sexta-feira, 21 de abril de 2017

Salvador Sobral


Nunca fui muito dada a "festivais da canção", aos quais não me lembro de dar qualquer importância, a não ser num tempo já muito longínquo em que eu e a minha irmã nos entretínhamos a imitar a Madalena Iglésias e a Simone de Oliveira. Era o tempo do "Sei quem ele é" e da "Desfolhada", que conhecíamos de ouvir tocar por todo o lado, pois nessa altura tínhamos o acesso à televisão limitado a pouco mais que a "Pipi das Meias Altas" e "Os pequenos vagabundos", já que nove e meia era a hora do "recolher obrigatório", sem qualquer contemplação, facto que na altura nos aborrecia consideravelmente, mas que  hoje, à distância dos anos, considero que só nos fez bem.
Porém, este ano prestei atenção à canção que ganhou o Festival. Porque este ano a canção é diferente daquela piroseira habitual, entre o pimba e o "festivaleiro", que eu nem sei muito bem o que seja. Desta vez, a canção que ganhou é simples e linda. Mais que isso: vem agarradinha à voz de Salvador Sobral, que é a minha mais recente descoberta musical, e que me tem encantado nos últimos tempos.
Percebi, entretanto, que Miguel Esteves Cardoso escreveu no Público no dia do festival, que é também o dia dos meus anos, um texto que, com aquele jeito tão dele, diz muito do que eu também penso. Isto, por exemplo;
(...) A Voz dele é límpida e aérea. Tem uma musicalidade irrequieta que se atreve a cantar por cima do canto. Canta como se toda a música dependesse dele. Cada canção é um tudo ou nada. (...) Convalescente e sem auscultadores depois de ter ganho o Festival da Canção com "Amar pelos dois", uma canção bonita e subtil de Luísa Sobral (de quem é irmão), Salvador Sobral recusou-se a jogar pelo seguro e arriscou tudo mais uma vez, entregando a voz ao momento e ao público. O resultado, cantado com a irmã, sem artifícios ou automatismos, foi comovente de tão bem conseguido. (...) Os grandes intérpretes conseguem partilhar as emoções e, quando não as sentem, inventam-nas de maneira convincente. É ao partilhá-las através da empatia fascinada do público que começam deveras a senti-las e a torná-las cada vez mais íntimas. (...) Não é preciso acesso às gravações: basta vê-lo no Youtube em qualquer fase da carreira dele. Acompanhamo-la a apanhar as músicas e a torná-las dele e de quem as ouve. É maravilhoso ver como ele se surpreende com o próprio talento, deixando-se enlevar e levando-nos com ele.
E depois, além de uma voz cristalina, que nos emociona, o Salvador é também uma figura, com grande sentido de humor e uma genuinidade desarmante, que cativa quase tanto como nos encanta o seu talento musical. Ora ouçam:

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Férias na Primavera


Que é a altura do ano que prefiro, já se sabe. Por estes dias, tenho sempre vontade de festejos e de ar livre, de aproveitar o brilho e a intensidade luminosa do sol perto da água, numa cidade qualquer, das que sinto minhas, ou que desejo conhecer pela primeira vez. 
Porque há lugares, ruas, praças, jardins que são do mundo mas onde podemos sentir-nos em casa, deixar-nos envolver pelo que nos rodeia e encher o coração de paz, na mágica sensação de que a vida é somente beleza, harmonia e sentimentos bons.
Tal como as pessoas, as cidades revelam-se-nos devagar, em cada passo, a cada gesto, ou em formas muito próprias de respirar, sentir e viver. Gosto de me deixar seduzir por elas, num encanto que cresce a pouco e pouco, que me enche a alma, e que se torna apego e conforto, e também, talvez, a vontade de, repetidamente, voltar.

domingo, 16 de abril de 2017

Manhã de Aleluia


Sou uma daquelas raras pessoas para quem a Páscoa é uma profunda e importantíssima celebração, que valorizo até bem mais que o Natal. Porque o Natal é bonito na sua essência, mas está, hoje, carregadinho de obrigações. E a Páscoa é mais livre e por isso enche mais o coração.
Talvez a isto não seja indiferente a sua coincidência com a Primavera, que é também o meu tempo de eleição, e que tem muito a ver com a plenitude do recomeço e a festa da vida.
Porque este é o dia da esperança renovada, da vitória sobre a morte, que é o vazio que também faz parte da vida, de acreditar e de nos perturbarmos com o inacreditável do que celebramos e é tão bonito, e de estremecermos com isso como uma flor estremece com o vento que a desperta e faz vacilar.
E depois, este é um dia que se vive para fora e para dentro, na alegria de quem crê no amor acima de tudo, e na espiritualidade que há no mais fundo de nós.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

100 metros


Esta é a história verídica de um homem, Ramón Arroyo, a quem foi diagnosticada esclerose múltipla e que, apesar da previsão médica de que em alguns meses não conseguiria andar nem 100 metros, se inscreveu numa prova de triatlo denominada "ironman" e conseguiu, em 2013, nadar 3,8 km, pedalar 180 e correr uma maratona, tudo de seguida.
O filme, de Marcel Barrena, tinha pois todos os ingredientes para ser um "dramalhão". Mas tinha também no cartaz um nome de que eu gosto bastante, Dani Rovira, ainda que sempre o associe à comédia e em particular aos filmes Ocho apellidos vascos e Ocho apellidos catalanes, que me divertiram muito. Ver como se sairia noutro registo foi talvez o principal motivo que me levou a ver esta história, que poderia achar à partida não fazer bem o meu género. E não me desiludi. Dani Rovira, de novo com karra Elejalde, como nos filmes que já mencionei, fazem um dupla convincente  e divertida, que evoca até, de certo modo, Omar Sy e François Cluzet em Les Intouchables.
Depois há também uma extraordinária Alejandra Jiménez, há actores portugueses (Maria de Medeiros, Ricardo Pereira e Manuela Couto - o filme é co-produzido por Tino Navarro) e doentes reais de esclerose múltipla como figurantes; e há a música de Rodrigo Leão.
E assim, um filme que podia ser depressivo e excessivamente dramático acaba por ser um testemunho de esperança e de superação, com momentos ternos, comoventes, ou inesperadamente divertidos. Eu gostei. E pude confirmar (mais) dois talentos do cinema espanhol.

domingo, 9 de abril de 2017

Alarvidade e javardices



A história não e nova. Ciclicamente, é notícia este triste espectáculo dos jovens portugueses provocando todo o tipo de desacatos por terras espanholas. Antes era em Lloret del mar que, por esta altura do ano, cenas como as que vieram agora a público aconteciam ano após ano. Lembro-me de ver reportagens na televisão espanhola sobre o assunto, nas quais alguns comerciantes locais diziam preferir fechar as lojas nesses dias, para evitar roubos e prejuízos de todo o tipo. Houve até um rapaz que morreu, há uns anos, porque se atirou da varanda do quarto para a piscina. Sem palavras...
Depois, mudaram de destino, mas a atitude permanece igual. É extraordinário imaginarmos que se trata de jovens que têm entre 17 e 19 anos, mais ou menos, que são letrados, pelo menos teoricamente, uma vez que estão a terminar o secundário, e da classe média, pois têm famílias que pagam cerca de 600 euros para os meninos se "divertirem". E é aqui que está o problema: porque para esta gente, incluindo as agências que organizam as viagens e com as quais devem lucrar muitíssimo, "divertir-se" significa que vale tudo, desde embebedar-se até cair para o lado, fazer barulho a todas as horas, sem se preocupar com quem possam estar a incomodar, e deixar um rasto de lixo e de destruição por onde passam. Ou seja, comportar-se como uns grunhos brutamontes e assumir todo a espécie de comportamentos reprováveis, que nem um selvagem teria.
Desta vez foram expulsos de um hotel em Torremolinos e a notícia tornou-se uma espécie de escândalo, com honras de abertura no Telejornal.
O assunto é , de resto, também notícia na imprensa espanhola. No El País de ontem diz-se o seguinte: Alrededor de 800 estudiantes portugueses han causado importantes destrozos en un hotel de Torremolinos (...) Los jóvenes destrozaron azulejos, tiraron colchones por las ventanas, vaciaron extintores en los pasillos del hotel e incluso tiraron un televisor en la bañera, según fuentes policiales.
O mais chocante disto tudo é ouvir depois os depoimentos. O do menino que acha tudo "um exagero", porque "houveram" vários desacatos, mas isso tem de haver porque é "normal", mas não é tanto como se diz. O do senhor da agência organizadora, que acha que ele é que tem motivos de queixa do hotel, por exemplo por os quartos não serem arrumados pelas equipas do hotel. Ora, na sua perspectiva, se os meninos se deitavam tarde, porque tinham festas atá às seis da manhã e e estavam a dormir à hora a que o quarto deveria ser limpo, o hotel só tinha que mudar os horários da limpeza dos quartos. Hilariante, no mínimo. Mas o pior ainda foi a versão de uma das mãezinhas, que faz parte da Confap (e isto chegaria para perceber que está tudo dito!) Segundo a dita senhora, tudo isto é muito natural, e se não fosse para ser assim, então "teriam ido para Fátima".
É certo que quem há muito anda pelas escolas não estranha completamente estes comportamentos, nem dos filhos, nem dos pais.  A tendência actual é mesmo esta: façam o que fizerem, os meninos têm sempre razão. E assim se vão criando estes pequenos monstros, que engrossarão, decerto, o número de adultos execráveis.
Eu vejo/leio tudo isto e só sinto duas coisas: asco e vergonha....
E vêm-me à cabeça aqueles versos de Sophia: "Vemos, ouvimos e lemos / Não podemos ignorar".

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Férias da Páscoa

Seja onde for, férias são férias. E as da Páscoa são, sem dúvida, as minhas preferidas. Porque esta é também a altura do ano de que mais gosto. E daqui a duas semanas vão saber ainda melhor...

sábado, 1 de abril de 2017

Mês de Abril


Gosto muito deste quarto mês do ano, que é o primeiro mês completo de Primavera, e da sua intrínseca instabilidade, que faz alternar o sol e a chuva, o calor dos dias a prometer Verão e as noites frescas a reclamar ainda agasalho, recato e aconchego. 
Gosto da euforia contida dos dias azuis que crescem e aquecem devagar, de soltar o cabelo na brisa da tarde e de o sentir esvoaçar suavemente à volta da cara, em leves carícias que me fazem fantasiar outras meiguices e antecipar a concretização de desejos escondidos, ou mesmo ignorados.
Dizem que este mês cujo nome vem do latim aprilis, que significa abrir, seria, segundo o poeta latino Ovídio, dedicado a Vénus. Gosto por isso e por tudo o mais de o imaginar aberto ao amor e a novos começos. Porque Abril é um tempo de sensualidades à tona e de corpos que se enlaçam em despudor festivo, consonante com a natureza a rebentar de vida.
Gosto da sonoridade da palavra Abril, como da que têm todas as palavras terminadas em -l (Abril, Isabel) e da plácida inquietação dos sentimentos antagónicos e incertos, de todas as memórias e anseios que Abril traz consigo, de contemplar extasiada a beleza das flores, o voo dos pássaros, ou dançar alegremente ao som de uma música qualquer. De caminhar descalça na areia molhada e vazia das primeiras manhãs de praia, de me sentar em descarado e preguiçoso abandono e deixar o calor penetrar-me na pele, enquanto admiro o brilho do sol reflectido no rio que corre indiferente e implacável, como o tempo.

(texto reeditado)