Às vezes lembrava ainda o tempo em que ele a chamava sem precisar de palavras e com que excitação o seu corpo lhe respondia. Lembrava as pernas a tremer e o coração disparado, os arrepios do toque, os beijos demorados, ardentes e incontáveis e o modo exaltado como sempre se entregava inteira àquela paixão desmedida.
O tempo em que o seu cheiro se lhe colava à pele e a sua companhia era toda sol e céu, em que o silêncio era a forma cúmplice e desassombrada de se saberem ter um ao outro para as pequenas e as grandes coisas da vida e em que até a solidão era descoberta, intimidade e partilha. E a doçura redentora da crença num amor infinito, maior, melhor, diferente de todos os outros.
Depois vinha a dura realidade de perceber que já nada era assim e parecia até nem ter remédio, o desconforto daquele vazio no peito que era como se lhe arrancassem um pedaço de si, a inquietção constrangida de quem parece já não ter nada a dizer, e um poema do Eugénio ecoando repetidamente na sua cabeça: Já gastámos as palavras pelas ruas, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes...
E a ausência e o esquecimento. E a fragilidade de se ver sozinha diante de caminhos e de mundos desconhecidos, que a seduziam e assustavam de igual modo, a angústia do sentimento de culpa que em certos dias lhe tomava conta do pensamento e a fazia perguntar-se o que acontecera afinal e em que momento, ou por que razão, tudo começara a ser diferente.
Havia também alturas em que, entre o desencanto e a esperança, se enternecia e emocionava; em que lhe bastava uma palavra, um abraço ou uma meiguice qualquer para acreditar que tudo podia ainda voltar o ser o que já fora e que, em querendo, seria possível contrariar a inexorável marcha do tempo. E queria tudo e nada ao mesmo tempo.
Então virava-se para dentro, encolhida e calada, deixando a tristeza e a música embalar-lhe aquele buraco enorme que a deixava mais desprotegida e indefesa que nunca, sem serem precisas lágrimas, nem dramas, nos momentos em que muita coisa íntima se desatava de repente.
E logo refeita, sorria, na alegria serena de imaginar que entre o que fomos e o que está por vir, enquanto o coração bate no peito, há muita vida pela frente. E que, acima de tudo, é preciso ter calma...
Agora apetecia-me virar a página para ler mais, como se fosse um romance Por segundos esqueci-me que estava a ler o bloguer isto e aquilo.:) Olhe, vai num bom caminho! Pense no assunto!
ResponderEliminarTambém gostei da imagem escolhida . A senhora pareceu-me a Natalie Wood.
Beijinho Isabel
Pareceu-lhe a Natalie Wood, porque é mesmo ela. Com o Steve McQueen. A imagem é de um filme de 1963, "Love with the proper stranger".
EliminarQuanto ao resto, agradeço as suas palavras, mas não exagere. Um romance? Gostava de ter mais tempo para poder escrever mais, mas não sei se saberia escrever um romance. Com qualidade, claro. Porque se não fosse assim não valeria a pena. Já há tantos... ;)
Beijinho Madalena. E obrigada!
Já li muitos romances de boa e suficiente literatura. Acha que não tem jeito? Digo-lhe que tem!...Se a Isabel fosse natural da Finlândia esta questão da qualidade e de haver tanta gente a escrever não se colocava...Lá, a maioria dos cidadãos escreve livros... Mas compreendo o que quer dizer. A nossa realidade social é bem diferente. Beijinhos.
EliminarMadalena: como disse aí noutro comentário, eu não sou de "falsas modéstias" e toda a vida ouvi dizer que escrevia bem. Mas isso não faz de mim uma "escritora", se é que me entende.
EliminarE acho que há por aí muitas gente (incluindo na blogosfera), que lá porque até tem jeito e prazer em escrever, já se imagina Camilo ou Balzac, para referir apenas dois topos de gama ;)
Acho que percebe o que quero dizer. Obrigada de qualquer modo. É sempre bom ouvir/ler essas gentilezas com que costuma presentear-me.
Beijinho
Por coincidência, malapata dos demos ou acidente por decifrar, ia escrever sobre essas mesmas histórias que sugam almas e rasgam carne. Por isso mesmo, ou também por isso, soube muito bem lê-la, Isabel. Beijinho :)
ResponderEliminarDeve ser isso tudo junto, Paulo! :)
EliminarA mim também me sabe bem encontrar estes ecos do lado de lá das palavras. E fico à espera do seu texto. Já sabe que gosto de ler o que escreve, mesmo quando discordo do que diz, o que não é frequente, mas lá acontece.
Obrigada. Beijinho :)
Em português, o filme é Amar um desconhecido. Adoro esse filme e já usei também esta mesmíssima foto no AE, é belíssima. Como o par :)
ResponderEliminarDe resto, imaginação e boa escrita não lhe faltam para escrever o romance. Vamos em frente! :)
Permita-me, AEfetivamente! Depois da deixa que nos deixou sobre o nome do filme, o que agradeço, fui investigar no Google e dê de caras com o último texto do seu boguer. Caramba! Afinal, não sou só eu a gostar de conversar com desconhecidos. Explicou tudo muito bem . O ponto de vista do outro faz com que nos possamos perceber ou entender! Obrigada!
EliminarTambém já usei outra fotografia deste filme. Esta é magnífica. E o par ajuda, claro está! ;)
ResponderEliminarA minha auto-estima hoje fica em alta... Sem falsas modéstias, sempre me disseram que escrevo bem e a conversa do romance também não é nova. Mas continuo a achar que não basta saber escrever, é preciso ter uma boa história e saber construí-la de forma interessante. Não é para todos! E ainda tenho tanto para ler...
Mas obrigada pelo voto de confiança. Beijinho
Natalie Wood e Steve McQueen, identificadíssimos. O tal filme que agradou a milhares.
ResponderEliminarDeixo já, antes que me esqueça, o link para ouvir Michael Bublé e Lausa Pausini, em estúdio. Sublime.
http://youtu.be/lYm1C2gKMU8
Quanto à história/romance/escrita ... whatever, 20 pontos, porque não posso dar mais.
Tenha um dia feliz, Isabel.
Beijinho
Nunca vi o filme, mas gosto das inúmeras fotografias que há sobre ele. E a isso não é indiferente a beleza algo carismáticas dos protagonistas.
EliminarNão sou fã de Bublé nem de Pausini, mas esta é, de facto, uma combinação que resulta muito bem. E que se conjuga de certo modo com o texto, digo eu.
E no que respeita ao resto, só posso agradecer. A escrita não é exactamente um "confessionário", mas é impossível não nos implicarmos nela, misturando sentimentos e vivências várias. E os textos arrancados ao mais fundo de nós acabam por tocar mais as pessoas também, talvez, porque são a racionalização de uma emoção que aqui e ali, de uma forma ou de outra, toda a gente experimenta.
Há pessoas que até me são chegadas, mais cépticas em relação à blogosfera e afins, com todos os seus "perigos", que me dizem que me exponho muito. Pode ser, mas não me importa. Porque a vida é também isso. E porque à medida que vamos amadurecendo perdemos as vergonhas de nos assumir como somos e - como diz um amigo de quem gosto muito - "tornamo-nos muito mais imunes às opiniões alheias".
Beijinho, António, um dia feliz também para si.