terça-feira, 30 de abril de 2013

Encontro de céu e mar


http://www.youtube.com/watch?v=ZHSiHf0b4T4

Pelo menos uma vez por ano, preciso deste encontro comigo, como uma terapia de natureza e de silêncio, que me devolve o equilíbrio e a paz interior, que me fortalece, que me harmoniza com o mundo e a vida.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Sonhos

 
Gosto das noites em que sonho contigo, em que a dormir tudo se mistura e a força da saudade do teu corpo, da cor da tua pele, do som da tua voz  e desse não sei quê no teu olhar  se faz verdade e se confunde com o que ainda nos falta descobrir e experimentar.
No meu sonho posso inventar um lugar sem  segredos, sem  amores proibidos, nem corações destroçados, longe da realidade que nos limita e da distância que nos separa, sem malefícios de bruxas, nem feitiços de fadas, onde as alegrias são trazidas pelo vento e as tristezas lançadas ao mar.

sábado, 27 de abril de 2013

Monsieur Lazhar



É um filme em francês, como eu tanto gosto, mas com aquela pronúncia um pouco estranha do Québec. Candidato do Canadá ao óscar do melhor filme estrangeiro de 2012, o filme de Philippe Falardeau tem como título o nome da personagem principal, Bachir Lazhar (Monsieur Lazhar), o imigrante argelino que vivendo, também ele, um drama pessoal, encontra vinte alunos de onze ou doze anos, aturdidos  e perplexos ante a brutalidade da morte e sem saber como lidar com a dor da perda.
A história é relativamente simples, mas o encanto e a humanidade daquelas personagens, o brilhantismo dos actores crianças, com especial destaque para Sophie Nélisse no papel de Alice, tornam o filme quase poético. É que há nele uma espontaneidade e uma doçura a que não se pode ficar indiferente.
Há algumas cenas absolutamente marcantes, inesquecíveis até, das quais destaco três: a de Alice apresentando diante da turma o seu texto  sobre a violência; a fábula da Crisálida que o professor lê na despedida; e o abraço final que dá à sua aluna preferida.
É impossível ver este filme e não se sentir tocado; mais ainda quando, como eu, se é professor. E se conhece, pelo lado de dentro, muito do que é ali retratado. Como, por exemplo, quando os pais da personagem Marie-Fréderique, olhando o professor com uma hostil desconfiança, lhe pedem que se limite a ensinar e que não queira educar a  filha. Como se fosse possível dissociar uma coisa e outra que, tantas vezes, (quase sempre) se confundem.
Eu chorei a vê-lo. Chorei muito. O filme trouxe-me à memória coisas que também vivi. Dolorosamente. Porque, na escola, os dramas individuais tornam-se também,  às vezes, dramas colectivos.
E com todas as diferenças, porque cada caso é um caso, já me aconteceu qualquer coisa de certo modo semelhante, que foi, para mim, com todos os anos que levo disto, a mais dura prova da minha vida profissional.
Sem contar toda a história, coube-me, um dia, a dolorosa tarefa de dar a notícia da morte do pai a uma menina de quinze anos. Foi há cinco anos, mais ou menos. Mas ainda hoje me emociono quando penso no meu coração apertado no momento em que a fui buscar à sala de aula. Já não sei que palavras lhe disse, lembro-me apenas, vagamente, de a ter abraçado e de termos chorado juntas, em silêncio e entre palavras gaguejadas de afecto, na tentativa vã de encontrar consolo para uma dor sem remédio. Lembro-me, também, de ter pegado na mais bonita das minhas medalhas da Virgem do Rocío (minha força e minha fé) e de lha ter oferecido como símbolo de protecção e de amparo. E depois ela não se quis ir embora, naquele estado de choque de quem se recusa a aceitar uma realidade demasiado dura; quis continuar nas aulas. E a aula a seguir era comigo. Armada em forte, perante uma turma inteira silenciosa e  em lágrimas, falei-lhes de Camões durante noventa minutos, tropeçando nas palavras muitas vezes, mas empurrando a vida para a frente, com o ar de normalidade que fui capaz de assumir na altura. Hoje, que já passou muito tempo, sinto que esta dor, que vivemos em conjunto, este momento tão marcante para todos os que o vivemos, criou entre nós uma ligação especial que há-de durar para sempre.
É deste lado humano da escola que fala também o filme. E que é, afinal, o  lado mais humano da vida.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Começar de novo



Estes têm sido dias marcados pela ideia de mudança. Porque sinto que é tempo de voltar ao lugar onde pertenço e de regressar  à escola, às aulas e aos alunos, sempre tantos, tão diferentes uns dos outros.
E também a uma vida de correria e agitação que eu já conheço de cor, com  o tempo medido a toques de campainha, novos grupos de hora a hora, cadernos e canetas de muitas cores, às voltas com as palavras e os livros, pensar, ler, escrever. E mostrar como tudo isso pode ser bom. E ensinar a perceber que a arte e a cultura fazem parte da nossa vida e podem ajudar-nos a ser pessoas melhores e a ver o mundo de outra maneira.
Estes foram três anos fundamentais para a minha vida. De amadurecimento. De poder parar e pensar nas coisas; e vê-las de modo diferente. De alargar horizontes. Mas acho que esse tempo já se esgotou.
Estou, de novo, num momento de viragem. Fecha-se um ciclo e uma vida nova está para começar. Isso assusta e atrai, como qualquer novidade. Medo e vontade em doses quase iguais. Porque não se sabe como vai ser. Porque é sempre um risco. Porque implica sair da nossa zona de conforto. Porque o comodismo nos impede às vezes de dar um passo por caminhos que não sabemos onde vão dar.
Nem sempre sei bem o que quero. Mas sei quase sempre o que não quero: sei que não quero voltar à escola que foi minha durante vinte e dois anos. Porque já nada será igual. Porque ela faz parte de um passado que foi grande parte da minha vida, mas que eu sei que não vai voltar nunca mais. Que nunca poderia ser como foi. Porque traz agarradas muitas memórias, boas e más, mas que pertencem a um tempo que já passou.
Então prefiro começar de novo, como se fosse a primeira vez, num sítio onde ninguém me conhece  e eu não conheço ninguém, numa escola nova, que eu possa de novo voltar a dizer e sentir "minha".
Concorri a doze escolas. Agora é esperar...
E lembro-me de uma canção, que em todos os momentos há sempre  música a encher a minha vida. A de agora é esta:
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
ter amanhecido...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Artista(s)



Julgo que já falei aqui no lindíssimo blog da Virgínia. Para quem não o conhece ainda, aconselho vivamente  a passar por lá e espreitá-lo. Porque vai valer a pena. 
É um blog absolutamente feminino, inquieto, nostálgico às vezes, poético também e, sobretudo, feito com uma grande sensibilidade e paixão.
A Virgínia parece ser uma mulher de temperamento forte,  mas com uma enorme alma de artista, apaixonada pelo (seu) Porto, do qual nos mostra fotografias muito bonitas, do Botânico ou da Foz, ou de pequenos pormenores que ela sabe captar com o seu fantástico talento de fotógrafa. Mas não é apenas isso. A Virgínia é também pintora. E vai-nos mostrando muito dessa sua arte, partilhando connosco, às vezes, alguns dos seus quadros. Ou a música que ouve e a emociona. Ou o manual de Inglês que trouxe à luz do dia quase com o  mesmo amor de uma mãe que dá vida a um filho.
A reportagem fotográfica da sua recente viagem pelos Açores, por exemplo, é imperdível e tocou-me de uma forma muito particular, a mim que nunca estive lá, mas para quem os Açores são imensa coisa, mistura do que vi, sei, imagino, e também do que me fazem lembrar e eu ouço contar e que vai adensando a vontade de, um dia, me meter num avião e deixar-me inebriar e embevecer por toda aquela beleza, silêncio e paz em doses excessivas.
Conheci-a na blogosfera, mas hoje é  para mim como uma amiga, com quem partilho pensamentos e opiniões, com quem sinto uma sintonia que é já afecto, mesmo  se nem sempre estamos de acordo. Na verdade, temos muito mais em comum do que a mesma profissão.
É por tudo isto e o resto, que não sei contar, que eu continuo a achar que este é um mundo fascinante, que tem um lado bom e um lado mau, como a vida, como me disseram um dia ( e é verdade), mas que me tem dado a conhecer pessoas incríveis, verdadeiros artistas da palavra, da imagem, ou tudo junto, de quem eu passei a gostar muito.
E, como em tantas outras coisas, guardo só as coisas boas e deixo o resto...
 
(Fotografia, deslumbrante, de Virgínia Barros, naturalmente)

terça-feira, 23 de abril de 2013

O som do mar


É nesta altura do ano que mais gosto da praia, quando ainda está vazia das enchentes do Verão e a posso sentir mais minha, em tantas vezes que me encontro a sós com o mar.
Nele, tudo me fascina e emociona: a cor azul em cambiantes indefinidos, a imensidão sem fim das águas parecendo prometer o infinito,  o cheiro intenso que se me entranha na pele e a melodia do seu vaivém, ritmado e incessante.
Em certos dias, penso mesmo que gostava  de ter talento suficiente para captar a beleza colossal do instante único em que a onda se desfaz, espalhando-se ruidosamente pela areia.
E não entendo como há quem possa pôr-se a ouvir música diante de um espectáculo assim, quando não há nada mais belo que aquele clamor,  que  embala os  sonhos  onde cabem todos os  amores e alimenta as mais insensatas quimeras, fazendo crer, naqueles momentos de silêncio e harmonia com o universo, que todos os caminhos da vida são possíveis e muito menos sinuosos do que costumamos imaginar.

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida
Por uma nova ilusão entontecida.
(Sophia de Mello Breyner)

domingo, 21 de abril de 2013

Encontro com o sol

 
Finalmente o encontro, há tanto tempo esperado. Até  custava a acreditar que agora  era real  e não apenas um desejo adiado, daqueles que se aguardam no pressentimento que, mesmo não sendo para já, vai valer a pena. Sempre achara que as coisas melhores, boas e importantes, demoram a acontecer. E agora ali estavam, só os dois,  naquele momento único em que nada mais importava, nem existia sequer.
Então, num descarado abandono, deitava-se na areia mole  e despia-se aos poucos, com os gestos lentos de um amor sem pressa;  e entregava-se inteira às carícias do sol, regalando-se com o seu toque quente e macio; fechava os olhos para sentir melhor o calor e a luz a penetrar-lhe na pele, avançando devagar pelo corpo fora  até chegar ao mais fundo da alma, num encantamento impetuoso e desmedido, uma vaga de bem-estar e de prazer  que, apesar de repetida, nunca é igual e apetece prolongar sem fim.
Depois abria os olhos para os encher do azul à sua volta, ainda não refeita do assombro de como a natureza e o amor podem emocionar tão excessivamente e deixava-se ficar naquele torpor de uma sonolência contemplativa e extasiada, num enlevo insensato que torna tudo possível, alternando  sonho e  realidade,  a nostalgia de amores perdidos e a esperança em amores por vir.
Sentia-se confortada pela certeza doce de haver  na verdade coisas tão simples e aparentemente banais que podiam fazê-la  feliz àquele ponto, tal e qual como sugeria o título, misterioso e promissor,  do romance que andava a ler: La felicidad es un té contigo.

(Fotografia de Virgínia Barros)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ao sabor da(s) vontade(s)


Ter tempo. Poder parar e sentir tudo melhor. Confundir a noite e o dia, ouvir o relógio e adormecer de novo, embrulhando no sono a fantasia e a realidade. E deixar que as horas passem vagarosas, para gozar a euforia dos dias pintados a azul e os momentos de emoção pura, no reencontro de céu e mar.
E depois, também, dar-se ao luxo de muitas preguiças boas, de gestos lentos ou arrebatados, ao prazer de um beijo demorado que desacelera o tempo e o faz seguir mais devagar, ou dos instantes que o retêm totalmente e são só o corpo  inteiro entregue ao calor do sol ou dos  afectos, aprisionado nuns braços onde apetece ficar, a cabeça encostada num peito macio, o coração a bater descompassado, numa satisfação de paraíso perfeito.
Agora, são duas semanas com sabor a eternidade, em que todos os minutos de  todas as horas de todos os dias são a felicidade de os  preencher com o que se quiser.  E maravilhar-se uma vez mais diante da beleza sublime das flores, do aroma forte da Primavera recém-chegada, e do milagre da vida que é, afinal, tão bonita.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Valha-nos o humor... e o sol!





Desde que me lembro de existir, sempre me recordo de muitos jornais lá em casa. Talvez por isso, não passo sem a sua leitura, ritual diário indispensável juntamente com o primeiro café da manhã, e que nenhuma internet, ou qualquer outra tecnologia, conseguiu nunca substituir nem destronar.
Hoje, que tive mais tempo, por causa de uma manhã de longas e inglórias esperas, com motivos que não vêm ao caso, pude deliciar-me a lê-lo ainda mais "de fio a pavio" e diverti-me particulamente com o texto de opinião de Vasco Graça Moura, de quem admiro a inteligência e o modo brilhante como escreve e com quem partilho o mesmo ódio visceral pelo famigerado (des)acordo ortográfico.
O artigo inteiro pode ser lido aqui, mas não resisto a transcrever este excerto:

(...) para o plano do discurso político que prolifera da parte de muita gente menor dos quadrantes da oposição são de notar a virulência, a violência, a impropriedade e o recurso ao insulto sistemático das fraseologias utilizadas. Há figuras públicas que vejo na televisão a desengrolarem uma agressividade tão destemperada e tão destrambelhada que me fazem recear que, se por acaso me cruzasse com alguma delas na rua, me arriscaria a levar uma forte dentada nas canelas.
Essas furibundas criaturas vomitam desreguladamente tanto ódio em catadupa que um dia destes ainda cospem a dentição aos bocados, de mistura com o azedume do palavreado. São esses e outros arreganhos de mau hálito que me levam a crer que uma das profissões com mais futuro em Portugal é certamente a dos implantes dentários. Valha-nos isso.

Ou valha-nos o humor. Digo eu. E o bom tempo também, pois como dizia o Miguel Esteves Cardoso no Sábado, citando a sua mãe, que vivia no Estoril: "Os ingleses passam o ano inteiro a poupar para vir aqui passar uma semana. E nós temos isto o ano todo!"
Parece pouco; mas é muitíssimo! Basta saber dar-lhe o devido valor...

O fogo que arde sem se ver


O filme é de 1986, mas eu vi-o hoje pela primeira vez, no Instituto Cervantes, no âmbito de uma homenagem a  Carlos Saura
Criado a partir da música de Manuel de Falla, Amor Brujo é o último filme da trilogia que inclui também Carmen e Bodas de Sangre e tem como principais protagonistas dois nomes emblemáticos do flamenco: Antonio Gades e Cristina Hoyos.
É um filme lindíssimo, mágico, que trata o tema do amor e da morte, de que eu tanto gosto, sublimado pela força telúrica e arrebatadora do flamenco.
A cena retratada neste vídeo,  carregada do simbolismo encantatório do fogo, associado à vivência de uma paixão visceral e incontrolável, simultaneamente redentor e enfeitiçante, que afasta e aproxima, é apenas um magnífico exemplo do efeito que o filme provocou em mim.
Escolha ideal, pois, para o fim de um dia de Primavera assim, quente e repentina, como esta.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Viver só não é ser solitário



Nem sempre começa por ser uma opção. Muitas vezes é fruto de um acaso qualquer, ou de um conjunto das mais variadas circunstâncias. A verdade é que quem experimenta acaba, quase sempre, por não querer outra coisa. Porque se aprende a ser independente e a gostar disso. Mesmo que no ínício possa até não ser fácil.
Na maior parte dos casos é um percurso lento, feito de altos e baixos, de avanços e de retrocessos, de arrojo e de arrependimento. Do deslumbramento ante a ideia romântica de se ser dono da sua vida e de momentos  em que só se deseja um colo onde repousar a cabeça, ou o calor reconfortante de uns braços que acolham uma fragilidade repentina.
E depois, é preciso saber lidar com a opinião dos outros: dos que olham com desconfiança  para quem gosta de viver sozinho, vendo nisso o sinal de uma anormalidade qualquer e lançando olhares apiedados  de quem  não acredita que isso não signifique uma enorme solidão;  dos que no fundo invejam essa vida, mesmo não ousando confessá-lo, e apenas o deixam transparecer em sorrisos admirados e reprovadores, ansiando secretamente a liberdade de gerir também o tempo com autonomia plena, mas incapazes de se libertar de uma conjugalidade muito mais solitária, mantida a pretextos vários. E, ainda, dos detentores de uma mentalidade retrógrada, mas persistente, que vê em cada pessoa que vive só (e pior se for uma mulher)  um libertino em potência, ou um pinga-amor, disposto a quase tudo por um pouco de companhia. Nada mais irritante, nem mais errado! Mas, como li no outro dia, a verdade é que "à medida que vamos ficando mais velhos, vamo-nos tornando mais sábios e mais imunes às censuras alheias."
Quem escolhe viver só sabe o valor de fazer o que lhe apetece do seu tempo e do seu espaço e a importância do  silêncio de poder estar a sós consigo. Conhece o prazer de dormir demais, ou de se deitar  às horas mais impróprias, de chorar e de rir desalmadamente sem ter que justificar  tristezas e alegrias, de comer no sofá,  à frente da televisão,  ou de deixar coisas por arrumar. 
E de como tudo isso é fundamental para o seu equilíbrio e o seu bem-estar físico e emocional, que permite que estar acompanhado seja vivido de uma forma muito mais plena, que a cumplicidade e a partilha possam ser ainda mais verdadeiras, porque genuinamente desejadas.
E redescobrir, assim, a importância do amor verdadeiro e da companhia, de abraçar quem se gosta com força, na felicidade de instantes vividos na serenidade e na paz de duas vontades em sintonia.
Não é menos amor; pode até ser uma forma de intensificar laços e ligações, de aumentar a intimidade, vivida sem plano prévio,  de experimentar a sensualidade do corpo sem a rotina dos gestos maquinais, feitos quase só por obrigação, do sexo com  horas e dias marcados, como o cumprimento de uma tarefa mais e não como uma prova de amor; e da recusa da vida a dois transformada num inferno quotidiano, que se acredita poder vir ainda a  superar, em nome de um passado que um dia já foi feliz.
Haverá sempre quem não entenda que este não é um caminho de solidão e que viver só não é viver isolado. É escolher ser mais feliz.
E que, nestas como noutras coisas, cada um sabe de si...

domingo, 14 de abril de 2013

True Tales Festival of Storytelling


Gosto muito histórias, ou não fosse eu de Letras. Gosto de as ler, de as ver e de as ouvir. Nada como uma boa história. Ou até menos boa, desde que bem contada.
O Festival True Tales já existe há dois anos em Portugal, mas eu confesso que só agora dei por ele. Talvez porque não gosto de whisky. E devo ser caso raro, pois parece que Portugal é o quarto país do mundo onde mais se vende o whisky Grant's, que promove o festival.
O  objectivo, dizem eles, é fortalecer a relação emocional entre a marca e os consumidores, através da partilha de histórias de vida, contadas na primeira pessoa. Achei a ideia interessante, espreitei os nomes em cartaz e decidi-me a ir ouvir o Miguel Esteves Cardoso e a Clara Ferreira Alves. Mais por ele do que por ela, que não lhe aprecio o estilo.
Quanto ao MEC, como foi conhecido durante muito tempo, goste-se ou não dele, marcou indiscutivelmente uma geração: a minha.
Para quem tem mais ou menos a mesma idade que eu, é impossível não se lembrar das suas críticas de cinema e de música no Sete e no  Expresso, depois das crónicas A causa das coisas, os meus problemas e outras que, numa espécie de blog avant la lettre, faziam as nossas delícias, num tempo em que, como ele hoje dizia, a tecnologia ainda não existia e para as ler tínhamos mesmo que comprar o jornal. Quem é que já esqueceu o "factor SPAC", por exemplo? Ou aquelas máximas do tipo: "O primeiro amor é uma chapada (...) é como a criança que põe os dedos dentro de uma tomada". Mais tarde, nos anos 90, fomos todos leitores do Independente e alguns também da Kapa. E então fartámo-nos um bocadinho, porque tudo tem o seu tempo de existir; e o MEC, talvez por isso mesmo, também desapareceu um pouco.
Aquilo a que assisti  no True Tales, foi a um Miguel Esteves Cardoso igual ao de antes, com o mesmo entusiasmo perante a vida e o mesmo humor, apesar de se notarem nele as marcas da passagem do tempo. Não contou uma história, mas pequenos episódios, como quando velhos amigos se reencontram e vão desfiando memórias comuns.
De tudo o que disse, destaco duas coisas: a ideia de que é importante viver a idade que se tem e a de que quando se tem vinte ou trinta anos se acha que se sabe tudo e se tem imensas certezas, mais ou menos como  o que acabei de ler no blog da Helena Sacadura Cabral sobre a quantidade de pessoas que andam "cheias de si".
Acho que, tal como provavelmente a todos nós, ao Miguel a idade tornou-o mais humilde e com menos certezas e verdades absolutas. E gostei de o ver e ouvir, porque afinal, de certo modo, é "um velho amigo", que está ligado a uma fase da minha vida; e que faz parte dela.

(O Miguel continua a escrever crónicas, no Público, que não faz parte das minhas leituras. Mas porque estas coisas, às vezes, até parecem transmissão de pensamentos, o Pedro Correia fez hoje um post no Delito de Opinião sobre o Miguel, com esta crónica, que vem um pouco na linha do que lhe ouvi ontem.)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aparição


A felicidade não está no que acontece, mas no que acontece em nós desse acontecer.
(Vergílio Ferreira)
 
Apesar de já se ir deixando ver aqui e ali, mostrando-se timidamente para se esconder logo em seguida, fazendo-se desejar mais e mais, parece que agora vai mesmo chegar, revelando enfim o seu enorme esplendor. Amanhã é dia de sol intenso, de perfumes de flores e chilreadas de pássaros.
É este espectáculo  da natureza a renovar-se e a nascer de novo que transfigura também a minha alma e me enche de uma força e de uma alegria maiores. Amanhã, é dia de ser feliz!...
 
(Fotografia do blog Pé de Meia... de mfc)

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Histórias de encantar



Não queria repetir-me, mas é impossível não falar de novo neste magnífico blog, o mais bonito de todos, ao qual apetece voltar uma e outra vez, sem nunca nos cansarmos. 
Porque tem uma alma e um bom gosto descomunais, que nos deixam maravilhados. E porque o Paulo, com a sua enorme sensibilidade, é também um excelente contador de histórias, que faz com que, apesar de ser  verdadeiro e genuinamente português aquilo de que nos fala, haja ali também uma beleza e uma aura de mistério que nos transporta para o ambiente mágico e feérico das histórias de encantar, verosímil e fantástico ao mesmo tempo, a meio caminho entre a realidade e a ficção.
Fale-nos de Piódão, a aldeia-presépio, tão linda que até parece irreal, como no último  post, de Sintra, do Rossio, dos Açores, ou seja do que for, há na qualidade irrepreensível dos textos, cujas palavras parecem criteriosamente escolhidas, nas fotografias deslumbrantes onde os nossos olhos se demoram e o tempo se suspende, e na escolha da  música exacta que os acompanha, qualquer coisa especial, que torna cada post único e precioso, como uma raridade.
Para mim, é já leitura obrigatória, uma referência incontornável, um lugar onde gosto de me perder (e de me encontrar), pequeno pedaço de paraíso que me emociona e reconforta e me faz, até, sentir mais feliz. Como a arte. Ou como a vida, no seu melhor...
E, nem que fosse só por isto, a blogosfera já teria valido a pena.
Mas, porque não sou excessivamente egoísta e acho que as coisas boas são para partilhar, para quem ainda não conhece a terra e o céu, é obrigatório passar por lá. E viciar-se...

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima, claro, e o texto que a acompanha, para ver e ler  aqui)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O romper da aurora


Eram iguais quase todas as manhãs: no despertar mais ou menos contrariado  à  hora certa, nos  gestos que se repetiam maquinais, de olhos atentos aos ponteiros do relógio, todos os minutos contados, sem lugar a falhas, rotina cronometrada com rigor, acordando distraidamente para o mundo a ouvir as notícias no rádio, anunciadas com uma energia exaltada, que soava a falso e destoava do ambiente tão quieto e silencioso à sua volta.
Depois a rua, ainda semi-deserta, o café apressado e o jornal,  de novo a realidade da vida,  o autocarro pontual, que ao longo do percurso se enchia e se esvaziava de pessoas caladas e sonolentas a quem a chuva, repetida dias a fio, empurrava para um emudecimento mais fundo.
Sentava-se num lugar qualquer onde não estivesse mais ninguém e, até chegar ao Campo Pequeno, deixava-se ir, remetendo-se ao sossego do trajecto que já conhecia sem precisar de o olhar e observando, desatenta, as sombras que se dissipavam lentamente e os carros que passavam sem pressa, o dia  a chegar vagaroso, o pensamento à  deriva, misturando as ideias do que planeava fazer, com os restos dos sonhos de uma noite que lhe parecia sempre demasiado breve. 
Mas era quando o colorido das árvores lhe lembrava de repente uma Primavera obstinada em esconder-se, que se perguntava por que razão estaria a aurora tão zangada com o sol para não vir pelos céus enchendo-os da claridade com que costumava precedê-lo e anunciá-lo. E , então, era inevitável: punha-se a sonhar com os dias de sol, de mar e de horizontes límpidos e sem limites, que estavam por vir e que não se lembrava de, alguma vez, ter desejado tanto.

terça-feira, 9 de abril de 2013

A falta que a sesta me faz



Sou de dormir muito! Porque preciso e porque gosto. É verdade: além da óbvia necessidade, dormir é, também, um enorme prazer. Mas, dito isto, o caso é que  não consigo, nem gosto de deitar-me cedo. E esta mistura mais ou menos explosiva faz com que tenha sempre sonos atrasados que chegam até, em certos dias, a afectar-me o humor. Tal e qual como os bebés.
Um sesta resolvia o assunto. Dizem os entendidos que a sesta é benéfica para a memória e melhora a capacidade de aprendizagem. Não sei se isto está provado cientificamente, mas acho que os espanhóis é que estão certos. Nada como um soninho durante o dia, no início ou no fim da tarde, tanto faz, mas que resolvesse esta moleza que se me instala no corpo a seguir ao almoço e que, em incessantes pedidos de descanso, me tira a força e me impede a concentração no que tenho de fazer. Farto-me de dizer, por aqui, que o trabalho me renderia muito mais se pudesse ir a casa e voltar depois de uma sesta, revigorada. E que até saía mais tarde, às oito ou nove, sem problema algum. Mas ninguém me liga nenhuma.
Lembro-me de como, quando era pequena e a sesta era uma obrigação, eu me revoltava e resistia, fingindo que dormia quando me iam espreitar, inventando mil e uma coisas para fazer naqueles momentos e esforçando-me por me manter bem acordada, nem que fosse só para contrariar uma imposição que me parecia tão descabida.
Agora, ironicamente,  é ao contrário. Levanto-me cedo (excepto aos fins de semana), mas sempre com a sensação de que ainda não dormi tudo o que precisava de dormir. Depois lá desperto, e em tomando banho e bebendo um café, ambos absolutamente obrigatórios, a manhã corre com normalidade. À tarde é que é pior...
Hoje, então, que além de pouco dormi mal, porque acordei várias vezes, o que nem é nada costume, só sonho em estender-me no meu sofá e anseio por uma maravilhosa sestinha que, infelizmente, tenho a certeza que não vai acontecer...

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Comovente



Já é como um ritual, que passou a fazer parte das minhas manhãs. Quando chego e me sento em frente do computador, antes dos Outlooks e Smartdocs, antes de me embrenhar em processos, pedidos de esclarecimento, pareceres e recursos, dedico-me ao prazer de passar pelos "meus" blogs, para ler as novidades. Faço-o com minúcia e critério, seguindo uma determinada ordem,  que começa invariavelmente pelos que eu mais gosto, passa depois aos assim assim e deixa para o fim, e apenas se tenho tempo, os que me dizem menos e só  a minha incorrigível curiosidade me leva às vezes a querer "espreitar".
Hoje, no Delito de Opinião, que é dos meus preferidos, encontrei um post de Rui Rocha que me comoveu de uma maneira especial. E, nesta altura em que o mundo parece ter esquecido os valores que verdadeiramente importam, em que as prioridades parecem cada vez mais invertidas, em que há um desânimo crescente e quase generalizado, esta história, bonita, triste, enternecedora - e verdadeira, ainda por cima, - vem lembrar-nos que o amor é, de facto, o que vale a vida.  Por isso, não resisti a partilhá-la aqui também:


Mind the gap
"Margaret McCollum levantava-se cedo. Muito cedo. Lawrence morrera há quatro anos. E, desde então, as alvoradas tinham-se tornado penosas. A sua ausência ocupava-lhe os dias. Com o passar do tempo, a outras horas, já era capaz de acomodar as memórias com uma certa doçura. As lágrimas já não vinham sem um sorriso terno. A saudade chegava em vagas plácidas que pareciam procurá-la mais para a reconfortar do que para lhe provocar dor. Mas não fora ainda capaz de transformar o tormento das madrugadas em ternura. Estremunhada, procurava o respirar sereno de Lawrence, a seu lado. O silêncio tornava-se insuportável. Um silêncio físico, rugoso. Que lhe tomava a boca e a garganta. Sufocada, levantava-se em urgência, como fizera tantas vezes para socorrer os seus doentes. Agora, tinha de acorrer ao seu próprio sofrimento. Por vezes, abrir a janela e receber o bafo húmido das manhãs anunciadas de Londres era suficiente para aplacar os sintomas. Como se Oswald estivesse ali a sussurrar-lhe a sua presença. A desatar-lhe os nós da angústia. Noutros momentos, em que a humidade a engasgava e as suas lágrimas ficavam ainda mais ácidas, Margaret sabia exactamente o que fazer. Vestia-se entre soluços, tomava da rua a réstia de luz que já se adivinhava e, aos tropeções, dirigia-se para a estação de Embankment. Ao longo do percurso, o calor regressava lentamente às suas mãos. A certeza de reencontrar a voz de Lawrence reconfortava-a. Já serena, sentava-se no banco junto à plataforma. O mesmo banco onde já se sentava, consumida pela saudade, quando Lawrence se ausentava de Londres, por motivos profissionais, durante alguns dias. Esperava então a chegada da próxima composição. A que lhe traria de novo a voz de Lawrence. Primeiro, a luz ao fundo do túnel. A crescer para ela. A chiadeira da travagem. A mensagem. A mensagem para todos. A voz só para ela. Mind the gap. A distância da composição à plataforma. A distância entre ela e Lawrence preenchida pela recordação da sua voz.

* Lawrence Oswald foi a voz da primeira mensagem "mind the gap" gravada, na década de 60 do século passado, para advertir os passageiros do metro de Londres para a distância entre as composições e a plataforma. Oswald morreu em 2007. Margaret McCollum, a viúva, tinha por hábito dirigir-se à estação de Embankment para ouvir a mensagem e recordar a voz do marido. Em determinada altura, a empresa do metro de Londres decidiu substituir a mensagem de Lawrence por outras. Margaret escreveu à Administração a contar a sua história. A empresa do metro de Londres decidiu repor a mensagem gravada por Lawrence na estação de Embankment. Margaret continua a aparecer por lá para recordar o marido. A notícia pode ser lida aqui."

domingo, 7 de abril de 2013

Lisboa no cinema


A crítica arrasava-o, considerando-o um filme menor. As opiniões que ia ouvindo não eram unânimes, dividindo-se entre sim e não, de modo mais ou menos equilibrado. Mas achei que Jeremy Irons e Lisboa como cenário eram motivos mais que suficientes para lhe dar o benefício da dúvida. Foi o que me fez ceder.
É, de facto, pouco interessante este "Comboio Nocturno para Lisboa", do realizador dinamarquês Bille August, adaptação de um romance suíço de 2004 (Nachtzug nach Lissabon) de Pascal Mercier e apresentado como um "thriller filosófico". E apesar de Jeremey Irons, que é sempre fabuloso, de Bruno Ganz e de outros actores de renome, da personagem Gregorius  à procura da essência de si, das histórias que se entrecruzam ligando o passado e o presente e de tantas outros elementos e aspectos que poderiam contribuir para o engrandecer,  o filme sabe a pouco. Vê-se, mas não nos toca, porque lhe falta chama e profundidade, porque se arrasta um pouco e, por momentos, se torna até entediante.
E depois tem Lisboa. Gosto de ver Lisboa no cinema. É uma cidade linda, fotogénica, vaidosa e romântica. Vê-la assim, num filme estrangeiro, faz-me sentir de certo modo "em casa". Por reconhecer todos aqueles lugares, por onde passei tantas vezes, onde já vivi tanta coisa e que são, por isso, também um pouco meus.
Mas, até nisso este filme desilude, ao mostrar uma Lisboa feita dos lugares-comuns mais óbvios, quase como um bilhete postal para turista (o eléctrico 28, a Bica, o cacilheiro, o miradouro) e onde não faltam sequer uns acordes de fado.
Então lembrei-me de um outro filme, já antigo, de que gostei muito: La Ville Blanche, de Alain Tanner, um filme dos anos 80 e, curiosamente, também com Bruno Ganz . Foi já há muito tempo que o vi, não me lembro de muitos pormenores, mas lembro-me de ter gostado mais da Lisboa que vi nele retratada, com a sua luz inigualável, nostálgica do passado, parada no tempo, com uma alma dolorosa e sonhadora, cidade preguiçosamente deitada à beira-rio, melancólica e apaixonante.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Miragem


Há certos dias em que mesmo presenciando pelo lado de dentro a lenta agonia de um amor moribundo, ainda me iludo, pensando que me bastaria o calor antigo do teu abraço sem palavras, e sonhando o regresso de um tempo em que me sabias de cor e eu te lia as vontades no fundo dos olhos.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Memórias de Sevilha (III)



Não sei se é efeito ou influência do meu signo, mas sinto às vezes como um apelo que me faz querer sentar-me calada e quieta na margem do rio e deixar os meus olhos perder-se naquela imensidão líquida, numa visão turvada pela luz do sol, mais cálido ou mais intenso, que me aquece o corpo e ilumina a cidade, atenuando-lhe os contornos e espelhando-os difusamente na límpida claridade da água. 
Sevilha é também este sossego manso e cintilante das águas do rio  brilhando ao sol, diante do qual o tempo parece suspender-se. E sou capaz de ficar demoradamente assim, imóvel, sem pensar em nada, ou embalada por doces fantasias,  esquecida das horas, entregue a uma preguiça boa que me pacifica o espírito e me faz sentir em harmonia com o que me rodeia, observando, desatenta, o seu lento deslizar, numa languidez entorpecida e purificadora.
Apercebi-me há pouco do que têm em comum as cidades de que mais gosto, para lá das características próprias, que as tornam únicas: um rio, que pode chamar-se Tejo, Sena ou Guadalquivir e uma luz penetrante, que me enfeitiça e acalma.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Memórias de Sevilha (II)

É impossível relembrar Sevilha sem evocar o seu cheiro  característico, que perfuma ruas, praças e jardins, que se nos entranha no corpo e contagia a nossa memória olfactiva do aroma adocicado e inebriante das 31 306 laranjeiras que, em flor ou em fruto, embelezam a cidade,  tornando-a  ainda mais  cativante e sedutora.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Memórias de Sevilha (I)


http://www.youtube.com/watch?v=FYxSw143IM4

Um dos momentos mais bonitos e marcantes da minha última e recente passagem pela cidade hispalense foi, entre muitas outras coisas de que um dia falarei, ou não, que isto é tudo uma questão de vontades, o privilégio de poder assistir a uma aula de Pilar Ogalla que, além de muito bonita e simpática, é uma extraordinária bailaora de flamenco.
Foi assim que, durante cerca de meia hora ou quarenta e cinco minutos,  ali estive  num canto da pequena sala, sem espaço para receber quem não seja aluno ou professor, sentada aos pés do guitarrista, imóvel e silenciosa, deixando-me levar por aquela música que me toca no mais fundo da alma e deslumbrando-me com a coreografia de Guajiras con abanico, maravilhosa de sensualidade, graça e elegância nos movimentos do corpo, que ora se revela, ora se oculta, nas voltas do leque e ao ritmo da música. E, como se isto fosse pouco, a aula teve ainda outro encanto especial: acompanhada por música ao vivo, como de costume, lá estava pois o habitual guitarrista; mas, em vez de um cantor, era a própria Pilar que cantava, dançava e ensinava como fazer, misturando  charme e volúpia, sentimento e emoção, tudo ao mesmo tempo. Magia pura!...
Sem fotografias nem filmes, este é um daqueles momentos que fica registado apenas na memória, mas que vale a vida.
Sevilha é isto e muito mais. Sevilha é para mim muita coisa, uma paixão sem razão nem porquê, intensa e duradoura como são quase todas as minhas paixões e que, como é próprio das coisas do coração, não consegue explicar-se.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Poisson d'avril!



 
Apesar da minha conhecida antipatia por tudo o que seja  "Dia de..." com data marcada no calendário e rituais obrigatórios, confesso que acho uma certa graça a isto do primeiro de Abril ser "Dia das Mentiras".
Há variadíssimas explicações para a origem desta tradição que, aparentemente, surgiu em França, por volta de 1564, quando o rei Charles IX decidiu adoptar o calendário gregoriano, determinando que o ano passaria a iniciar-se em 1 de Janeiro, quando os dias começam a tornar-se mais longos e não entre 25 de Março e 1 de Abril, como até então, coincidindo com a chegada da Primavera. Desconhecendo esta imposição, ou não conseguindo adaptar-se-lhe com facilidade, muito gente manteve, no entanto, o costume dos festejos de Abril, o que foi motivo de ridicularização e instituiu o primeiro dia do mês de Abril como o "Dia dos tolos", que não aceitam a realidade ou preferem entendê-la à sua maneira.
A brincadeira ter-se-á depois estendido a muitos outros países, onde se criou o hábito de, neste dia, "abusar" da credulidade de amigos e conhecidos inventando "mentiras". Em França, com a particularidade acrescida e muito comum entre as crianças de se pendurarem, dissimuladamente, peixes de papel nas costas da pessoa que se quer enganar, exclamando Poisson d'avril quando se descobre a verdade. Diz-se que o Peixe seria um símbolo do fim do último signo zodiacal do Inverno, ou que era uma maneira de prolongar o período da Quaresma, durante a qual  se devia comer exclusivamente peixe, ou, ainda, que 1 de Abril era o dia que marcava a interdição da pesca no respeito pelo período de reprodução dos peixes e que, por isso, se ofereciam falsos exemplares aos pescadores. Enfim, verdade ou lenda, o facto é que esta tradição é tipicamente francesa, não fazendo grande sentido entre nós, que apenas adoptámos a parte da mentira.
Quanto a mim, não podendo dizer que nunca minto, porque toda a gente diz mentirinhas pequenas, daquelas inofensivas, posso pelo menos garantir que não sei mentir, não tenho o mínimo jeito, seja porque os meus olhos me traem, porque faço uma cara que se percebe logo que o que estou a dizer não é verdade, ou porque, a minha vertente "gaffista", acabaria, mais cedo ou mais tarde, por me desmascarar a mim própria. 
E depois há também o "reverso da medalha": se eu dissesse, por exemplo, que já entrei numa telenovela, que já estive a uns metros de Lady Di, ou que já joguei Trivial com um ex primeiro-ministro, ninguém ia acreditar. E, no entanto, é verdade...
Mas isso, são outras histórias!