sábado, 29 de agosto de 2015

Bazófias


"Écrire c'est ébranler le sens du monde, y disposer une interrogation indirecte, à laquelle l'écrivain, par un dernier suspens s'abstient de répondre. La réponse c'est chacun de nous qui la donne, y apportant son histoire, son langage, sa liberté." 
                                                                         
                                                                                                                                   (Roland Barthes)

Hoje, há muito a ideia que qualquer um pode ser um grande escritor. E não falta por aí quem se considere como tal, apenas por ser capaz de alinhar meia dúzia de frases ou ideias mais ou menos engraçadas. A facilidade que a tecnologia trouxe à circulação da palavra escrita, propiciou  o aumento considerável do número de presunçosos que anunciam publicamente que "escrevem", querendo com isto dizer que há neles um potencial grande escritor, ansioso por revelar-se ao mundo e à espera da "sua" grande oportunidade. E não faltam os cursos de "escrita criativa", que ensinarão, presumo, a melhor maneira de chegar a um best seller.
Li, já não sei bem onde, que se publicam em Portugal mais de dez mil livros por ano. E pergunto-me quantos serão efectivamente lidos. De resto, é comum, actualmente, ouvir-se esta frase, que diz tudo: "Eu não leio muito. Eu gosto é de escrever." Como se uma coisa pudesse existir sem a outra.
Esquece - ou ignora -  essa gente que "gosta de escrever" que para o fazer (e bem, já agora!) há que ler muito. E que ler um bom autor, deixar-se enfeitiçar pelas palavras, pela sintaxe, pela  sonoridade e  ritmo próprios de cada texto, que é afinal o que nos toca e transforma, pode ser uma excelente forma de conhecer o mundo e de nos conhecermos, bem melhor que qualquer teoria, ou prática, de "escrita criativa".
É que gostar de escrever é uma coisa, saber escrever bem é outra totalmente diferente. E ser um escritor é outra ainda...

4 comentários:

  1. Parece-me que são tendência da nossa era. Antigamente para se ir à TV cantar tinha de se ser bom cantor. Hoje em dia o que está a dar são programas de cantores amadores em que por vezes basta aparecer, emitir uns grunhidos para se ser notado. Mas a realidade é a que é, e hoje o que está a dar é o Zé do Boné que mete umas macaquices na Net que se tornam virais.

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    1. É verdade, Sérgio, tem razão. O fenómeno não é exclusivo da literatura, passa-se noutros domínios também, como na música, por exemplo, onde a quantidade parece ganhar maior importância do que a qualidade.

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  2. Amontoar palavras é uma coisa.
    Saber dar-lhes significado pela escrita faz a diferença.
    A tua análise é de uma lucidez certeira.
    Beijinhos

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    1. E fazer a diferença não é mesmo para todos.
      Obrigada, mfc.

      Beijinho

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