Os dias sucediam-se desiguais, entre sossegos e inquietações, sobressaltos e rotinas, ora deixando o tempo fluir sem querer nada que não fosse a liberdade de poder ceder à vontade mais imediata, ora entregando-se ao prazer das horas em que lhe bastava tê-lo perto para lhe parecer que aquele amor haveria de poder resistir a tudo, nos dias em que o seu cheiro e a sua presença lhe faziam crer que tudo estava certo e lhe tomavam conta da vida e lhe voltavam a despertar desejos ocultos que julgava adormecidos no fundo de si, desgastados pelo quotidiano, mas que ainda se reacendiam às vezes, quando ele a olhava com os olhos meigos que só têm os amantes secretos, ou quando ria com o seu riso de menino, que sempre a desarmava e enternecia.
E então tudo lhe fazia sentido de novo; e parecia que as estações e os anos não haviam passado e que o mundo continuava a ser só eles os dois e aquele amor discreto, independente e desmesurado, que mais ninguém conhecia pelo lado de dentro, no arrepio da pele, na sensualidade do toque e no coração a bater descontrolado, nos gestos ardentes, nas horas tempestuosas e serenas de entrega total, paixões à solta e corpos confundidos, sem pudores nem moralismos, no desnorteamento de quem procura através de todos os sentidos conhecer o mapa que indica o caminho do paraíso.
E queria agarrá-lo e apertá-lo contra o peito, cedendo à saudade de só se deixar ir, rendida ao calor daqueles braços bons, dos beijos demorados e intensos, pensando que há amores que são da vida toda e que quando é a sério cabe tudo dentro deles: o amor e a dor, o medo e o prazer, a paz da intimidade e o silêncio de quem se entende só pelos olhos.
O que havia entre eles era uma vida inteira. Eram todos os beijos e todas as lágrimas, os sorrisos e os sonhos que tinham sonhado juntos, os projectos e as promessas, as incertezas e as ausências, os desejos e os desencontros. E os caprichos satisfeitos apenas porque sim. E as palavras, e a força, e o aconchego, e os mimos. E tudo o que só se consegue sentir e se toma nos braços, e se embala devagar, e se quer levar pela vida fora.
Depois passava um avião que a despertava do torpor ainda ensonado que a transportava para longe, virada para dentro do coração, enquanto olhava desatenta o azul do dia a clarear.
E sorria, a pensar que o que quer que fosse a sua vida daí em diante, sempre tão cheia de surpresa e novidade, a felicidade era também o muito e o pouco daquela história bonita, triste, enternecedora e verdadeira, que a marcaria para sempre, como um nó muito apertado, que nunca se desfaz.
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