quinta-feira, 30 de maio de 2013

Vizinhança



De uma maneira geral, sinto-me mais feliz na Primavera, cheia de vida, atenta a tudo: às cores e aos perfumes, à luz e ao canto dos pássaros que, em sonoras melodias, ou num desordenado chinfrim de trinados e chilreios,  anunciam a chegada de um novo dia junto da minha janela.
Nesta altura do ano estou de tal modo em harmonia com o mundo que não me importo nem me queixo se a temperatura não está tão elevada como seria de esperar, porque tudo me parece ter um brilho maior, que influencia a minha (boa) disposição. E delicio-me com as maravilhas da natureza, que me enchem a alma de paz. A Primavera tem pois este efeito surpreendente e quase milagroso de despertar o que há de mais bucólico em mim, incorrigível citadina.
É assim que me deixo seduzir e arrebatar pelas coisas mais prosaicas, descobrindo-lhes inimagináveis encantos. À minha porta há um melro, tão madrugador como eu, com quem me cruzo quase todos as manhãs. Será sempre o mesmo? Não sou muito dada à "passarada", mas acho graça àquele bicho preto, de bico muito amarelo como um ponto de luz a contrastar com a negrura do corpo. E enquanto atravesso o largo ou espero o autocarro no silêncio ainda quieto e solitário do começo do dia,  olho-o a saltitar na relva, aparentemente tão feliz e, mesmo não sendo nada supersticiosa, não consigo deixar de achar que ele me traz boa sorte.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O que fica por dizer

Hoje, na minha habitual passagem pela blogosfera, encontrei isto no Duas ou três coisas:
"(...) Desde há uns tempos para cá, fico com a sensação de que familiares e amigos me escapam com uma alucinante rapidez, à medida que os dias passam. Aumenta assim o rol das conversas que ficaram por acabar. E que já não irei concluir. Tivesse eu jeito para isso e escreveria um livro imaginando as conversas que não cheguei a ter com todos os amigos que entretanto se me foram embora. (...)
Por estas e por outras é que já percebi que se torna cada vez mais urgente ter as conversas com os amigos que por cá estão."

Fiquei a pensar. De facto, habituamo-nos a ter nas nossas vidas as pessoas de quem gostamos e nem nos passa pela cabeça que, um dia, isso possa não ser assim. E, por uma série de razões, acabamos por nunca lhes dizer tudo o que queríamos e não devíamos calar. Achamos que não vale a pena, que ainda não, que agora não, que fica para outra altura. Por pudor. Ou por outro motivo qualquer. Porque, inconscientemente, acreditamos que temos todo o tempo do mundo. E depois, quando alguém de quem gostamos muito "se vai embora", ou "deixa de ser visto", somos sempre mais ou menos apanhados de surpresa e vem o inevitável arrependimento de não termos sabido aproveitar melhor o tempo que a vida nos deu para estarmos juntos.
No fundo, todos acabamos por deixar coisas por dizer. Até as pessoas conhecidas pelos seus "excessos" de frontalidade, como eu, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Mesmo se com a idade tendemos a assumir mais claramente os desejos e as vontades, a perder a vergonha de expor as emoções  e a assumir a importância que os afectos têm na nossa vida.
E confesso que quando penso mais nisto, como agora aconteceu, só me  apetece apertar nos braços, com muita força, todas as pessoas que são importantes para mim. E dizer-lhes que gosto muito delas. E que às vezes me fazem falta. 

terça-feira, 28 de maio de 2013

O amor é difícil



As pessoas amam como sabem e não como nós desejamos.

A Helena Sacadura Cabral, de quem eu tanto gosto, lançou hoje o seu mais recente livro. Que já li.  É claro que não podia deixar de estar presente. Esta é a terceira vez que assisto ao lançamento de um livro da Helena. E é sempre um prazer e um privilégio, pois para lá do enorme aparato mediático decorrente de ser a personalidade pública que é, está a Helena que todos admiramos, naquele seu registo tão característico, que mistura simplicidade e elegância, sabedoria e proximidade, bom humor e afecto, requinte, frontalidade e alegria de viver. E ainda tudo aquilo que eu não sei dizer, mas que todos os que como eu seguem o seu Fio de Prumo conseguirão compreender.
Hoje, com a sua habitual simpatia, o sorriso de sempre e aquela inconfundível gargalhada, falou-nos de amor. E de todos os seus meandros e particularidades. Porque o amor é a mais bonita e também a mais difícil de todas as coisas da vida. E porque, como dizia a Helena, o amor vive-se de forma diferente em diversas etapas e idades, mas os sentimentos são sempre iguais. E é preciso "saber esperar".
O amor é difícil é um pouco de tudo isto, contado através de várias short stories, episódios  reais, vividos ou ouvidos por quem os escreve numa linguagem simples, despretensiosa e quase coloquial, que nos faz sorrir e pensar na vida, a cada página. E nos cheiros, encontros, afectos que marcam a vida e que - sabe-se lá porquê - ficam gravados no nosso coração para um dia os podermos lembrar com uma imensa ternura.
Este foi, sem dúvida, um magnífico fim de tarde.

Afinal não voltaste. Pelo menos para mim. Voltaste para quem querias voltar. E eu, idiota, ainda me recusei a acreditar nisso. Esquecendo que a vida não se escreve como queremos. No fundo apenas acontece. Para alguns. Porque, para outros, ela apenas se limita a passar...
(...) A nossa maior obrigação é sermos felizes.
 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Festa dos Livros e... 200 Posts!


Se há coisa de que eu gosto é de livros. Gosto do cheiro dos livros, do toque e do que eles me ensinam. Não imagino a minha vida sem livros, como também não a imagino sem música. Foi nos livros que conheci muita coisa antes de a viver, foi onde aprendi o sonho e a vida, onde me aventurei por destinos que fiz meus, descobrindo palavras que sempre me acompanham e ajudam a traçar caminhos.
Gosto dos livros como gosto de canetas, na relação de ambos com as palavras e com os mundos para onde me levam, mas também na ligação ao corpo, e em tudo o que há nisso de mais sedutor. E, mesmo reconhecendo as vantagens da era tecnológica,  apesar da minha natural resistência e falta de jeito, não me deixo seduzir pelo livro electrónico, porque me falta a relação física, o lado mais imediato e sensual do toque, dos dedos a folhear o papel, da mão a deslizar na página, que precede a entrega da alma inerente ao acto de ler, como ao de escrever.



Quando eu era pequena, a Feira do Livro era na Avenida da Liberdade. Lembro-me de como gostava daquele passeio feito a pé, depois do jantar, nas noites claras que anunciavam o Verão e as férias grandes. E de como, naquela altura, me pareciam enormes as barracas amarelas e cinzentas, carregadinhas de livros.
Lembro-me de olhar fascinada as capas dos livros da Anita à procura dos que ainda me faltavam na colecção, num tempo em que os livros ficavam quase à altura dos meus olhos.  Depois eram os Cinco e os Sete e as Gémeas e todas as sagas de Enid Blyton, ou as Brigittes de Berthe Bernage, que também tiveram a sua época. E a iniciação aos livros de "gente crescida", a capa castanha de As Pupilas do Senhor Reitor, lisa e sóbria, como me parecia então o mundo dos adultos;  e tantas outras memórias dessas Feiras da minha infância, a que nunca faltava, celebração de fim de Primavera,  uns dias antes de Lisboa explodir em festa, com os bailes e as marchas, as sardinhas e os manjericos.
Entretanto a Feira mudou-se para o Parque Eduardo VII e é agora muito diferente desses tempos já longínquos. Ou sou eu que a vejo com outros olhos, talvez. Houve mesmo anos em que nem passei por lá. Agora sim, volto à Feira, mas não a visito inteira e de uma vez só. Passo várias vezes, em dias diferentes, descubro-a aos bocadinhos, escolho percursos com paragens criteriosamente seleccionadas, ou deixo-me levar sem destino, detendo-me ao sabor das novidades que surgem no caminho, ou por qualquer motivo que me desperta a atenção.
Hoje, na Feira, há muito mais do que os livros e os autores. Há a barraquinha das farturas e a das queijadas de Sintra, o "Olá fresquinho", e a "língua da sogra", os palhaços e os balões; todo um folclore que tem pouco a ver com os livros.
Mas, ainda assim, a Feira do Livro já faz parte da história da "minha" Lisboa e, ano após ano, o Parque enche-se de gente nesta altura, em ambiente de passeio e de festa.  Pelo menos uma vez em trezentos e sessenta e cinco dias os lisboetas vão ao Parque ver os livros, mexer-lhes e folheá-los. Comprar, até, em calhando. Se isto for suficiente para levar mais pessoas a gostar de ler, terá valido a pena.


E porque isto dos livros e das palavras anda tudo ligado, porque ler não existe sem escrever, e o contrário, o meu Isto e Aquilo celebra hoje mais um número redondo: este é o post número 200, um ano e 20 dias depois do começo da aventura da blogosfera, que é também, para mim, uma imensa festa.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Beijo


Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

                                            Alexandre O'Neill



Há dias assim, em que o sabor do teu beijo se me cola à pele em saudade de entrega sem pressa, de instantes que suspendiam o tempo e se faziam infinitos, paixão à solta e tudo só  toque,  boca, mãos, olhos, corpo inteiro...
E, na saudade desses beijos demorados, que valiam todos os beijos do mundo, estão todos os que já demos e os que ainda temos para (nos) dar.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

L'amour ne peut plus voyager...


... il a perdu son messager
C'est lui qui venait chaque jour
Les bras chargés de tous mes mots d'amour

Je voudrais sans le nommer lui rendre hommage...

Marcou profundamente a minha adolescência e ainda hoje sei de cor os  poemas mais emblemáticos. As  suas canções, que tocávamos até à exaustão, foram os hinos que embalaram os nossos primeiros amores e nos alimentaram os sonhos mais insensatos. Com este egípcio, de ascendência grega, mas francês no coração, verdadeiro cidadão do mundo, aprendi a amar a poesia e a gostar ainda mais da língua em que cantava.
Georges Moustaki morreu hoje. E quando morre um poeta a vida parece que fica um pouco mais vazia...
Il est parti dans le ciel bleu
Comme un oiseau enfin libre et heureux.
Mas as suas canções, os seus poemas, ficarão connosco para sempre. E parafraseando aquele que é, talvez, o mais famoso dos seus textos:
nous ferons de chaque jour toute une eternité d'amour que nous vivrons à en mourir...

terça-feira, 21 de maio de 2013

O (des)acordo ortográfico



Sobre o que penso do acordo ortográfico já me manifestei aqui, assim como já referi várias vezes o blog Delito de Opinião, que sigo com particular interesse e através do qual conheci (virtualmente) o Pedro Correia, cujos posts eu  citei, a propósito do novo papa ou de Miguel Esteves Cardoso, por exemplo.
Este é pois, naturalmente, um lançamento que não vou perder...

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A maior inimiga dos nossos saltos altos


A calçada portuguesa é especialmente bonita, imagem de marca das nossas ruas, embelezando  passeios com padrões a preto e branco, que misturam calcário e basalto em  formas geométricas, mais ou menos artísticas. Parece, até, que o desenho dos passeios da Praça dos Restauradores é de Abel Manta.
Quando eu era pequena, lembro-me de aproveitar as formas traçadas na calçada para fazer um jogo com a minha irmã, Avenida da República fora, a caminho da escola: só podíamos pisar as pedras pretas e perdia quem primeiro pisasse as brancas. Ou o contrário.
Hoje, já não me demoro nem entretenho a pisar as pedras de uma ou de outra cor, mas continuo a caminhar cuidadosamente, com  diferente motivação e propósito: procurar não enfiar os saltos nos buracos. É que, apesar de muito bonita, a calçada portuguesa não é uma boa aliada para quem, como eu, gosta de  usar saltos altos.
Tempos houve, há uns anos, quando a minha indumentária era constituída sobretudo por vertiginosas mini-saias, em que quase só andava de sapatos rasos. Mas, com o passar dos anos, a altura da saia foi descendo e o tamanho dos saltos começou a subir, em rigorosa proporção inversa. Em diferentes formatos, cores, ou espessuras, já não dispenso os saltos que me elevam para além do meu metro e sessenta e me acrescentam elegância, fazendo agora parte da minha imagem díária, com pouquíssimas excepções. Mesmo que isso signifique um exercício quotidiano de equilíbrio no empedrado, procurando evitar as fissuras entre as pedras da calçada, o que se agrava significativamente nos dias em que está molhada. "Vaidade a quanto obrigas", dir-me-ão. Mas só quem partilha esta minha mania dos saltos poderá entender como é também maravilhosa a sensação de chegar a casa e "quitarse los tacones"...

sábado, 18 de maio de 2013

Os limites de nós


Somos eternos viajantes a quem apenas a força do sentimento limita e segura,  impondo vontades corporizadas em instantes perfeitos de beijos lentos, olhares silenciosos e a doçura redentora do toque da pele.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Um Rebujito, por favor!


Mistura de manzanilla, Seven up ou Sprite, muito gelo e hortelã, o Rebujito é uma "instituição" andaluza, uma bebida leve e muito fresca que para mim está associada à alegria da festa espanhola e me traz de volta as melhores memórias e sensações.
Este fim de semana, eu queria beber muitos rebujitos, em doses industriais...

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Os Autores Portugueses


Tenho por Vasco Graça Moura uma grande admiração intelectual e aprecio particularmente o que escreve, incluindo os seus artigos de opinião, com os quais, em geral, estou de acordo. O de hoje, no DN, é sobre Aquilino Ribeiro, a pretexto das celebrações do cinquentenário da morte do autor.
E diz, por exemplo, isto:

(...) Estaremos a homenagear um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos, mas trata-se de um autor que ninguém ou quase ninguém das novas gerações é capaz de ler pela razão singela de que não percebe o sentido de muitas das palavras que ele utiliza.
Isto já acontece com outros escritores. Ninguém pode garantir que os estudantes saiam da escola em condições de ler Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós ou Vitorino Nemésio. Mas no caso do autor de Andam Faunos pelos Bosques, a incapacidade e a desmemória são chocantes, para não dizer escandalosas.
Se considerarmos os programas escolares e também a preparação que nas últimas décadas terá sido dada aos professores de português, o mais provável é que aqueles que hoje têm entre quarenta e cinquenta anos, e se encontravam, portanto, na mais tenra infância à data do 25 de Abril de 1974, tenham sido sujeitos a tantas experiências pedagógicas de duvidosa consistência, a tantas abstrusas injecções teóricas e práticas de nenhuma utilidade, a tantos descasos em matéria de formação cultural, que, salvo as honrosas excepções do costume, é legítimo alimentar as mais sérias dúvidas sobre se estarão em condições de ler Aquilino Ribeiro, ou, questão mais geral, ensinar correctamente o português nas nossas escolas.
Bastaria, de resto, um inquérito relâmpago muito simples a realizar nesse universo, perguntando aos professores de português que livros é que leram, de Camilo ou de Vitorino Nemésio, de Eça de Queirós ou de Aquilino e de mais alguns que não poderiam faltar na lista.
Mesmo sem se entrar em questões de compreensão e interpretação dos textos, as respostas mostrariam sem dúvida que esse é um mundo de dramáticas nebulosidades e que não é possível ensinar aquilo que não se aprendeu e ainda menos desenvolver o gosto pelas qualidades de uma língua cujas excelências e projecção planetárias andamos todos a proclamar por aí, a torto e a direito, sem conhecer minimamente aquilo de que falamos...
Depois, passando para o campo de outros profissionais da utilização da língua, oralmente ou por escrito (como os jornalistas, os actores e mesmo alguns escritores), acabaríamos por concluir que também muitos deles não se encontram em condições que lhes permitam ir muito longe. Basta ter alguma vez feito parte de um júri literário para se ficar confrangido com a nenhuma qualidade, no tocante à língua portuguesa, da maior parte das obras apresentadas a concurso.
Sem dúvida que a escrita de Aquilino, com o colorido dos seus pitorescos regionalismos e arcaísmos, constitui, ao mesmo tempo, um conjunto de dificuldades espinhosas e um tesouro incomparável da língua portuguesa.
Dada a riquíssima complexidade lexical da sua obra, de há muito que ela, só por si, teria justificado fosse introduzida nos programas de português uma utilização eficaz do dicionário, em que tirar significados constituísse uma obrigação corrente na prática escolar. Isto sem falar na questão do estabelecimento de um cânone mínimo, de que já tive ocasião de falar aqui e que também não pode existir sem a reabilitação do dicionário...(...)

Estou totalmente de acordo. Também defendo a existência de um cânone mínimo de autores e de textos. E não me conformo que os alunos de 12º ano sejam obrigados a ler obras e autores menores, como Sttau Monteiro ou Saramago e desconheçam tantos textos e autores fundamentais da língua e cultura portuguesas, numa perspectiva facilitista que vem marcando o ensino e que só muito dificilmente poderá inverter-se.

Prioridade(s)


Leio as notícias de hoje e detenho-me em duas: a história de Angelina Jolie, contada na primeira pessoa ao The New York Times e que a faz tomar uma decisão que imagino ser dolorosamente difícil para uma mulher: a mastectomia radical bilateral, como medida preventiva, na sequência de uma mutação genética que indica mais de oitenta por cento de probabilidades de vir a contrair cancro da mama. E a de que os três IPO são os piores hospitais portugueses na espera para cirurgias, o que significa uma espera superior a dois meses em cada um de cinco casos.
E penso como tantas vezes nos esquecemos de dar graças a Deus, todos os dias, pelo mais precioso dos nossos bens - a saúde -, na qual temos tendência para pensar apenas quando ela nos falta. Porque no dia-a-dia acabamos quase inevitavelmente por dar prioridade a outras coisas muito menos importantes. E queixamo-nos por causa do tempo e da crise, de uns trocos a menos nos bolsos, ou de amores perdidos e desilusões várias, deixamo-nos vencer por tristezas do que podia ter sido e não foi, ou ansiedades do que está para vir e  queríamos que fosse já hoje.
Às vezes até quase desprezamos a beleza simples do que nos rodeia. Nem reparamos nela. É bom parar para pensar nisto. Interromper a voragem de um quotidiano vivido a correr e olhar vagarosamente as flores de Primavera, que moderam ansiedades e serenam o coração. Olhá-las e deixo-se ir, fluindo na efemeridade do tempo, na certeza de valorizar o que na verdade conta e na consciência clara de que havendo saúde tudo está bem; e que isso é tão bom que só podemos sentir-nos imensamente felizes.
(Fotografia de Virgínia Barros)

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Rocío colado ao coração

 

Esta é a semana do Rocío, a que antecede o fim de semana da Romería, que se celebra sempre  no Pentecostes. Por esta altura, as mais de cem hermandades preparam-se para fazer o caminho até à  Aldea del Rocío, a pé, a cavalo, em carroça, levando consigo o sinpecado (insígnia com a figura da Virgem do Rocío)  e a carreta que o transporta, os vestidos de flamenca, chapéus e flores nos cabelos, medalhas de romeiro ao peito e o coração cheio de alegria e de fé, na ilusão de viver uma vez mais um reencontro de amigos e de "irmãos", que se juntam, cada ano, naquela enorme festa, que parece sempre igual mas nunca  é a mesma, para rezar à Blanca Paloma e celebrar a vida.

 



 
Durante todo o fim de semana e até segunda-feira, quando acaba a Romería, o Rocío é uma aldeia que não dorme, em clima de festa permanente levada até ao limite do que o corpo aguenta, as casas de portas abertas, misturando o canto e a dança, a guitarra, a flauta e o tamboril com o trote dos cavalos e o chiar das carroças em incessante vai e vem pelas ruas de areia.
No Sábado, o dia é marcado pelas apresentações à Virgem, um desfile de hermandades que dura todo o dia e se vive em alegria, entre vivas e olés, palmas a compas de sevillanas, chapéus lançados ao ar, foguetes e lágrimas incontidas.
Mas é na madrugada de Domingo que toda a  aldeia converge para junto da ermita, para assistir ao momento mais alto e comovente da Romería:  a saída da Virgem, num silêncio imenso, quebrado pelas  palmas da multidão emocionada, unida pela força desabrida da fé, no momento tão ansiado em que se avista a imagem dourada surgir na noite,  sob o céu estrelado. E, até  ao amanhecer, a Virgem percorre a aldeia,  a visitar as hermandades, regressando de novo ao seu altar, na ermita branca, quando o sol já vai alto. 



E, no entanto, o Rocío é muito mais do que tudo isto. Porque para lá da realidade dos factos está, principalmente, o que não pode contar-se. Como se explica o Rocío a quem nunca o viveu? Como exprimir em palavras, o que é só sentimento e emoções à flor da pele?
Como transmitir a frescura do rebujito com sabor a hortelã? A comoção de ver chegar as hermandades com o cheiro dos pinheiros e o pó do caminho ainda agarrados à pele, o corpo cansado e os olhos brilhantes por chegar enfim à aldeia? Como revelar o som enlouquecido e cadenciado dos sinos,  tocando sem cessar? Ou  a calma tranquilidade do entardecer quieto e silencioso da marisma, a contrastar com o bulício da festa? Que palavras poderão dizer a sensação do recolhimento no meio da multidão, em silêncio diante da Virgem, sentindo a força da sua protecção, experiência única  de reencontro com o mais fundo de nós? Ou a magia dos instantes em que a festa se interrompe, às duas da manhã, e as luzes se apagam para entoar a Salve,  num coro arrebatado em que todas as vozes se unem e soam como um só clamor:  olé olé olé olé olé al Rocío yo quiero volver pa cantarle a la virgen con fe, con un olé, olé olé olé olé... 
Só quem já viveu o Rocío, nem que seja uma vez, pode entender aquilo de que falo. Há naquele lugar, na verdade,  um encanto especial que  se nos cola à vida e se guarda no coração. Porque há lugares assim, que se tornam nossos para sempre.



Depois de 2000, quando tive o privilégio de estar na Romería pela primeira vez, já voltei mais sete vezes. E em cada ano que não vou, como este, é como se alguma coisa se quebrasse no mais fundo da minha alma, o que faz com que, à medida que a data vai ficando mais próxima, alastre no peito o sentimento doloroso de não estar onde devia.
E quer vá, quer não, quando chega o mês de Maio penso muito na Romería, momento fundamental do meu ano, com aquela dimensão espiritual que nos aproxima da nossa essência, como têm a Páscoa, ou o Natal, por exemplo.
Só os que, como eu, trazem este lugar consigo, marcado no peito e na pele para sempre, mais forte e mais fundo que  uma tatuagem, conseguem entender a nostalgia que me enche o coração, o pensamento a fugir para muito longe daqui, a querer levar-me para o Rocío nestes dias, detendo-se naquela aldeia tão extraordinária, onde nos evadimos e abstraímos do resto do mundo, tão diferente de tudo que chega a parecer irreal, como uma utopia onde o sonho e realidade se misturam e a vida se reinventa e ganha maior sentido.

domingo, 12 de maio de 2013

Um filme "p'rá carola"


Eu, que sou uma romântica e que adoro cinema, não perco um filme de amor. Por isso, naturalmente, fui ver "A Essência do Amor" (To the wonder, no original). Nunca tinha visto nenhum filme de Terrence Malick,  motivo pelo qual não posso dizer se é melhor ou pior que os anteriores.
Ouvir falar francês e ter Paris como cenário é logo meio caminho para eu me sentir seduzida.  O início encantou-me, pois, nas imagens belíssimas de Paris e do Mont Saint-Michel, acompanhadas pela voz em off, em vez do diálogo, dando primazia à contemplação mais do que à acção.
E, no entanto, não posso dizer que tenha gostado do filme, que me parece depois perder-se pelo meio, apesar de ter imagens muito belas e momentos tocantes, quase perfeitas.
É um filme que trata do amor nas suas múltiplas dimensões, nas dúvidas e certezas que suscita, no arrebatamento de uma entrega que não pede nada em troca, ("Si je te quitte parce que tu ne veux pas m'épouser, c'est que je ne t'aime pas"), na fase de esplendor e depois, também, no efeito devastador do seu declíneo.
Perturbante, melancólico e de certo modo poético, no mais puro estilo daquilo a que eu chamo "um filme p'rá carola", daqueles que incomodam e fazem pensar, com zonas obscuras, que não se entendem totalmente, o filme é a determinada altura também um pouco extenso e maçador. E, ainda assim, é muito diferente de todos os filmes de amor que já vi. Porque é uma visão a partir de dentro. E, mesmo se não é inteiramente conseguido, não se lhe pode ficar indiferente.
Talvez porque trata do que  a vida tem de mais grandioso e importante.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O(s) meu(s) bairro(s)


Há três bairros aos quais me sinto profundamente ligada: As Avenidas Novas, onde nasci e vivi os meus primeiros vinte anos e que ainda hoje continua a ser o sítio onde me sinto em casa. Mas, disso, já falei aqui.
Vinte anos é também mais ou menos o tempo de vida que levo em Alfragide, que não sendo exactamente um bairro da minha Lisboa é ali mesmo ao lado e é um sítio muito simpático para viver. E, por causa da escola, conheço quase toda a gente e toda a gente me conhece, o que dá mesmo aquela ideia do ambiente caseirinho de bairro, com tudo o que isso pode ter de positivo e negativo.  Ao fim deste tempo, no entanto, já me habituei a todos os olhares, a ouvir dizer "olha, a Mouzinho!", ou a ser cumprimentada por pessoas que não sei bem quem são.
Alfragide, para mim, não é a "Quinta Grande", cheia de prédios enormes e incaracterísticos, como noutro lugar qualquer; é a parte antiga de Alfragide sul, a imensa avenida D. Luís I, as torres do arquitecto Conceição e Silva; e o meu largo, as árvores, a relva e o sossego; e os pássaros a cantar e os cheiros da Primavera, quando saio de manhã, muito cedo. É o café do outro lado do largo, onde mal chego tenho já o jornal e o café à minha espera, onde apesar da formalidade do tratamento se sente o à-vontade que só existe entre velhos amigos. E tantas outras coisas que me fazem sentir bem naquele lugar e me trazem o sentimento de que estou a chegar a casa, quando começo a aproximar-me. Ou quando ouço a palavra "Alfragide" e me vem aquela sensação de que esse é um lugar que me pertence e a que pertenço.
E depois há também o Bairro de Alvalade, onde um dia deixei preso o meu coração, apesar de nunca ter morado nele. Mas foi onde vivi um grande amor e é onde tenho trabalhado nos últimos três anos. Gosto das ruas de passeios largos e das lojas antigas, das pastelarias e das mercearias,  de passear pela Avenida de Roma, da mistura do novo e  do antigo em  coabitação pacifica, paradigma da imagem de uma certa Lisboa, moderna e conservadora em simultâneo.
E, apesar de me ser uma bairro tão familiar, tenho descoberto, nos últimos tempos, pequenos pormenores em que nunca reparara antes, o que permite fazer minhas as palavras que li hoje no blog Pé de Meia de mfc: Há sempre um novo e diferente olhar que nos escapou da última vez em que estivémos num lugar, qualquer que ele seja. Surpreendemo-nos sempre  (...)
E dou comigo a pensar se não é mesmo isso que não deixa morrer nunca este amor imenso que me liga a Lisboa.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Momento


É no que há de irrepetível em cada gesto, em cada instante, que a vida pode arrebatar-nos e surpreender.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Um ano



Há anos, quando eu desisti do mestrado, uma pessoa que me era especialmente querida na altura ofereceu-me uma caneta e fez-me prometer que, mesmo abandonando a tese, eu não deixaria de escrever. Não cumpri a promessa. Nem sequer fechando o que escrevia no fundo escuro de uma gaveta a que muito poucos tiveram acesso, como fazia na altura. Por pudor de revelar o que me ia na alma. Porque, como me dizem agora, "uma pessoa se expõe muito quando escreve". Na verdade,  fui lentamente espaçando a escrita até ela se fazer raridade e excepção, por falta de incentivo, de vontade, ou tudo junto e sei lá que mais.
E agora, muitos anos e muitas histórias depois, mudou tudo.
Foi há exactamente um ano. Era uma segunda-feira de Primavera, dia cinzento e chuvoso, no tempo em que ainda tinha um gabinete quase só para mim. Luxos! Estava sozinha, naquele dia. Um luxo ainda maior. Não tinha muito que fazer. E assim, de repente, talvez porque tinha andado a ler os blogues da Helena Sacadura Cabral, lembrei-me de criar também um blog meu. Sem ter a mais pequena ideia de como isso se fazia. Levei a manhã toda em experiências e tentativas. Algumas pessoas, que conhecem a minha faltinha de jeito para a tecnologia, compreenderão porquê. E deu nisto. Mais tarde, já recentemente, tive uma ajuda simpática e preciosa para o melhorar e lhe acrescentar mais uns pormenores a que não chegaria sozinha. E pronto. Afeiçoei-me a ele. E tornou-se um caso sério...
Não gosto muito do nome, confesso, que surgiu assim, sem pensar. Reconheço que Isto e aquilo é um bocadinho podre. Mas de resto, apesar de ver alguns blogues esteticamente tão perfeitos, posso dizer que gosto dele. Porque é meu. Porque nos trezentos e sessenta e cinco dias que se seguiram àquela manhã de tédio e de chuva, escrevi cento e oitenta e seis posts. E hoje, o meu blog ocupa-me espaço e tempo de vida, devolveu-me o prazer e a vontade de escrever que mais que um gosto é, às vezes, até, uma necessidade. E  é, também, muito do que eu sou.
Mais: o blog abriu-me um novo mundo, o mundo da blogosfera, que eu desconhecia e de que até hoje ainda só sei o lado bom. Aprendi imenso, conheci blogues a que me liguei e fiz um pouco "meus" e pessoas de quem passei a gostar muito e com quem criei laços, afinidades, afectos e cumplicidades mesmo sem as ter visto, o que antes me parecia muito estranho e mesmo impossível.
Um ano depois, estou muito satisfeita com o que blog trouxe à minha vida, e o quanto me enriqueceu por dentro e tudo o que me acrescentou. E, por isso, não posso deixar  de agradecer à Helena, em primeiro lugar,  que sem o saber, me inspirou e me motivou a dar o primeiro passo, e cuja força continua a dar-me alento. E também ao Paulo e à Virgínia, que generosamente me têm "emprestado" as suas lindíssimas fotografias,  as quais ajudam a tornar o meu blog mais bonito. E o carinho e o conforto de todas as pessoas que por aqui passam, dos que lêem e dos que comentam, sobretudo,  porque sabe mesmo bem sentir que há gente do lado de lá. E de todos os que escrevem blogues que eu me delicio a ler e com os quais aprendo tanto.
Escrever é pois muito melhor agora do que era dantes, porque é a vida partilhada e esta janela escancarada para o mundo.
Exponho-me muito? Mostro demais de mim, como me dizem às vezes? Quero lá saber! Já tenho idade para fazer e dizer tudo o que me apetece. E é tão bom...
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Beijos ao luar


Leu e releu a mensagem  até se dissiparem as dúvidas, as letras se embaciarem e apagarem de vez e os olhos se fecharem, vencidos pelo sono e pela emoção, vacilando entre o que, depois de tanto esperar, não sabia se queria realmente ou temia não ser mais que uma tremenda decepção.
Mas a vontade sempre se  lhe sobrepusera ao medo, confiando  de maneira quase cega na intuição que a levava muitas vezes por caminhos que nem sabia bem onde iam dar.
Havia pouca gente na praia naquele fim de tarde fora de época. Sentou-se com vagar, procurando sossegar o coração que teimava em bater acelerado, distrair-se com o que a rodeava,  o espectáculo da luz do dia brilhando ainda sobre o mar, a inexplicável cor do pôr do sol e a lua branca a erguer-se já, luminosa, e a deixá-la serena e maravilhada.
E depois foi tudo tão repentino e natural que  quase lhe parecia difícil de acreditar: estar por fim nos braços do homem que durante tanto tempo amara em segredo, sem saber o que fazer diante do seu carinho e sensibilidade, abandonando-se com uma pluma levada pelo vento, soltando o desejo imoderado que lhe alimentara os mais loucos desvarios, nos momentos em que transigia e se entregava inteira aos caprichos da paixão.
Abraçaram-se com o sobressalto e a curiosidade com que se abraça o primeiro amor, sentiu o seu corpo quente que quase parecia queimar-lhe a pele e o primeiro beijo, que tinha o sabor de um triunfo marcado de glória ante esperas e desilusões, conquistas várias, excesso de palavras e a agonia de querer e não ter. Então veio a língua a saborear a sua e deu-se toda aos beijos ardentes e incontáveis, que não podiam separar-se uns dos outros, o arrepio da boca  no pescoço, no peito, descendo lentamente pelo corpo, o cuidado com que lhe desapertava a camisa, o toque dos dedos abrindo caminho pelo decote  e o corpo aceso desde a sua chegada, a querer amar com fúria e com ternura aquele homem esquivo, fugidio e misterioso, que aos poucos lhe roubava o coração.
Amaram-se como duas feras, confundindo vontades, risos, suspiros e gemidos, deixando falar os olhos e as mãos entre beijo e beijo,  entre o susto do que os tomava de assalto e a ilusão do que estava para vir, no silêncio da luz da lua, interrompido pela explosão de alegria  esfusiante e deslumbrada, como fogo de artifício lançado em direcção ao céu estrelado.
A medalha que trazia no peito, anjo da guarda que os unia para sempre, devolvia-lhe o beijo, a praia, a cor do mar, o calor da mão aberta sobre a sua barriga nua  e o céu onde a lua parecia mais próxima e resplandecente que nunca.
E ela que sempre fora incapaz de juras dessas de se amar na saúde e na doença, na alegria e na tristeza todos os dia da sua vida; que sabia que ninguém pertence a ninguém  e que nunca alardeara sentimentos de posse, sentia que não havia  mais salvação que o seu beijo, mais redenção que o seu amor, mais céu que a sua companhia; que aquele fora o melhor fim de tarde e a melhor noite da sua vida; e que nada a fazia mais feliz que estar com ele.
E queria ficar assim muito tempo, naquele feitiço que a paralizava e impedia de voltar à realidade quotidiana; e poder olhar o mundo na mesma emoção daquele primeiro beijo, sempre repetida.

domingo, 5 de maio de 2013

Todos os Domingos são nossos



Antigamente, neste dia, havia as rosas da florista Malmequer e o almoço no Piazza di Mari, e era uma festa. Agora já nem vamos lanchar à Versailles, porque os nossos passeios se tornaram muito mais curtos.
Mas nós não precisamos que haja este dia, porque temos os Domingos todos, tempo de estarmos juntas e de nos perdermos em conversas e risos, em cumplicidades e meiguices várias, coisas de mãe e filha, que ninguém mais consegue entender.
Hoje, tudo é diferente do que já foi. Só o amor não mudou.
E eu continuo a ser a tua menina...

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!
 
                                                                   (Almada Negreiros)
 

sábado, 4 de maio de 2013

O despropósito


Eu, que toda a vida detestei dependências, (bom, com excepção do café, assim de repente; e talvez outras que agora não me ocorrem), que  me farto de gozar com as pessoas que não sabem como deslocar-se quando  ficam sem carro por uma razão qualquer, e que sempre fui um pouco avessa a tecnologias em excesso, dou comigo de humor estragado e cabeça mais ou menos perdida no momento em que um vírus malvado, a que só não chamo outros nomes mais feios porque a fúria já me passou, se me instala no computador sem aviso nem licença e o bloqueia súbita e irremediavelmente.
Ridícula, a minha reacção, admito, durante as dez horas que estive sem ele enquanto me tratavam do assunto; e absurda aquela estranha sensação de que me faltava alguma coisa, como se a porcaria do computador fosse uma parte de mim, ou me fosse totalmente indispensável e mesmo vital. 
E se é verdade que desde que passei a trabalhar todo o dia sentada na frente de um computador o nosso relacionamento se tornou muito mais próximo, também é verdade que passo muitas vezes mais de dez horas sem o utilizar, ao fim de semana, nas férias, em viagem e em tantas outras situações. Mas só a ideia de querer e não poder me deixou num estado em que nem me reconhecia.
Diante de todo este exagero, que me envergonha e surpreende, não sei o que é mais apropriado dizer: se "no melhor pano cai a nódoa" ou "pela boca morre o peixe". Se calhar, parafraseando uma canção que eu acho aliás  detestável, o que se aplica neste caso é simplesmente: "Parva que eu sou!" 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Capela do Rato


Não me lembro ao certo que idade tinha quando comecei a ir à Capela do Rato. Sei que era ainda uma miúda. E que, desde cedo, aquela missa com sabor a festa e com palavras cheias de sentido  me impressionou de tal maneira e foi tão determinante para a minha existência e para a minha maneira de viver a fé, que,  hoje, não sou capaz de assistir a qualquer uma e só na missa do Padre Feytor Pinto eu consigo encontrar profundidade e significado semelhantes.
A Capela do Rato é, para mim, um lugar fundamental, emblemático, que marcou fortemente a minha adolescência e onde se estabeleceram os fundamentos de muito do que hoje sou. Onde conheci amigos extraordinários, com quem cresci, por dentro e por fora, e com quem fui aprendendo a pensar, a pensar-me e a procurar um sentido maior para a vida. Foi um período importante. Tínhamos os sonhos mais utópicos que se possa imaginar  e acreditávamos, com inabalável convicção, que havíamos de conseguir mudar o mundo e torná-lo muito melhor. Mas o tempo, inclemente, foi fazendo o seu caminho, o grupo dispersou um pouco, eu passei por uma fase em que pus em causa tudo aquilo em que acreditara até então e afastei-me. Nunca mais lá fui.
Voltei hoje, em circunstâncias muito específicas. E foi uma emoção. Por tudo. Pelo que me levava ali, pela beleza e simplicidade da cerimónia a que assisti e por aquele regresso a um  passado bom, a um lugar que me é tão familiar, próximo e distante ao mesmo tempo, mas que representa tanto.
Quantos anos terão passado desde que entrei lá pela última vez? Vinte e quantos? Trinta? Mais? Nem sei... Muitos. Olhando em volta, notei pequenas diferenças. As cadeiras de madeira castanha clara são agora cinzentas, de plástico. A imagem por trás do altar não é a mesma. O espaço pareceu-me até um pouco mais pequeno, porque a nossa memória aumenta sempre o tamanho do que lembramos.
Hoje, já não estava lá o Padre Resina, nem a Feliciana, nem o Pepe, nem os Sassettis, ou as Castel-Branco; nem se ouviram os nossos cânticos, ou as nossas guitarras daquela altura. Do tempo antigo, estava apenas o João Paulo Sacadura; e olhando para ele, sentado na minha frente, pude aperceber-me de como, de facto, os anos passaram, a vida segue e é o presente que verdadeiramente importa.
Esta celebração de agora, que vivi hoje, naquele lugar da minha adolescência, foi  simples, bonita, e plena de sentimento. De amor, que é o maior e o mais importante de todos. Um privilégio, pois, poder partilhá-la com pessoas por quem nutro um afecto desmedido.
Não conhecia o Padre Tolentino de Mendonça, de quem tenho ouvido falar muito e que ando para ler há que tempos, mas tenho adiado sempre, por uma razão ou por outra. Gostei muito do seu modo de estar, discreto, espontâneo e despretensioso, de tudo o que disse e do modo natural e quase intimista como o fez.
De tudo o que ali ouvi hoje, retenho a importância da espiritualidade e da contemplação, a ideia de que a imortalidade é também os nossos sonhos e tudo o que nós somos perdurarem para além de nós; e esta frase, tão bonita, do salmo: "Ensina-nos a contar os nossos dias, para que o nosso coração alcance a sabedoria".

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Um sorriso que não se esquece


Hoje, o Miguel faria 55 anos.
Há exactamente um ano, quando ainda estávamos todos chocados e comovidos com o seu desaparecimento precoce, acontecido meia dúzia de dias antes, estive pela primeira vez com a Helena Sacadura Cabral, sua mãe e mulher que admiro como poucas.
Totalmente por acaso. De passagem pela Feira do Livro, foi com surpresa que encontrei a Helena naquele lugar e, sobretudo, naquele dia, ao mesmo tempo tão especial e tão doloroso para ela. Resolvi falar-lhe. Hesitei. Decidi-me. E fiz bem. Para mim, foi um encontro absolutamente marcante.  Admirou-me a sua força, a sua imensa coragem, que é também dignidade, que eu já conhecia, mas pude, ali, testemunhar de facto. Tocou-me, em particular, o modo como soube manter o sorriso e conversar, com a sua natural amabilidade; e como me apertou a mão com muita força quando lhe disse  que, apesar de eu ser toda Paulo, me parecia impossível gostar de um dos seus filhos sem gostar também muito do outro.
Depois disto, já voltei a estar com a Helena mais três vezes. Na verdade, hoje, a Helena é para mim uma amiga, uma "blogoamiga", ou "uma amiga da blogosfera" como ela me disse da última vez que nos vimos, que faz parte da minha vida, de quem gosto muito, por quem tenho um carinho e um respeito enormes e muito especiais, como uma espécie de "irmã mais velha" que, com a sua sabedoria, sensatez e bom humor, nos faz sentir bem em todas as circunstâncias da vida.
Na véspera deste nosso primeiro encontro, a Helena escrevera no  Fio de Prumo: Hoje recomecei, mansinho, a trabalhar. Como ele desejaria. Mais uma vez em sua homenagem. Aquela que só uma mãe pode dar.
Impossível ler isto sem nos emocionarmos. E assombrar-nos, com este magnífico exemplo e com este amor lindo, de mãe e de filho. Não espanta, pois, que os filhos da Helena sejam, também, duas pessoas admiráveis.
O Miguel tinha a sua força e a sua generosidade; a inteligência e o dinamismo; o espírito vivo e aquele mesmo sorriso, doce e inigualável, que não se consegue esquecer; e que é bem a prova da veracidade do provérbio: "Quem sai aos seus..."