quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Acreditar



Às vezes, diante da força e da beleza do que vemos, todas as palavras parecem redutoras e vãs; e emudecemos de súbito;  e o tempo fica suspenso; e somos só olhos, no assombro maravilhado e silencioso de uma beatitude contemplativa.  E basta-nos essa harmonia  e essa paz para tudo nos parecer no seu lugar. Porque é naquilo em que acreditamos sem saber explicar porquê que reside a nossa fragilidade e a nossa grandeza; e uma grande parte do encanto do mundo e da vida.
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Sinais de Outono



No calendário ainda não chegou a hora mas, se olharmos atentamente tudo o que nos rodeia, notamos já pequenos indícios que anunciam sua chegada, no cheiro diferente do amanhecer, na névoa que torna menos nítida a linha do horizonte, nos dias que lentamente vão demorando a clarear, na cidade que aos poucos volta a encher-se e retoma o seu ritmo habitual, ou na aragem branda que se ergue ao de leve, ténue sinal de que o tempo está a mudar, mas que logo se dissipa para dar lugar ao calor de fim de Verão e ao sol que à tarde ainda se impõe, majestoso, a fazer valer a sua força, como se quisesse com isso apaziguar a melancolia do final de férias. Daqui a nada voltam as aulas, os livros e os cadernos novos; e a vida a saber a recomeço, novo ano, projectos e desafios renovados. E regressa também o cheiro intenso da terra molhada depois das primeiras chuvas, os aromas típicos das castanhas, dos marmelos e de canela, o som dos pingos de chuva a bater nos vidros e o aconchego reconfortante da nossa casa, ou de uns braços que nos servem de refúgio. E as folhas secas a estalar sob os nossos passos, as ruas e praças e jardins em tons dourados, amarelos, vermelhos, laranja e castanhos, numa mistura de cores indistintas que faz do Outono essa magnífica estação, simultaneamente nostálgica e bela, verdadeira festa para todos os nossos sentidos.
(Fotografia do Blogue Pé-de-Meia, de mfc)

domingo, 25 de agosto de 2013

Fénix


Lembro-me muito bem. Há vinte e cinco anos, acordei com aquela notícia horrível de que o Chiado estava a arder. Mal pude acreditar. Quis ver com os meus olhos. Meti-me num autocarro e fui ao Miradouro da Senhora do Monte  - um dos meus locais favoritos. E lá do alto, diante daquela triste realidade da minha cidade em chamas, chorei.
Hoje, voltei a acordar com a mesma notícia, que a comunicação social, cada vez mais transformada em arauto da desgraça, insiste em fazer lembrar-nos. Passou muito tempo e houve uma fase menos boa, é verdade. Mas hoje, aquele mesmo lugar volta a estar  cheio de alegria e de vida, apagando más memórias; e volta a ser o coração da cidade, para nosso grande prazer e de todos os que visitam Lisboa e a amam (quase) como nós. 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Recaída(s)


Tinha aprendido a defender-se das investidas da nostalgia, que irrompiam na placidez dos seus dias, sem razão nem aviso. E também a conter os impulsos e os desejos secretos, que a faziam querer afastar-se do resto do mundo para se deliciar a sonhar os mais íntimos, inconfessáveis e tentadores pecados. Mas ainda havia dias em que deixava que na sua cabeça fosse Inverno, para acender de novo aquele fogo imaginário de uma noite fria e muito antiga, voltar a estender-se diante das chamas, saborear um Don Pérignon e perder a cabeça e a noção do tempo, na pureza e na comoção da entrega de corpo e alma e naqueles momentos perfeitos de dádiva de amor total.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A moda das grelhas Excel



Sem minimizar de modo algum o trabalho dos bons professores que, em péssimas condições e com pouquíssimos recursos, fazem todos os dias um excelente trabalho, o que, infelizmente, não é regra, é confrangedor  verificar  o estado  quase catastrófico a que chegou a educação neste país, raiando muitas vezes o anedótico e o absurdo, consequência, entre muitas outras coisas,  de tudo o que se foi experimentando, consoante as modas de cada momento, sempre anunciadas como verdadeiras inovações pedagógicas.
Uma das mais recentes é a das grelhas Excel. Ainda antes do Gaspar, já a moda das grelhas Excel se tinha instalado nas escolas, para avaliar os alunos. Nunca percebi por que é que os professores gostam tanto de grelhas.  E de fichas, também. Mas um dia ainda vou descobrir. Ou talvez não. Não me parece que tenha muito interesse.
E se há coisa irritante e inexplicável no mundo da educação, que  é talvez, também, um dos  maiores problemas deste universo tão complexo, é a facilidade com que "pegam" as modas e a rapidez com que quase  todos as começam a seguir sem se questionar, sem se perguntar, sequer, se tudo aquilo faz algum sentido. Só porque sim. Porque é "como toda a gente faz". E, de um modo "viral", por falar em modas, passa a ser "normal".
Quem quiser dar-se a esse trabalho, vale a pena perder algum tempo a observar com atenção os critérios de avaliação das diferentes disciplinas, em diversas escolas. Não são todos iguais, têm pequenas variações que vão das mais complexas fórmulas matemáticas às coisas mais hilariantes como, por exemplo, atribuir cinco ou dez por cento, ou outra percentagem qualquer, a coisas como "interesse" e "empenho", incluídas num item mais vasto que, em geral, se intitula "Atitudes". Gostava de saber como se pode quantificar o interesse e que instrumentos são utilizados para o "medir". Depois de obtidas as percentagens, põe-se tudo numa grelha Excel e, como diria Guterres, "é fazer as contas". E assim chega-se ao despropósito de a avaliação de um aluno, numa determinada disciplina, poder ser isto:
P3=0,85.14,6+17,0+2x17,8+2x12,4+2x14,9+2x19,0/10 +0,1.0+16+14,5+14,5/4+0,05x10=15,208 - 15 valores. (E juro que isto é real!...)
Mais: agora, em muitas escolas, a nova moda nos critérios de avaliação é as notas do segundo e do terceiro período contarem duas vezes para a média final e as do primeiro só uma. Ou as do primeiro período valerem, por exemplo, vinte por cento da média final, as do segundo trinta e as do terceiro cinquenta. São, dizem, as ponderações. Serão os resultados dos testes do segundo período mais fidedignos que os do primeiro? Enfim, há de tudo, mas na verdade ainda ninguém me conseguiu explicar por que é que é assim e  qual a vantagem. E é aqui que eu critico os professores, que aceitam tudo o que alguém se lembra de dizer que  "agora é assim", sem colocar duas questões fundamentais: porquê e para quê. Obedecendo, simplesmente, naquele silêncio e encolher de ombros tão característico, motivado por inércias, comodismos e cansaços vários. Por mim, tenho muitas dúvidas que esta forma de avaliar seja melhor para os alunos. Não me parece lógica, sequer.
Enfim, não consigo mesmo conceber que se avalie um aluno desta maneira, nem em  nome de uma objectividade comprovadamente duvidosa. Como é possível reduzir a uma fórmula matemática o percurso de aprendizagem de um aluno? Onde fica, na frieza dos números, aquela margem de esforço e de sonho que os fez crescer como pessoas e não se pode quantificar? Porque há na escola um lado humano que tem que se ter em conta. Em tudo; e na avaliação também.
Nunca usei estas fórmulas para avaliar alunos e continuarei a não as usar enquanto me mantiver no meu juízo perfeito. Porque o rigor e a exigência, para mim, não são nada disto. E mesmo quando as minhas notas foram objecto de recurso (aconteceu algumas vezes), consegui explicar detalhadamente a razão pela qual àquele aluno havia sido atribuída aquela nota, sem precisar de uma grelha Excel, ou de uma fórmula matemática. E depois, convenhamos, há na avaliação uma margem de subjectividade, que é incontornável e que deve ser assumida, sem qualquer peso na consciência ou sentimento de culpa.
Lembra-me um  professor francês que tive, Guy Brault, que dizia que a relação pedagógica que se estabelece entre um professor e um aluno é  uma relação de sedução, mas desequilibrada e contaminada pela avaliação. Nunca mais me esqueci disto. E acho que é verdade, de certo modo.
Eu sei, na pele, como pode ser cansativa e desgastante a vida de um professor. Mas  bom senso e razoabilidade, mesmo em doses moderadas, não fazem mal a ninguém. E recomendam-se...

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Le mal de Paris



Por uma razão qualquer, que não sei explicar, Paris entranhou-se-me na pele e  ficou agarrada a mim para sempre. Há lugares assim, que nos seduzem, que nos tocam nos mais fundo da alma e que nos acompanham a vida toda, mesmo quando distantes.
Quem me conhece bem, sabe deste meu amor sem tamanho, da magia tão especial que não consigo sentir em nenhum outro sítio, de como me emociono sempre que vejo um filme rodado na cidade que eu trago no peito e que também é minha, ou de como me apetece ficar a falar dos seus encantos, como de resto já fiz aqui, mais de uma vez.
Porque sinto que Paris me pertence, que já me pertencia, de certo modo, ainda antes do pasmo embevecido daquele longínquo primeiro encontro, em que a vi ainda mais deslumbrante e maravilhosa do que eu a pudera imaginar. E me enamorei dela; e essa paixão se tornou um caso sério; e tive logo a certeza que  a ia guardar no coração. E que era para durar.
É por isso que às vezes me dá uma saudade enorme de Paris, mistura perfeita de nostalgia e vontade, que é também o sinal inequívoco de que está na altura de lá voltar.



domingo, 18 de agosto de 2013

Esta Lisboa que eu amo






O que há de comum nas cidades que  me trazem apaixonada é um não sei quê que me enfeitiça e me transmite o mesmo sentimento aconchegante de quando se está em casa e aquele encanto todo especial de, apesar de as conhecer bem, continuarem a surpreender-me constantemente, como só costuma acontecer com os grandes amores. É assim com Lisboa, com Paris, com Sevilha...
Mas Lisboa é mais minha! Este fim de semana subi pela primeira vez ao Arco da Rua Augusta. E pude vê-la de um modo diferente; e orgulhar-me da sua beleza; e emocionar-me com o sossego cintilante das águas mansas e imensas do rio, o emaranhado das ruas e ruelas cheias de vida, ou o fascínio único e irresistível da sua luz.

sábado, 17 de agosto de 2013

Ausência(s) e vontade(s)



Era sobretudo na luz difusa do entardecer que anunciava o final do Verão, na subtileza dos dias que pouco a pouco iam ficando mais curtos, nas horas em que todos os contornos se tornavam indistintos, que chegava aquela melancolia que a fazia contar os dias e deixar  a saudade instalar-se,  como a claridade se intromete por pequenas frestas imperceptíveis, ou a água  abre caminhos, correndo enlouquecida na ânsia de chegar,  tal e qual o seu  pensamento à deriva, percorrendo trilhos sinuosos e distantes e  vontades  irreprimíveis que lhe extravasavam a pele, perdendo-se à solta pelo mundo, levando-a para dentro de  histórias envolventes, de amizade de amor e de desejo confundidos, entre medos e ilusões, riscos, expectativas e esperanças, alimentadas e dissipadas pela vida real, que não conseguiam serenar-lhe o coração, nem sossegar-lhe as inquietudes e impaciências do corpo.
Ou então armava-se em forte, como se nada lhe fizesse falta. E vivia o irrepetível de cada momento, onde se incluía o que não tinha sabor a nada e os dias e as noites que se sucediam numa cadência repetida; e calava as perguntas para as quais não encontrava resposta; e esforçava-se por não deixar transparecer nos olhos as cores e as agitações da alma, mesmo quando não sabia ao que ia, ou o que podia esperar.
Outras vezes  consentia abandonar-se aos caprichos de um coração que se impunha e antecipava à razão e assumia que o trazia dentro dos olhos, colado ao peito, enchendo-lhe os dias como quando estava perto e o coração disparava na desfaçatez e no destemor de querê-lo tanto, mesmo que isso lhe parecesse estar para lá do razoável. E enquanto percorria a linha do contorno dos olhos que a imagem lhe devolvia  e tentava em vão adivinhar o que se escondia para lá deles, quase podia sentir a sua mão grande a passar-lhe no cabelo, antever o momento de lhe arrancar a roupa e de descobrir cada  segredo da sua pele, sentir os arrepios dos seus corpos nus, enlaçados, em  abraços vagarosos da descoberta do amor; e via-lhe o sorriso e ouvia a sua voz dentro da cabeça e sonhava com o abandono de um beijo demorado, onde coubesse tudo o que as palavras não conseguem dizer. E sentia-lhe a falta. E sobrevinha a pressa, indomável e urgente, de poder tê-lo outra vez ali consigo. E misturavam-se-lhe no pensamento histórias felizes ou mágoas do passado com tudo que ainda lhe havia de doer e lhe faltava sofrer e experimentar.
E assim corriam os dias, numa cadência rítmica, como o tic-tac de um relógio medindo o tempo, implacável. Para mitigar o sentimento, permitia-se todas as fantasias. Fazia-se cigana, dançava ao som de música festiva como se um leque aberto e o vaivém da saia rodada de folhos  pudessem enganar o tempo, que nunca se sabe se é suficiente ou demasiado, nem quanto sobra ou quanto faz falta, e  chegasse ao interior das coisas e pudesse ver mais longe; e com isso fizesse prevalecer a esperança de mil e um desejos que não sabia se chegariam a concretizar-se ou não passariam de promessas adiadas, mas que não tinham lágrimas nem lamentos, apenas a vontade de dar e receber afecto, e todos aqueles mimos que vão dando sentido à vida e são capazes de fazer de cada segundo um tempo infinito.
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A meio de Agosto

 
E assim, com dias excessivamente quentes, que se sucedem em langor e mansidão, vai passando este mês de que eu não gosto, a não ser na tranquilidade da minha Lisboa (à excepção da Baixa e outros lugares turísticos), para deleite dos que como eu preferem ficar, enquanto  o país quase inteiro se muda para os Algarves, ou destinos igualmente repletos, onde está "toda a gente."
Agora, chegamos a 15 de Agosto, dia feriado e ainda mais indolente, vagaroso e despovoado. Escolho ficar em casa, como gosto e costumo neste dia, que marca uma viragem. A partir de hoje começam a regressar os veraneantes, os dias vão-se tornando mais pequenos e inicia-se a contagem decrescente para a rentrée, cada vez mais próxima.
Na minha habitual e diária viagem ao mundo dos blogues, o "Delito de Opinião" é visita obrigatória. Nele encontro coisas de que gosto muito e outras que não me dizem nada, textos bem escritos, de temas e géneros diversos, que me fazem pensar, rir, sorrir, concordar, discordar e divertir-me. Por isso, já o referi aqui mais de uma vez.
Há dois dias, encontrei mais um fantástico texto do Pedro Correia e não resisto a partilhá-lo. Este é, pois, um post indecentemente "roubado" (fotografia incluída). Mas que me parece muito a propósito do dia de hoje. E que vale a pena ler...
  
Como é diferente o país de Agosto

por Pedro Correia, em 13.08.13
 
Zapo pelos canais de notícias, por estes dias, e não encontro nenhum dos comentadores televisivos que ainda há bem pouco prediziam as maiores desgraças neste país assolado pela crise. Onde está a douta eminência que no pretérito Inverno sentenciava que "a crise do sistema político português pode fazer o poder cair na rua até ao Verão"? Onde foi parar aquela alma perturbada que proclamava com solene gravidade há pouco mais de um mês: "Estamos perante a uma crise política de dimensões colossais, a nível de Portugal e da Europa." E o que será daquela voz tremebunda que em Julho assegurava aos assustados compatriotas: "Há uma situação de manifesta irregularidade no funcionamento das instituições"?
A banhos, dizem-me.
Foram todas a banhos - a douta eminência, a alma perturbada, a voz tremebunda estarão neste preciso momento a estender a toalha ao sol enquanto douram as requintadas epidermes. Durante todo o mês de Agosto, o país terá de resignar-se à ausência destas sumidades. Apesar da crise. Apesar do iminente segundo resgate que já anteviam em directo nas pantalhas. Apesar da provável saída de Portugal do euro, que tiveram o desassombro de profetizar. Apesar da possível fragmentação da pobre União Europeia, como não se coibiram de prever em tom caviloso. Apesar dos tumultos nas ruas que consideraram ser tão fatalmente inevitáveis como o Outono suceder ao Verão.
Ligamos as televisões e deparamos com amenidades. A esplanada da moda, a praia ideal, o passeio imperdível, a música mais em voga, as romarias campestres, os artesãos das aldeias, as iguarias inigualáveis. Retalhos de um discurso jornalístico que, à míngua da agenda política e sindical, transmite a ilusão de estarmos num país onde não sucede nada. O país de Agosto, antagónico daquele que as mesmíssimas televisões nos mostraram de Janeiro a Julho.
Em Setembro, vão-se as amenidades e regressam as sumidades. Mais bronzeadas, mais anafadas e ainda mais empenhadas em fazer soar o trovão do apocalipse. Levanta-se a toalha da areia, voltam a ouvir-se de novo frases como estas, ao ritmo de um thriller em sessões contínuas: "Portugal atravessa uma crise da qual muito dificilmente sobreviverá"; "Isto chegou ao fundo dos fundos"; "Assistimos ao apodrecimento das instituições".
Mal posso esperar.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Intelectuais



Ainda a propósito da recente morte de Urbano Tavares Rodrigues, leio o que diz  no "DN" Vasco da Graça Moura:

(...) Urbano Tavares Rodrigues, tal como, por exemplo, David Mourão-Ferreira, cada um à sua maneira, ajudou à superação do neo-realismo dominante na década de 1940, abrindo a nossa literatura para outros territórios, a que não foi estranha uma certa conotação existencial. Assim, passou a haver entre nós uma série de autores que anexava ou procurava integrar temáticas directamente influenciadas pelo existencialismo, lia Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus e outros afins destes, procurava formular e cultivar uma nova estética da sedução, explorava o campo erótico e sexual em termos cuja ousadia prenunciava já uma libertação que viria a ter lugar nas décadas seguintes, trabalhava a solidão humana e a angústia de existir com poucas contemplações para com a sociedade dita burguesa e cultivava um sentido de superioridade em relação a esta e aos seus valores.

E sinto-me voltar um pouco atrás no tempo. Ambos, Urbano e David, foram meus professores. E acho que só hoje entendo bem o quanto lhes devo e como, nos seus diferentes estilos e personalidades, me foi  fundamental o que me ensinaram. Porque me fizeram aprofundar o fascínio pelas palavras, que trago comigo desde sempre. E perceber como as elas são indispensáveis e essenciais à nossa existência, na sua relação com o silêncio, na distância que as separa do que dizem e também em tudo o que não conseguem dizer. E descobrir, ainda melhor, como  a leitura e a escrita podem ser um inefável e imenso prazer, como nos fazem descer ao mais fundo de nós e nos proporcionam o alargamento de olhares sobre o mundo, em muitas visões que se cruzam, se entrelaçam, se confundem e coexistem. Mais ou menos como a vida.
De facto, personalidades da cultura assim, com diz Vasco da Graça Moura, fazem-nos cada vez mais falta. Ao menos, ficam connosco as suas palavras:

Ai, a Primavera vai  passando
com os seus dedos de mistérios e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza
(Urbano Tavares Rodrigues)
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos (...)
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

(David Mourão-Ferreira)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Seguir a Estrela


(...) telle est ma quête
Suivre  l'étoile
Peu m'importent mes chances
Peu m'importe le temps
Ou ma désespérance
Et puis lutter toujours
Sans questions ni repos
Se damner
Pour l'or d'un mot d'amour ...
Mesmo no desassossego do que é incerto e fugidio, na inquietação do que está para além do horizonte, sonho o impossível.
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

domingo, 11 de agosto de 2013

Eu sei que vou te amar

Durante muito tempo esta canção acompanhou a minha vida, como uma espécie de hino, de que  já tinha aliás falado aqui. Mas isso era no tempo em que eu te amava serena e desesperadamente e acreditava que seria assim por toda a minha vida.
Hoje, já não tenho as mesmas certezas. E pode até ser que um dia me esqueça de ti. Mesmo que demore...
A propósito desta canção e das suas mais variadas versões,  soube há dias, que este ano que se comemora o centenário de Vinicius de Moraes, a nossa Geninha Mello e Castro, aparentemente  esquecida por cá, mas que continua a fazer furor no Brasil, tinha sido considerada a segunda melhor intérprete de Eu sei que vou te amar, logo depois de João Gilberto. Quem diria...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Delicadeza



É o professor e não o escritor que recordo, com mais clareza, no dia da sua partida. Porque tive o privilégio de ser sua aluna. E a imagem mais nítida que dele me ficou foi, além da figura esguia e discreta, que aparentava até uma certa fragilidade, a de uma imensa delicadeza, o seu modo de ser doce e gentil, falando invariavelmente em voz baixa e nós escutando-o em silêncio, como uma espécie de avô de quem ouvimos as histórias e seguimos os conselhos.
O Urbano Tavares Rodrigues deixou-nos hoje, com quase noventa anos de uma vida cheia e muitíssimo activa, até ao fim. Ficam-nos as suas palavras, a sua obra e, muito mais que isso, para mim, ficam os vários textos que escrevi na época em que fui sua aluna e as anotações que ele lhes fez, na sua caligrafia pequena, e eu guardei até agora, todas de uma extrema amabilidade e sempre a "puxar por mim". O Urbano foi uma das pessoas que mais me elogiou a escrita e mais me incentivou a escrever, escrever, escrever. E me disse que eu não deveria desistir nunca. Tão querido! É disso, sobretudo, que hoje me lembro mais...

(No blogue "Delito de Opinião", pela mão de Patrícia Reis, pode ler-se o último texto de UTR para a "Egoísta")

Outros olhares

 
A partir de hoje, Lisboa pode observar-se de mais um lugar elevado: o alto do Arco da Rua Augusta, que passará a ser o novo miradouro da cidade.
Para o efeito, o monumento esteve durante sete meses em obras de restauração e limpeza. Imagino que, em dia da inauguração, a afluência de público se faça em doses quase maciças, pois parece que a Associação de Turismo de Lisboa, responsável pela sua gestão, prevê receber cerca de 150 mil visitantes por ano, (segundo leio nos jornais).
Mas, um dia destes, também eu vou querer subir ao arco e, desde ali, deleitar-me com uma nova perspectiva da minha Lisboa, de que eu tanto gosto.
 
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sabores da infância



 Há cheiros e sabores que nos transportam involuntária e subitamente para um passado longínquo, que sabemos que já não volta e anda perdido no fundo de nós. E essa é  uma nostalgia boa, uma recordação sem o lado magoado da saudade.
Vem isto a propósito de uma notícia que soube há dias: depois de ter suspendido a sua comercialização, nos anos 90, a Nestlé voltava a pôr no mercado o Milo, o achocolatado da minha infância. Na altura não dei muita importância ao assunto.
E, no entanto, tudo isso mudou quando ontem, por acaso, me deparei com a famosa lata verde no supermercado do El Corte Inglês. Não pude resistir-lhe. Em casa, abri-a e senti logo o cheiro, tão familiar. Depois, cedendo à tentação e à gulodice, provei à colher aquele pó, que quando eu era pequena  me parecia terra a saber a chocolate. E então foi de facto um regresso ao passado.
Dizem que o Milo continua a ter a mesma composição de sempre: malte, cacau e leite,  cálcio, fósforo, vitaminas  e mais não sei o quê, que não me importa. O que eu sei é que, além da embalagem, o sabor do Milo se mantém intacto.
Isso bastou para que, de repente, o tempo parasse, ou tivesse mesmo voltado atrás. Por instantes, revi-me na velha casa da Conde Valbom, com o seu imenso corredor e a cozinha ao fundo. E voltei àquele tempo antigo, de dias enormes, com lanches a horas certas, imaginação à solta e vida despreocupada, tal como a madalena de Proust, molhada no chá, lhe devolveu a infância de Combray.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Longe...



Pela minha janela passam muitos aviões o dia inteiro. Hoje, distraio-me a contá-los, a medir os intervalos de tempo entre cada um, a imaginar o que motiva partidas e chegadas de quem viaja dentro deles, ou a inventar histórias que expliquem a forma inconstante das nuvens.
Ou então não penso em nada. Deixo-me embriagar pela luz serena da tarde que fica para lá do vidro, enquanto relembro canções (mande notícias do mundo de lá, Diz quem fica; Me dê um abraço, Venha me apertar, Tô chegando; Coisa que gosto é poder partir sem ter planos; Melhor ainda é poder voltar quando quero...), ou poemas (Só quem procura sabe como há dias de imensa paz deserta; pelas ruas a luz perpassa dividida em duas: a luz que pousa nas paredes frias, outra que oscila desenhando estrias nos corpos ascendentes como luas suspensas, vagas, deslizantes, nuas, alheias, recortadas e sombrias)...
É que hoje, agora, também eu queria outros ares e horizontes mais largos, porque o meu pensamento está longe, descentrado, ausente, assumindo-se cigano, desejoso de seguir errante, vida fora.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O (meu) nome

 


Leio nas notícias que Maria e Rodrigo foram os nomes mais escolhidos pelos portugueses em 2012. Gosto do primeiro e não gosto do segundo, porque em geral não aprecio nomes começados por R. E detenho-me um pouco a pensar nisto. Se tivesse tido uma filha, acho que gostaria de lhe chamar Inês. E se fosse um rapaz? Qualquer coisa entre Miguel, João, Pedro ou Paulo. Os de sempre. Já é de família...
O nome não é uma escolha nossa. Temos o que nos calha em sorte, preso a nós para sempre, quer nos agrade quer não. E com tantas Sónias, Sandras, Soraias, Cátias Vanessas e Carlas Cristinas, ou outras coisas ainda piores, sinto-me feliz que tenham escolhido para mim um nome "clássico", como a minha mãe tanto gosta de dizer com orgulho, e me tenham chamado Isabel.
Gosto deste meu nome de rainhas e de santas, e habituei-me de tal maneira a ele que hoje se me agarra à pele como uma tatuagem, que me define e me antecede, que me distingue e identifica, a ponto de achar que não gostaria de me chamar de outra maneira, porque não seria eu. Creio que é o que acaba por acontecer com toda a gente. O meu nome conta a minha história, a que se vai escrevendo todos os dias, e é já absolutamente indissociável de mim.
A vida toda habituei-me a responder por ele, sentidos alerta quando o ouço, sem diminutivos, de que até gosto, mas nunca foram um hábito, à excepção da "tia Bélita", meio a sério e meio a brincar, de outros terminados em -inha, que surgem ocasionalmente e me deixam sempre enternecida, e ainda daquelas pequenas meiguices que apenas existem na intimidade secreta que se vive a dois e apenas aí fazem sentido, porque então tudo é permitido.
E só eu sei o quanto gosto, e o efeito que causa em mim, ouvir o meu nome pronunciado por uma voz que eu amo ou que me é querida...

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Descaminho


Às vezes o silêncio e a ausência alteravam-lhe a disposição  e sobrepunham-se a tudo, ocupando-lhe o corpo e o espírito, na urgência de o ter. Então sabia que não adiantava resistir. Rendia-se sem nenhum remorso à vontade que lhe apertava o peito e não havia nada que lhe apetecesse mais que ele. Era  como se a sua falta lhe tomasse a vida de assalto. Nem se questionava sobre as razões que originavam aquele estado de espírito,  perdido entre a realidade e o sonho, a imaginação à solta sem limites nem impossibilidades, e a saudade do que ainda não conhecia e vivia na cabeça por antecipação, entre dúvidas, ambiguidades e hesitações, vontades presas na garganta e contidas no corpo,  extravasadas  nos dias em que as suas  palavras a tocavam de mansinho  e nos desejos que elas lhe despertavam, ora serenos ora sobressaltados. E depois também aquela voz, que a levava nem sabia bem por onde, mostrando-lhe caminhos que queria percorrer  lentamente, a saborear cada novo passo, ou fazê-los de uma vez, saltando etapas, na ânsia de o ter, mesmo sem saber ainda se era isso que queria,  ou o que nele era real, ou inventado pela sua fantasia.
Sabia que no fim de um caminho há sempre  outro caminho, ou muitos outros caminhos que se vão escolhendo e construindo devagar, com tudo o que isso tem de inesperado e de incerto. E que há coisas que são assim, simplesmente, que não se conseguem compreender, que apenas  se sentem e se lêem no fundo dos olhos. E que o que é mesmo importante demora a acontecer. E que a vida é para aproveitar como nos chega.

domingo, 4 de agosto de 2013

Trovante


É uma referência na música portuguesa, mas é também, mais que tudo, uma referência para mim. 
O grupo formou-se em Sagres, no dia 4 de Agosto de 1976, segundo reza a história, e durou até 1991. Porém,  na verdade, a magia dura até hoje. Não os acompanhei desde o início, porque só em 83 os vi ao vivo pela primeira vez e me rendi. Há trinta anos que as canções do Trovante me acompanham. Sei-as de cor, quase todas, e cada uma delas me traz muitas memórias do que fui vivendo nestes anos, que são bem mais de metade da minha vida.
Se me pedissem para escolher as músicas que mais me marcaram, certamente muitas canções do Trovante fariam parte da lista. Lá estariam Perdidamente e Saudade, Memórias de um Beijo e Lisboa, a Travessa do Poço dos Negros, o Namoro e a Esplanada. E a Xácara e a Molinera e a Balada das sete saias. E 125 Azul. E todas as outras...
No fundo, o que sinto é que crescemos juntos. E, por isso, hoje que é "dia de festa", tenho que agradecer ao Luís e ao João, ao Manel e ao Artur, ao Fernando, aos Zés (Salgueiro e Martins), e ao João Nuno também, todos os arrebatamentos e todos os sonhos, todas as lágrimas, sorrisos e abraços, todos os arrepios e suspiros de amor vividos ao som destas canções, que sempre me embalaram as paixões e os desgostos e que agora já são minhas também; agradecer-lhes porque a música do Trovante trouxe mais luz, alegria e emoção à minha vida, porque com ela fui mais feliz, porque entendi melhor o que é ter fome e ter sede de infinito, porque fizeram os (meus) dias assim...  
  

sábado, 3 de agosto de 2013

Disciplina e Persistência

 
Quando há pouco mais de um ano decidi que faria uma pausa no flamenco e me inscreveria no ginásio para cuidar do corpo de outra maneira,  estava longe de imaginar que me dedicaria a isso com tanta persistência  e regularidade. Não que não confie no meu carácter disciplinado e cumpridor. Mas apesar de ter feito exercício a vida toda, nunca fui grande fã de ginástica, nem tenho propriamente o espírito de uma desportista. Odeio correr, por exemplo.
E, no entanto,  apeteceu-me aquela novidade. Foi assim que, além da aula semanal de Pilates, que não dispenso, três vezes por semana, de Inverno e de Verão, com frio, com calor, com chuva,  com vento, ou com sol, contrariando a preguiça que me faz sempre querer ficar na cama um bocadinho mais, passei a levantar-me a horas quase obscenamente impróprias para ir ao ginásio logo de manhã, muito cedo, ante o espanto e a descrença dos que me conhecem bem e sabem como eu gosto de me deitar tarde e quanto me custa depois levantar-me sem ter dormido oito horas, pelo menos. E tudo isto sem falhas. Sem nunca me ter deixado vencer pelo momento em que o despertador toca e se pensa: "ah, hoje não vou!" O que é mesmo mau de ultrapassar, o que custa na verdade, é apenas esse instante de sair da cama. Porque tudo o resto é até uma interessante descoberta: é poder assistir ao amanhecer, que varia com  as estações do ano, é ver o dia clarear e a cidade ganhar vida; e é, também, o prazer de se sentir em forma,  mais bem-disposto e com doses reforçadas  de energia.
E entretanto já  passou um ano. Estou satisfeita com os resultados obtidos e, sobretudo, contente comigo por ter sido capaz de cumprir, rigorosamente, o que estabeleci e me propus fazer.
Não se trata de fazer batota com o tempo, nem de tentar mascarar os inevitáveis efeitos da sua passagem e os diversos estragos físicos que se vão instalando de maneira mais ou menos imperceptível, até se tornar  tarefa vã disfarçá-los. Também não é querer dar ao corpo uma importância excessiva, porque todas as idades podem ser encantadoras e a maturidade traz consigo serenidade e sabedoria adquiridas com o que se foi vivendo, que compensam a frescura e o viço que se perdem, mesmo que saiba sempre bem ouvir a quem já não nos vê há muito: "estás sempre igual!.."
Trata-se, acima de tudo, de se sentir bem na sua pele e dar valor ao que se tem; e de saber cuidar disso, sem medo do tempo que passa, mas querendo aproveitá-lo da melhor maneira possível. A continuar, portanto!..


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Lisboa (quase) só para mim



Não gosto do mês de Agosto. Nunca gostei. Nem mesmo quando  ele era sinónimo de férias obrigatórias, de descanso, e de dias tão pachorrentos que quase pareciam parados no tempo, como um imenso e longo Domingo, tudo fechado ou a funcionar só pela metade, pouca gente, pasmaceira e calor. Muito calor...
Nem para viajar o mês de Agosto me pareceu alguma vez ideal. Nessa altura, preferia quase sempre ficar quando todos escolhiam partir e a minha casa parecia-me o melhor lugar para me deixar estar, o refúgio mais perfeito para  fazer tudo sem pressa, virada para mim e para o meu pequeno mundo, com tempo, sem limites nem obrigações, nem coisa alguma que não fossem os meus desejos mais imediatos. E depois, a partir do meio do mês, voltavam as saudades da agitação habitual e a  vontade da rentrée e do seu sabor a novidade e recomeço, preparando-me para ela com dedicação e afinco.
E, no entanto, desde que, de há três anos para cá, Agosto deixou de ser férias e inactividade, longas manhãs de sono, de praia, ou de preguiça, descobri o encanto de poder ter Lisboa  quase só para mim e ela revelou-se-me uma cidade diferente, no inverso da euforia festiva do mês de Junho, mas que consigo sentir igualmente minha, ou mesmo mais ainda, com menos gente  mas não abandonada, muito mais lenta do que no resto do ano, oferecendo-se insinuante e lasciva no calor dos dias, ou na aragem  fresca de grande parte das noites.
É esta cidade tranquila que vou desvendando agora, a cada dia, logo de manhã, quando saio muito cedo, a despertar silenciosa e a cheirar  a Verão,  a espreguiçar-se ao sol, vagarosa, deixando ouvir o canto dos pássaros que anunciam o novo dia; ou quando me apetece demorar-me na rua ao fim da tarde, para a ver docemente embalada pelo Tejo e pela brisa suave que faz esvoaçar o meu cabelo enquanto me deixo seduzir e a olho enamorada, e o pensamento e a vontade me voam também no vento,  em insensatas fantasias, uma voz familiar a sussurrar ao meu ouvido, afagos de mãos grandes e quentes, o sabor de um beijo que ainda desconheço e o sonho de me deixar amar assim perdidamente, sob o olhar plácido e complacente de Lisboa em Agosto.  

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)