segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Ao Deus dará


Neste fim de semana morreu uma aluna da minha escola. Tinha treze anos. A história é má demais para ser verdade. E no entanto...
Estava sozinha em casa, de madrugada, com quatro irmãos mais novos, o que era frequente, ao que parece. Sem que se saiba com exactidão o que aconteceu, a casa começou a arder. Ela conseguiu salvar os quatro irmãos de quem habitualmente se ocupava, mas não conseguiu salvar-se a si mesma.
Eu não a conhecia, embora possa ter-me cruzado com ela inúmeras vezes, no pátio, nos corredores, nas entradas e saídas de tantos dias do primeiro mês de aulas. Dramas como este e heróis quase anónimos assim são, infelizmente, bem mais frequentes do que seria admissível e humanamente aceitável. Mas quando está demasiado perto de nós parece tocar-nos mais.
Fiquei a pensar nisto muito tempo e vieram-me à ideia esta e outras histórias igualmente dramáticas, umas que conheço e outras que apenas pressinto em alguns  olhos tristes de quem se senta na sala de aula todas as manhãs, alheado e distante; e de todos aqueles para quem a escola é ao mesmo tempo refúgio e enfado, dos não podem querer saber o que é o superlativo absoluto analítico, ou o que quer dizer comment ça va, quando a sua preocupação mais urgente é sobreviver à miséria, seja ela de que  tipo for.
Agora que volto a estar outra vez mais perto da realidade, sei bem  que há muitas crianças que crescem e vivem sabe Deus como, sozinhas, abandonadas à sua sorte, que é antes o seu azar.  E que, apesar de todos nos sobressaltarmos com estas histórias doridas e pungentes, como a da Sira, logo voltamos à nossa rotina para nos queixarmos da crise e dizer mal dos políticos, sem termos bem a noção de como é fácil, e organizada, e boa a nossa vida.

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