agora semelhante ao sol de inverno, obstinando-se num brilho enfraquecido, ou deixando-se vencer pela sombra das nuvens. Os seus braços já não a agarravam com a mesma força protectora; o seu colo não tinha o mesmo calor de outrora. E, ainda assim, não imaginava a sua vida sem aquele abraço. Como separar-se, excluindo da existência o que tanto se quis? Sabia que entre eles, depois de tudo o que tinham passado juntos, a distância total era impossível. Que o quer que fosse que viesse a acontecer, ele sempre lhe importaria. E concluía que nunca nada é definitivo, nem mesmo o que parece próximo de ser um fim. Tinha a certeza que, tal como precisava da música e da poesia, do mar e do sol, precisaria sempre da pureza e da fortaleza do seu afecto amigo. Porque há sentimentos íntimos que são como um nó que nunca se desfaz. E porque há amores assim, sem limites nem amarras, que chegam à nossa vida, se instalam e ficam nela para sempre.
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