Por muito mal que digam de Nuno Crato, é na verdade com este governo e com este ministro que a educação literária volta a assumir no ensino do português o papel fulcral que nunca deveria ter perdido.
Haverá sempre os defensores do caminho facilitista, os que querem "nivelar por baixo" e que acham que a literatura é para as "elites", porque os textos são demasiado difíceis. Esta é a posição assumida, por exemplo, pela inenarrável Associação de Professores de Português, na qual a maior parte dos professores não se revê e cujas posições públicas sobre os mais variados assuntos nos fazem corar de vergonha.
Há hoje, de resto, uma tendência crescente para considerar que a literatura, em particular, e as Humanidades, a cultura e as artes, em geral, não servem para nada, ou têm uma importância menor, normalmente associada ao lazer e ao ócio e restrita a certos meios, ditos "intelectuais". Nada mais errado!
Os que assim pensam e que defendem o utilitário e o pragmático, acreditando que apenas importa aprender a fazer coisas de uma forma mecânica, quase sem pensar, esquecem a visão crítica sobre o mundo que o ensino da literatura permite; esquecem que só a leitura conduz à escrita e que para escrever bem é preciso ler muito. E que a leitura ajuda à concentração, desenvolve a imaginação, proporciona emoção e permite a conservação de um património artístistico, histórico e cultural, formando cidadãos mais lúcidos, capazes de raciocínios mais consistentes, de maior sensibilidade, a consciência do valor da língua em todas as suas possibilidades e realizações e que, como alguém dizia no Sábado, julgo que talvez Maria Alzira Seixo, "a literatura não resgata o mundo, mas ajuda a compreendê-lo e a suportá-lo".
É por isso que encontros como o deste fim de semana no CCB, intitulado "A urgência da literatura" e baseado no pressuposto que "é através da literatura que a língua atinge a sua máxima realização" e que é importante "pensar a literatura num tempo em que impera o paradigma tecnológico" assumem particular relevância. Como dizia António Carlos Cortez - comissário deste colóquio, juntamente com Helena Buescu - em entrevista ao DN de Sábado: "Quando retiramos a complexidade dos textos retiramos aos alunos a possibilidade de alcançarem uma maior amplitude intelectual. Hoje vemos que há toda uma geração que não sabe interpretar os conteúdos das mensagens que lhe são transmitidas, que não tem vocabulário para falar, nem para pensar. Há uma imaturidade generalizada nos jovens em consequência dessa imaturidade pressuposta por aqueles que acharam que os alunos eram incapazes de ler (...) Alexandre Herculano ou Camilo Castelo Branco. Foi a ditadura do banal imposta pelas Ciências da Educação e os seus bons sentimentos que levou à perda de uma geração inteira que não sabe escrever, que lê pouquíssimo, porque se patrocionou uma literatura infantil, uma literatura de entretenimento. (...) A propósito do provincianismo português Fernando Pessoa escreveu na revista Águia que todo o povo que é provinciano tem uma espécie de fetichismo da técnica. E os portugueses são assim. Substituíram a cultura por um hiperfascínio em relação a tudo o que é da ordem da máquina, do imediato, do concreto. (...) Há uma obsessão pelo pensamento estatístico e um decrescimento do pensamento crítico humanista (...) as gerações mais novas não podem viver reféns da ideologia do banal, do divertimento e do superflúo. As políticas educativas têm de dizer definitivamente "não" ao aventureirismo pedagógico e aos interesses partidários."
É nesta linha que surgem as metas curriculares e o regresso aos currículos de autores e textos literários fundamentais, através dos quais se ensina e aprende tanto do que que é essencial para a vida.
É nesta linha que surgem as metas curriculares e o regresso aos currículos de autores e textos literários fundamentais, através dos quais se ensina e aprende tanto do que que é essencial para a vida.
Importa pois dotar as crianças e os adolescentes de uma consciência literária e linguística, mas não exagerar nos conceitos demasiados "técnicos" que, além da sua duvidosa utilidade, só servem para os afastar da disciplina de Português, cuja importância no currículo é crucial. O ensino do Português tem que se centrar na importância da leitura e da escrita, acima de tudo, na importância da reflexão e no desenvolvimento da argumentação e do espírito crítico. A preocupação não pode ser o imediatismo do exame, ou do programa. O que importa é ver mais longe e formar cidadãos mais conscientes e interventivos, capazes de observar o mundo criticamente e de ser mais felizes.
É um desafio gigantesco e tão urgente quanto difícil. Mas que, certamente, vale a pena!
É um desafio gigantesco e tão urgente quanto difícil. Mas que, certamente, vale a pena!
O facilitismo provoca o nivelamento por baixo. É assim com tudo e o ensino não foge à regra.
ResponderEliminarFico com a ideia que poucas são as pessoas interessadas num real desenvolvimento.
A literatura é importante, se não fundamental. Quem disser o contrário não tem a noção da consequência do que diz.
É, de facto, um enorme desafio mas que tem que ser encarado e 'posto em campo'.
E lá vem a tal coisa que dá pelo nome de Associação de Professores de Português.
Excelente este seu contributo para quem neste problema estiver interessado.
Fico grato por isso.
Beijinho
Em teoria toda a gente concorda com isto, António. Passar à prática é às vezes mais complicado. Os professores, que têm uma vida difícil, como tantos outros portugueses, estão desanimados e desalentados e deixam-se com frequência vencer pela inércia e fazem "como toda a gente", sem se questionar.
EliminarSou professora, como sabe, e não estou a colocar-me de fora. No entanto, este tempo em que tenho estado um pouco mais distante da prática lectiva, estando fora e dentro em simultâneo, tem-me ajudado a criar um distanciamento que me permite uma visão mais crítica, mais reflectida e mais abrangente. E isso é bom! Tenho sobretudo aproveitado para fazer muita formação (não daquela que é mais do mesmo e não acrescenta nada), que actualizando os meus domínios científicos de base me permite repensar tudo e querer fazer mais e melhor. E achar que isso é possível, além de desejável.
Eu é que lhe agradeço a permanente atenção ao meu "Isto e Aquilo" e a sua simpatia.
Beijinho
Pelo que tenho acompanhado, as discussões recentes à volta do ensino tem a ver com o modelo de gestão e estratégia a seguir e não tanto com questões técnicas dos programas (se tem mais este ou aquele autor ou texto, etc). A associação de professores de português é contra acima de tudo porque é um adversário político pelo que será sempre contra tudo e o seu contrário. Faz parte do jogo.
ResponderEliminarAssim, as questões de fundo que tem gerado insatisfação e muitas dúvidas em relação ao futuro, pelo que tenho percebido têm a ver com a redução de pessoal (que é impossível acontecer de forma pacifica), aumento das turmas, o suposto cheque ensino (uma viragem ao ensino privado) que a concretizar-se vai alterar bastante a realidade do nosso ensino, incluindo relações de força para além da componente do negócio. Mas não sou especialista no tema para desenvolver em detalhe, é apenas a minha perceção.
Sérgio: a educação tem muito que se lhe diga, mas não é de nada do que refere que eu falo aqui. Falo do regresso da literatura ao ensino do português e da sua importância para formar cidadãos mais preparados, mais críticos e interventivos, mais capazes de viver melhor. Parece pouco, mas é imeenso!
EliminarE o resto são outras conversas...