sexta-feira, 13 de março de 2015

Ponto final

 
Não gostava de dar a nada um tom definitivo, nem de dizer nunca, nem para sempre. E no entanto parecia-lhe cada vez mais claro que aquele amor que acreditara ser da vida inteira tinha chegado a um ponto em que era impossível voltar atrás, e consertá-lo, e retomá-lo como antes repetidamente acontecera, no tempo em que tinha a certeza que sem ele a vida não tinha cor, ou sentido.
E se às vezes ainda se lhe enevoavam os dias, e entristecia, não era senão a mágoa de saber que já pouco restava do que fora uma paixão imensa e era agora um vazio sem remédio, confundido com outras vontades e medos que lhe assaltavam o peito e o corpo, enquanto pensava que o caminho é sempre para a frente, ainda que talvez não soubesse, ou pudesse, voltar a entregar-se assim.
Não chorava, não sofria. Mas a certeza daquele fim fazia-a, a espaços, tremer de frio pelo lado de dentro, e gelar-se-lhe o coração, ao perceber que ele era afinal previsível e inevitável, e que ela não lhe tinha sequer notado os sinais; que nunca pudera ou quisera ver isso com a mesma clareza com que o via agora; e que o amor que fora tudo, prazer, descoberta, entrega, dor desânimo, risos, lágrimas e saudade - que o amor nunca é simples nem tranquilo - se fora extinguindo aos poucos, até não ser já coisa nenhuma. E nem mesmo o aliciante e incerto do que estava por vir, feito de ânsia e de temor em igual proporção, a conseguia animar.
Aninhava-se no seu canto, virada do avesso, alheada do mundo, desprotegida e assombrada pela ausência de um colo e de um abraço protector, e deixava-se ir na banalidade dos dias que se sucedem a outros dias, envolta em brumas e em ventos que sopravam em todas as direcções, percorrendo caminhos indefinidos, tentando aproveitar a vida como ela vem, sem querer saber de nada, como quem deixa passar a tempestade e espera o regresso do sol para aproveitar a liberdade e a luz, e depois solta os cabelos no vento e sonha com horizontes límpidos e sem limites, e se deixa seduzir pelo arrepio de vontades insensatas, vidas novas, intimidades por descobrir.
 
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

2 comentários:

  1. Belo texto Isabel.
    Mas daqui a uns anos a sua heroína vai olhar para este tempo e sorrir...
    A dor nem sempre vale a pena!

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    1. Obrigada, Helena.
      Daqui a uns anos? Se calhar muito antes... ;)
      Concordo consigo, mas é preciso senti-lo de facto.

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