sexta-feira, 26 de abril de 2019

Falta de chá



Hoje, cada vez mais, a pretexto da sinceridade, as pessoas dizem tudo o que lhes passa pela cabeça, emitindo opiniões e juízos de valor até mesmo sem que ninguém lhes tenha perguntado nada. Acham que "têm direito". Ora, a liberdade de expressão, sendo um direito indiscutível, tem que ter limites, os quais devem ser estabelecidos pelo próprio, de acordo com o seus princípios, e não utilizada indiscriminadamente, acho eu. Sob pena de se ser considerado deselegante, ou malcriado, o que é verdade, muitas vezes...
Mas, para além disto, faz-me também confusão o número crescente de pessoas que não devolve chamadas, ou não responde a mensagens (sejam elas sms, mails, whatsapp, ou o que for), de forma sistemática e sem que tenha para isso uma razão de peso que o justifique. Apenas porque sim. Porque não está para isso. Ora, de acordo com o que me ensinaram desde pequena, tal facto não pode deixar de ser visto como uma tremenda falta de educação. E, como diria o outro: "Não havia necessidade"....

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Onde é que eu estava no 25 de Abril


Já passaram 45 anos. Parece muito tempo... E, no entanto, tenho desse dia memórias muito nítidas e completas, como se os anos quase  não tivessem passado. Como hoje, há quarenta e cinco anos era quinta-feira e, como hoje, o dia estava mais invernoso que primaveril. Eu era ainda muito "pequenina" e não tinha muita consciência do que era viver sem liberdade, ou da política da altura. Lembro-me da enorme alegria que eu e a minha irmã sentimos ao saber que nesse dia não havia escola, e dos soldados que se viam da nossa janela, barrando  a passagem a carros e a pessoas na Duque d' Ávila em direcção a São Sebastião, onde ficava o quartel general da Região Militar de Lisboa. Lembro-me do ar preocupado e inquieto dos adultos, de ouvidos atentos a todas as notícias e comunicados que iam passando repetidamente na rádio e/ou na televisão. O meu pai, que tinha saído cedo para trabalhar como era costume, voltou para casa a meio da manhã e, com a curiosidade habitual, quis logo ir para a rua para ver o que se passava. E foi mesmo. Passou a tarde no Largo do Carmo, apesar dos protestos da minha mãe, bem mais cautelosa, que preferiu ir abastecer-se nas mercearias do bairro, por não se saber exactamente o que "aquilo ia dar". Esta diferença de postura e de pontos de vista quase deu lugar a uma "crise conjugal". Mas a verdade é que o meu pai, originário da Baixa, foi mesmo para "o seu bairro" e só à hora de jantar voltou a casa, triunfante e com muito que contar, enquanto a minha mãe se consumira em nervosismo a tarde inteira, sem saber onde estava e que riscos corria, numa época em que os telemóveis não se imaginavam sequer.
Dos dias seguintes, lembro-me sobretudo do clima de festa e de alegria desbordante e absolutamente inigualável; da rebaldaria total em que se tornou a vida na escola, que para mim foram tempos muitíssimo divertidos, que eu nunca mais pude esquecer. E da loucura que foi viver toda a adolescência e juventude nesse ambiente pós-revolução, com todos os excessos que o caracterizaram, mas também com a esperança e a convicção de que um mundo melhor era possível, e que era a cada um de nós que competia fazê-lo.
Quarenta e cinco anos depois, muita coisa evoluiu, o mundo mudou, e nós com ele; e apesar de haver hoje muita coisa que nos desgosta e desconsola, mantemos a liberdade que conseguimos nesse dia, o que é, sem sombra de dúvida, um bem maior.
Por isso, faço minhas as palavras que Adolfo Mesquita Nunes - que eu muito prezo e admiro - escreveu hoje no Facebook:
Hoje é o dia da liberdade. (...) A liberdade não tem donos nem chancelas nem certificados nem autorizações estaduais ou grupais ou iluminadas (...). Celebremos a liberdade, emocionados, contra os autoritarismos, venham eles de onde vierem; celebremos o primado do Homem livre sobre o Estado e o colectivo; celebremos a possibilidade luminosa de cada um de nós, seja quem seja, venha de onde venha, poder lutar em liberdade pelo seu projecto de felicidade.

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra
(...)
Foi então que Abril abriu
As portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade
(...)
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

                                         (José Carlos Ary dos Santos)

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Mais decepcionante que divertido


Um filme com Gérard Depardieu, Daniel Auteuil, Sandrine Kiberlain e a espanhola Adriana Ugarte (quem não se lembra de "Julieta" de Pedro Almodóvar) parece à partida ter tudo para ser um êxito.
Trata-se de uma comédia, adaptação de uma peça de Florian Zeller "L'envers du décor", encenada e representada por Daniel Auteuil em 2017, e por ele transformada em filme um ano depois, no qual assume também o papel de realizador e de protagonista, intitulado "Amoureux de ma femme" ("A outra", na versão portuguesa, vá lá saber-se porquê...).
O filme começa por ser divertido e parte de uma situação simples: um convite para jantar de Daniel, contra a vontade da sua mulher, ao melhor amigo acompanhado da sua nova conquista, muito mais nova que os restantes, desencadeia uma série de fantasias na cabeça do anfitrião e uma série de situações que nos fazem rir, para rapidamente se eternizarem na alternância entre o vivido e o imaginado, arrastando o filme por alguns lugares comuns que o vão tornando um pouco mais penoso à medida que a narrativa avança, que nem o brilhantismo dos actores (com muitas provas dadas) consegue salvar, e de que o "final feliz" mais ou menos previsível é apenas o culminar de um desastre que já se podia adivinhar. Poderia ser um interessante filme sobre a crise da meia-idade, ou os inconfessáveis desejos que não chegam a concretizar-se, mas não chega sequer perto disso.
Enfim, eis a prova de que a comédia é uma um dos géneros mais difíceis de conseguir fazer bem feito, e o sabor a "poucochinho" com que, neste caso, se sai do cinema, quase, quase, toca a mediocridade. C'est bien dommage...

terça-feira, 16 de abril de 2019

Uma ferida muito profunda




Não há palavras que possam descrever esta tragédia, e a dor de ver o coração de Paris assim, destruído. É uma perda para França, mas acima de tudo é uma perda para a humanidade inteira. Porque Notre-Dame era de todos nós. Porque todos os que nela entrámos inúmeras vezes, e subimos às suas torres, e a olhámos incansável e demoradamente, a tínhamos como um tesouro pessoal e universal, símbolo da religião, da cultura e da arte, referência cimeira, resistente a todas as adversidades. Até agora... 
Por isso o silêncio, a consternação e a ferida que se nos instalou ontem no peito, para mim são apenas semelhantes ao momento em que vi o Chiado arder.
Tal como acreditamos no mais fundo de nós que são eternos aqueles que amamos e a sua partida nos deixa sempre confusos e perdidos, também há lugares que para nós são indestrutíveis, e que marcam as nossas vidas, como uma tatuagem, ou uma cicatriz.
Notre-Dame será decerto reconstruída, daqui a muito tempo, mas nunca mais será como antes e, de igual modo, também Paris será irremediavelmente tocada por esta perda tão colossal. E com ela, o mundo inteiro.
Quem me conhece sabe o que Paris representa para mim, o amor que tenho a esta cidade deslumbrante, onde sempre quero e preciso de voltar, quase como se noutra vida eu tivesse nascido e vivido ali. Por isso, foram muitos os que ontem me ligaram e mandaram mensagens, de entre os que já estiveram comigo em Notre-Dame, os que lá estiveram sem mim, e os que nunca lá foram; por isso, emocionei-me como os que, ao vivo, ou através das televisões, assistiam comigo, em silêncio, ou em oração, ao que nem dava para acreditar: a destruição brutal e repentina do que tinha mais de oitocentos anos de história e era património da nossa memória e da nossa cultura, o monumento mais visitado de todos, lugar mágico de recolhimento e de superação, onde o humano e o divino se aliavam em sintonia perfeita. 
Este é uma dano de certo modo irreparável. Tenho o sentimento de que no furor implacável das chamas morreu  a "minha" catedral e, como todos os parisienses, como todos os franceses, como toda a gente, tenho o coração triste e "l'âme en deuil."

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Da nossa pequenez




Somos um povo inteiramente subserviente a tudo que vem de fora, que é bem o sinal da nossa fraca auto-estima. E parolice, diria eu...
Deste facto há inúmeros exemplos, que vão do modo como maltratamos a nossa língua, à consideração de que tudo o que vem do "estrangeiro" é melhor do que o que é nacional. Retenho  o mais recente exemplo que registei: na semana passada, havia um qualquer jogo de futebol entre uma equipa portuguesa e uma equipa alemã. Pois para meu grande espanto, (ou talvez não), nessa tarde o metro passava no seus painéis electrónicos informações escritas em alemão!!! E fiquei a pensar quantas vezes terão os metros de outros países escrito informações em português quando somos nós a ir jogar a outros lados... Uma vergonha!!!

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Aldrabice consentida


Abril começa com um "dia de...", daqueles que estão marcados no calendário e, relativamente aos quais, já se sabe, não tenho particular simpatia. E, no entanto, acho uma certa graça a este "Dia dos Mentiras", em especial à forma como surgiu e à tradição francesa de se pendurar, dissimuladamente, peixes de papel nas costas da pessoa que se quer enganar, exclamando Poisson d'avril quando se descobre a verdade. 
Para a origem desta tradição há muitíssimas explicações, mas parece mais ou menos consensual que tenha surgido em França, por volta de 1564, quando o rei Charles IX decidiu adoptar o calendário gregoriano, determinando que o ano passaria a iniciar-se em 1 de Janeiro, quando os dias começam a tornar-se mais longos e não entre 25 de Março e 1 de Abril, como até então, coincidindo com a chegada da Primavera. Desconhecendo esta imposição, ou não conseguindo adaptar-se-lhe com facilidade, muito gente manteve, no entanto, o costume dos festejos de Abril, o que foi motivo de ridicularização e instituiu o primeiro dia do mês de Abril como o "Dia dos tolos", que não aceitam a realidade ou preferem entendê-la à sua maneira. A brincadeira ter-se-á depois estendido a muitos outros países, onde se criou o hábito de, neste dia, "abusar" da credulidade de amigos e conhecidos inventando "mentiras". Diz-se que o Peixe seria um símbolo do fim do último signo zodiacal do Inverno, ou que era uma maneira de prolongar o período da Quaresma, durante a qual  se devia comer exclusivamente peixe, ou, ainda, que 1 de Abril era o dia que marcava a interdição da pesca no respeito pelo período de reprodução dos peixes e que, por isso, se ofereciam falsos exemplares aos pescadores. 
Mas, tradições à parte, eu detesto mentiras; e não consigo entender as pessoas que mentem de forma sistemática e na maior parte dos casos, desnecessária. Acho que nada melhor que a verdade, por mais dolorosa que ela possa ser; e acho, também, que na ideia dos "mentirosos" há sempre de certo modo o pressuposto (e a presunção) de que se é um pouco mais esperto do que aqueles a quem se pretende enganar. Esquecem ou ignoram estes "aldrabões profissionais" que qualquer pessoa minimamente atenta com muita facilidade percebe as suas contradições e deixa de dar credibilidade às sua histórias. 
Há, claro, aquelas mentiras pequenas que todos dizemos e não fazem mal a ninguém. Porém, dos que mentem a torto e a direito prefiro guardar uma certa distância...