quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Caminhos


Por mais que confiasse na sua intuição e se deixasse levar pelo coração, havia na história da sua vida escolhas boas e más, surpresas e decepções, amores marcantes e outros que haviam passado sem fazer mossa ou deixar cicatriz. Havia as empatias imediatas, os interesses ou valores em comum e as afinidades de todo o tipo. Havia, também, talvez acima de tudo, o que se situa do lado do inexprimível e inexplicável, o que está para lá de todas as palavras e é só sentimento e emoção, que nos leva a aproximarmo-nos de umas pessoas e de outras não, a criar laços só porque sim, levados por um mistério qualquer que nos empolga, enternece e encanta, que faz o coração disparar no peito e depois se vai desenvolvendo devagar, na subtileza da partilha e da intimidade crescentes, até que o afecto se instale definitivamente, ou se perca para sempre.
Sempre fora de tudo ou nada. As meias tintas não eram para si. E por isso os amores fáceis e lineares nunca lhe aconteciam, nem a entusiasmavam. Eram as pessoas controversas e enigmáticas que a atraíam, como se houvesse naquela complexidade um mistério qualquer que fosse bom descobrir. Gostava de almas inquietas e errantes como a sua, da mistura de paixão e racionalidade, de risos fáceis mas não patetas, de sensibilidade sem lamechices. Gostava de mãos grandes, de abraços apertados e de palavras sussurrados ao ouvido em momentos de prazer e rendição. Gostava de se perder no fundo de outros olhos quando via neles a doçura que  converte os dias de estar juntos em dias inesquecíveis e bons.
Por isso não conseguia entender muito bem os que via preferir qualquer coisa morna ou mais ou menos satisfatória ao temor de se acharem a sós consigo mesmos, por mais que tentasse convencer-se que eram infinitas as possibilidades de encontrar o caminho certo, e que cada um escolhe o seu.
Aprendera a viver a vida sem amarras, sem pressa e sem medo, a entregar-se de alma e coração sempre que o amor chegava à sua vida, imponente e grandioso, animando-lhe o corpo na vertigem do desconhecido e no temor da novidade que se adivinhava na luz de novos olhares. Mas prezava a sua liberdade e precisava às vezes de silêncio e solidão para reencontrar o equilíbrio, pois acreditava e sentia que nessa alternância estava a sabedoria de viver de forma serena e feliz.
E, no entanto, ligava-se fortemente às pessoas e aos lugares, e parecia existir em aparente e constante contradição, entre a incerteza de ir escolhendo o rumo a seguir em quase total independência e a necessidade de voltar onde e a quem era sempre o seu porto seguro.
Diziam-na forte e arrojada quando no mais fundo de si se vira tantas vezes frágil e vulnerável, exposta e desprotegida, embora lhe soubesse bem poder ter um refúgio onde se acolher, deitar a cabeça e descansar, um colo a saber a casa e um corpo que conhecia de cor, sem necessitar de juras de amor eterno, de ciúmes parvos ou de sentimentos de posse, nem nunca precisar de assumir amores perante os olhos do mundo, que os compromissos e os afectos fazem-se dentro de portas e de corações, no secretismo de duas vontades que se conjugam.
Sabia que todas as pessoas, mesmo as que mais amamos ou admiramos, nos desiludem e magoam. E que algumas acabam por afastar-se a determinada altura sem uma razão óbvia, ou sem conseguirmos encontrar um motivo suficientemente válido que o possa explicar. Mesmo sem saber o como, o quando, nem o porquê de muitas coisas, acreditava que a vida se encarrega sozinha de fazer uma selecção natural e permitir que o bom permaneça e que o que não faz sentido ou não presta se vá perdendo no percurso.  E entre dúvidas e vontades, entre o que queria e não queria entender, ficava a certeza de que só estava no seu coração e  na sua vida quem tinha nela lugar cativo e de que, quando fechava uma porta, era para nunca mais a voltar a abrir.

4 comentários:

  1. Belo texto, e de fato, a vida se encarrega de varrer o que deve ser limpo nas nossas vidas, inclusive determinadas pessoas, mas convém não ser magoável, é melhor ter raiva passageira mesmo, se for o caso. Um abraço

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    1. Não é o caso. Raiva nenhuma. Tudo muito natural...
      (já agora, desculpe-me mas sou professora de Português e, por isso, mais sensível a erros linguísticos /ortográficos. É de facto e não "de fato", mesmo com o AO, que eu me recuso a utilizar). :)

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