segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Arrojo


É o meu lado mais passional e inquieto que se manifesta a cada novo desafio, no nervoso miudinho que toma conta de mim em cada mudança, no risco mais ou menos calculado que é prazer e ansiedade, temor e descoberta, expectativa e ilusão, que me faz atirar-me de cabeça, num impulso feito de vontades irreprimíveis e nem sempre sensatas, sem pensar muito no que vem a seguir. Mas não será assim, de sonho em sonho, devagar ou na vertigem do querer, que se vai dando sentido à vida?
Amanhã é o primeiro dia de um caminho diferente e (quase) inteiramente novo. E é como se tudo recomeçasse. Mas eu pressinto que vai ser bom. Vamos a isso!...

sábado, 29 de agosto de 2015

Bazófias


"Écrire c'est ébranler le sens du monde, y disposer une interrogation indirecte, à laquelle l'écrivain, par un dernier suspens s'abstient de répondre. La réponse c'est chacun de nous qui la donne, y apportant son histoire, son langage, sa liberté." 
                                                                         
                                                                                                                                   (Roland Barthes)

Hoje, há muito a ideia que qualquer um pode ser um grande escritor. E não falta por aí quem se considere como tal, apenas por ser capaz de alinhar meia dúzia de frases ou ideias mais ou menos engraçadas. A facilidade que a tecnologia trouxe à circulação da palavra escrita, propiciou  o aumento considerável do número de presunçosos que anunciam publicamente que "escrevem", querendo com isto dizer que há neles um potencial grande escritor, ansioso por revelar-se ao mundo e à espera da "sua" grande oportunidade. E não faltam os cursos de "escrita criativa", que ensinarão, presumo, a melhor maneira de chegar a um best seller.
Li, já não sei bem onde, que se publicam em Portugal mais de dez mil livros por ano. E pergunto-me quantos serão efectivamente lidos. De resto, é comum, actualmente, ouvir-se esta frase, que diz tudo: "Eu não leio muito. Eu gosto é de escrever." Como se uma coisa pudesse existir sem a outra.
Esquece - ou ignora -  essa gente que "gosta de escrever" que para o fazer (e bem, já agora!) há que ler muito. E que ler um bom autor, deixar-se enfeitiçar pelas palavras, pela sintaxe, pela  sonoridade e  ritmo próprios de cada texto, que é afinal o que nos toca e transforma, pode ser uma excelente forma de conhecer o mundo e de nos conhecermos, bem melhor que qualquer teoria, ou prática, de "escrita criativa".
É que gostar de escrever é uma coisa, saber escrever bem é outra totalmente diferente. E ser um escritor é outra ainda...

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Quand vient la fin de l'Été...


Há uma beleza meio nostálgica no fim do Verão, no sol já mais enfraquecido, no azul um pouco embaciado dos dias a querer virar cinzentos, e na brisa que subtilmente vai anunciando o Outono, todo feito de recato e recomeços.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Exultação


Ainda que possamos às vezes julgar que não, e que por insignificâncias nos desiludamos e deixemos a tristeza ou o desânimo tomar conta de nós, a vida é maravilhosa, porque o que há nela de bom é muito maior e melhor do que o que pode, aqui e ali, fazê-la parecer agreste ou sombria.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Muita parra, pouca uva


De modo geral, raramente perco um filme francês. Tinha por isso que ir ver "A família Bélier", muitíssimo publicitado, com Louane Emera como protagonista e canções de Michel Sardou, de quem não sou fã, de todo. 
Ainda assim, tinha muita curiosidade e expectativas elevadas, talvez por causa de tudo o que entretanto lera e ouvira sobre a actriz principal, de quem até já falei aqui.
E foi uma decepção. O filme conta uma história banal, a puxar ao melodrama e ao sentimentalismo, sustentados na incapacidade de falar e de ouvir de uma parte considerável das personagens. Com umas pinceladas de humor e de ternura, não deixa de ser uma imensa pieguice, onde não faltam todos os lugares-comuns próprios do género de filme feito para agradar a toda a família e apelar aos bons princípios.
Mas há depois Louane Emera, que é o filme todo. De facto, percebo agora melhor a atribuição do César da actriz revelação, e entendo perfeitamente o furor que tem feito em França. Porque para além de uma voz excepcional, tocante e cristalina, há nela a frescura e a simplicidade da menina-mulher, uma graça natural que cria empatia com quem a vê e ouve, e um talento que se adivinha poder ir muito mais longe.
Impossível ver a cena da audição, em que interpreta a canção Je vole acompanhada de linguagem gestual, sem nos comovermos e deixarmos levar pela graça genuína da sua imensa capacidade interpretativa. Temos artista, sim senhor!... 

Trovante, sempre outra vez


Sou da geração Trovante. Aquela que cresceu e viveu a ouvir, a cantar, a acreditar, a sonhar e a emocionar-se com as canções que nos marcaram tanto e nos embalaram os amores, os anos e as vidas.
O grupo acabou em 91, mas de vez em quando reúne-se de novo, para alegria e encantamento dos que, como eu, os querem sempre voltar a ver juntos, matar as saudades e partilhar momentos, afectos, sentimentos. 
É por isso que cada concerto é sempre uma festa. Igual e diferente de todas as anteriores. Foi o que aconteceu anteontem, uma vez  mais, em Cascais. A noite estava chuvosa e o concerto era ao ar livre. Julgo que a última vez que nos tínhamos encontrado fora em Outubro de 2011, na comemoração dos 35 anos do grupo. Mas, tal como acontece com os amigos verdadeiros, esses quase quatro anos não fizeram a menor diferença. A alegria foi a de sempre e ninguém esmoreceu. E foi a mesma magia das outras vezes: em silêncio, como no "Sorriso" e na "Esplanada", ou em euforia em tantos outros momentos, vozes ao alto, aos berros até, no coro de "Perdidamente" ou "Timor", aos pulos em "125 azul" ou "Caravelas", cúmplices em "Um caso mais" ou "Saudade" viajámos no tempo com a certeza de que continuamos ligados uns aos outros como antes, mas também com o acréscimo de tudo o que a maturidade nos deu de novo. 
Em conjunto, com as emoções à flor da pele, revisitámos os grandes êxitos que são já nossos e não apenas dos músicos: do "Baile no Bosque" em diante, ouvimos tudo o que queríamos ouvir, sem falhar nada.
Pode parecer saudosismo, mas não é disso que se trata; nem de querer voltar atrás. No fundo todos sabemos que o Trovante de há trinta anos, hoje, já não faria sentido. Agora trazemos connosco as marcas visíveis da passagem do tempo e a sabedoria e as cicatrizes que os anos nos deram. E continuamos a fazer um caminho que tem este património comum, como um tesouro que cada um de nós leva consigo, que guarda na memória e no coração, que mima e preserva à sua maneira. 
E depois, às vezes, juntamo-nos outra vez para celebrar isto que nos une. E é tão bom!... Porque é uma nostalgia boa que toma conta de nós e que nos traz de volta o que há de mais íntimo e enternecedor na lembrança de todos estes anos. E que nos ampara e embala a vida.


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Cidades


As cidades, como as pessoas, revelam-se-nos aos poucos, em cada passo, a cada gesto, ou em formas muito próprias de respirar, sentir e viver. Umas e outras apaixonam-me na sua maravilhosa complexidade, que é proximidade e distância, enlevo, mistério, desconcerto e assombro.
E deixo-me seduzir, num mágico apego que cresce devagar, e que me enche a alma, como o conforto de um colo grande e bom, onde gosto de me perder e de me encontrar.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Regresso(s)


Há um prazer especial em voltar aos mesmos lugares, revisitá-los na exaltação  do que já se conhece e pode ainda ser novidade e deslumbramento, tal e qual como quem ouve repetidamente a mesma canção e lhe encontra sempre um novo encanto.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Talento e simplicidade


Louane Emera é o nome artistico de Anne Peichert, a estrela do momento. Com apenas dezoito anos, esta jovem francesa nascida no norte do país  - em Hénin-Beaumont, Pas de Calais,  - recebeu a 20 de Fevereiro, na quadragésima  edição do prémio máximo do cinema francês, o César da Actriz Revelação, pelo seu papel em La Famille Bélier.
Mas foi a participação no programa The Voice, em 2013, que lhe mudou vida. Depois disso, lançou um álbum, Chambre 12, em Março deste ano, que já vendeu  400 mil exemplares.
Cantar foi sempre a sua paixão. Com doze anos participara num outro concurso de talentos  - L'école des stars -, com uma impressionante interpretação de ne me quitte pas, sobretudo tendo em conta a idade que tinha então.
O cinema, ao contrário, surgiu quase por acaso, através de um convite do realizador Éric Lartigau que, impressionado com a sua voz, a quis para protagonista do filme, ainda que fosse totalmente inexperiente em representação. Parece que foi uma boa aposta. Ainda não vi o filme, mas estou muito curiosa, até porque todos os comentários a dão como uma promessa do cinema e da canção.
E, no entanto, a vida de Louane Emera não deverá ter sido sempre fácil. É a quinta de seis irmãos que têm entre trinta e dezasseis anos, e que já não têm pai nem mãe. O pai morreu primeiro, em 2013, e a mãe cerca de um ano depois, em 2014,  após longa doença. Curiosamente, a mãe de Louane era portuguesa. Por isso diz: Parfois j'en ai marre. Et quand ça ne va vraiment pas je vais au Portugal. J'ai de la famille là-bas.
Do que tenho lido e ouvido,  a autenticidade de Louane, para além de uma voz de excepção, límpida e arrebatadora, é o que há nela de mais tocante. Je suis une fille comme les autres, disse numa entrevista. Ou: "a minha vida é que mudou. Eu continuo a ser a mesma".
Há em Louane Emera qualquer coisa que me lembra a Sara Tavares: têm ambas o mesmo tipo de começo e histórias pessoais complicadas, o que explica talvez uma certa candura e serenidade diante da vida, e um modo lúcido e humilde de ser, apesar do reconhecimento público.
Vamos ver como evolui...


domingo, 16 de agosto de 2015

L'amour, toujours l'amour...


Cet amour
Si violent
Si fragile
Si tendre
Si désespéré
Cet amour
Beau comme le jour
Et mauvais comme le temps
Quand le temps est mauvais
Cet amour si vrai
Cet amour si beau
Si heureux
Si joyeux
Et si dérisoire
Tremblant de peur comme un enfant dans le noir
Et si sûr de lui
Comme un homme tranquille au milieu de la nuit
Cet amour qui faisait peur aux autres
Qui les faisait parler
Qui les faisait blêmir
Cet amour guetté
Parce que nous le guettions
Traqué blessé piétiné achevé nié oublié
Parce que nous l’avons traqué blessé piétiné achevé nié oublié
Cet amour tout entier
Si vivant encore
Et tout ensoleillé
C’est le tien
C’est le mien
Celui qui a été
Cette chose toujours nouvelle
Et qui n’a pas changé
Aussi vrai qu’une plante
Aussi tremblante qu’un oiseau
Aussi chaude aussi vivant que l’été
Nous pouvons tous les deux
Aller et revenir
Nous pouvons oublier
Et puis nous rendormir
Nous réveiller souffrir vieillir
Nous endormir encore
Rêver à la mort,
Nous éveiller sourire et rire
Et rajeunir
Notre amour reste là
Têtu comme une bourrique
Vivant comme le désir
Cruel comme la mémoire
Bête comme les regrets
Tendre comme le souvenir
Froid comme le marbre
Beau comme le jour
Fragile comme un enfant
Il nous regarde en souriant
Et il nous parle sans rien dire
Et moi je l’écoute en tremblant
Et je crie
Je crie pour toi
Je crie pour moi
Je te supplie
Pour toi pour moi et pour tous ceux qui s’aiment
Et qui se sont aimés
Oui je lui crie
Pour toi pour moi et pour tous les autres
Que je ne connais pas
Reste là
Lá où tu es
Lá où tu étais autrefois
Reste là
Ne bouge pas
Ne t’en va pas
Nous qui nous sommes aimés
Nous t’avons oublié
Toi ne nous oublie pas
Nous n’avions que toi sur la terre
Ne nous laisse pas devenir froids
Beaucoup plus loin toujours
Et n’importe où
Donne-nous signe de vie
Beaucoup plus tard au coin d’un bois
Dans la forêt de la mémoire
Surgis soudain
Tends-nous la main
Et sauve-nous.

                              Jacques Prévert

sábado, 15 de agosto de 2015

Sem "vocação para o martírio"


Ainda ontem, depois de um animado jantar de amigos, pensava nesta coisa dos afectos, que têm na minha vida um lugar central, como provavelmente acontecerá com quase todas as pessoas. 
Tenho um coração enorme, mas quem lá está ocupa um espaço muito grande e, por isso, não cabe toda a gente.
Há os que vêm para ficar, de quem eu gosto desmedidamente, e por quem sou capaz de tudo. São os que me ajudam a viver melhor, aqueles que me enchem a vida com mimos e cuidados e que, na sua singularidade toda especial, me fazem sentir feliz, me fazem falta, com quem gosto de estar e de falar,  -  apesar das minhas manias de liberdades e independências, de que a minha mãe  tanto me "acusava"  - e a quem quero sempre muito bem.
E depois, às vezes, também me engano, acredito em quem não devo, deixo-me levar pelo que parece mais do que pelo que é. Mas quando isso acontece, e passada a desilusão momentânea, o caminho segue igual. Porque no meu coração e na minha vida só está quem tem que estar. E quem o merece. É que, parafraseando uma amiga minha, também eu "não tenho vocação para o martírio..."

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Constância


Às vezes é também  preciso contrariar os ímpetos mais imediatos, sentar-se calmamente, saber esperar. É um exercício que exige alguma paciência. Mas essa é, sem dúvida, uma minha virtudes...

(Fotografia de Maria Cristina Guerra)

Sem palavras


Há dias e noites assim, em que os sentimentos não chegam às palavras. Nessas alturas sobra a música. Hoje, é esta...

Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos
quiero ver a que sabe tu olvido
sin poner en mis ojos tus manos

Esta noche no voy a rogarte
esta noche te vas de a de veras
que difícil tratar de olvidarte
sin sentir que tú ya no me quieras

Nada me han enseñado los años
siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores

Tómate esta botella conmigo
en el último trago me besas
esperemos que no haya testigos
por si acaso te diera vergüenza

Si algún día sin querer tropezamos
no te agaches ni me hables de frente 
simplemente la mano nos damos 
y después que murmure la gente

Nada me han enseñado los años
Siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores

Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O que vale a pena


Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O tempo não passa pela amizade. Mas amizade passa pelo tempo. É preciso segurá-la enquanto ela há.


                                                                   (Miguel Esteves Cardoso)

Há nas amizades verdadeiras uma aura de mistério, qualquer coisa de incompreensível e de inexplicável que faz delas uma espécie de benção, que nos enche a  alma e  a vida, e nos conforta o coração em dias sombrios, ou quando tudo parece virar-se do avesso e o mundo começa a girar ao contrário.
Vivem-se em total liberdade, mas tratam-se com cuidado e carinho. Têm por base a confiança inabalável, os sentimentos genuínos e a grandiosidade do afecto e, por isso, devagar se fazem também cumplicidade e partilha, na magia que faz os amigos de há pouco poder parecer que são já de há muito, e na certeza de saber que para lá dos silêncios e dos gestos alguma coisa nos liga, um laço invisível que se nos ata ao coração e que se acredita poder perdurar para além de tudo. Mas todas as pessoas, mesmo as que mais amamos ou admiramos, podem um dia desiludir-nos e magoar-nos.
Perguntamo-nos, então, quanto vale uma amizade. Por que será, afinal, que nos zangamos tanto, às vezes, por coisas maiores ou mais pequenas, até com quem nos quer bem? E quantas pessoas, das que nos são queridas, não foram já ficando pelo caminho, porque a determinada altura nos afastámos sem uma razão óbvia, ou sem conseguirmos encontrar um motivo suficientemente forte, e válido, que o pudesse explicar. Fomos deixando de nos falar e pronto. Por um  amuo, um mal-entendido qualquer, que depressa dá lugar ao ressentimento, tantas vezes motivado por uma insignificância.
Já todos passámos por isto. Cada um de nós tem "o seu feitio" e eu não sou excepção, mas sou incapaz de prolongar uma zanga com as pessoas de quem gosto e que me importam. Essa é mesmo uma das minhas maiores debilidades. Sobra um incómodo, que me sufoca, e quero logo fazer as pazes. Tendo ou não razão. Se uma pessoa me ofende, prefiro dizer-lho, ainda que isso implique discutir o assunto de forma mais ou menos acalorada. É que, apesar de difícil,  tentar pôr-se no lugar do outro e percebê-lo pode ser interessante. Importante, também. E pode valer a amizade. Afinal há tanta coisa que uma boa conversa, olhos nos olhos, permite esclarecer... Mas o que fazer quando até isso nos é negado?
Enfim, a vida é demasiado curta e, no fundo, o mais importante é saber guardar os amigos verdadeiros coladinhos ao coração e levá-los connosco vida fora, para lá de todas as mágoas, de todos os silêncios e indiferenças, de todas as histórias reais, imaginadas, ou forjadas por quem nos quer mal.
E acreditar que o tempo traz sempre consigo a verdade de todas as coisas. E que ter quem acredite em nós faz a vida valer a pena...

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O insuportável mês de Agosto


Ultimamente tenho gostado das crónicas da Catarina Carvalho, ao Domingo, na Notícias Magazine. A de ontem tem a ver com um tema que me diz muito: como pode ser horroroso o mês de Agosto. Apesar de não viver esta experiência de ir de férias para o sul, como (quase) toda a gente, partilho a visão tenebrosa que o texto descreve. E continuo a preferir a(s) cidade(s).
Alguns excertos, que subscrevo:
Como se ainda não houvesse inferno suficiente para quem tenta encontrar o paraíso numas férias em Agosto, eis que chegam as festas ao fim da tarde nos bares de praia. As sunset party. Dantes havia pores do Sol, e todos os dias. E os bares de praia serviam para comprar gelados aos miúdos antes do caminho para casa. Agora há sunsets. Chama-se assim, num inglês tão parolo como aquilo que descrevem. E os bares de praia, a partir das seis da tarde transformam-se em deslocadas discotecas de pés na areia. (...) hoje em dia um sunset não é a melhor hora do dia para estar na praia. É a melhor hora para sair da praia e começar a beber uns copos - que, julgo, se prolonguem noite fora. Os DJ saltam para as mesas de mistura e dão à grafonola insuportável. Podia perguntar: mas quem é que prefere música de martelinhos a ver um pôr do sol apenas ao som do mar? Suspeito que a resposta não fosse a que eu esperaria, tendo em conta a quantidade de pessoas nas espreguiçadeiras ao lado que vi a abanarem a cabeça, ou, até, as ancas, em poses que julgo elas considerarem ser modernas (...)
Resta-me, portanto, continuar a chamar pôr do Sol ao pôr do Sol. E encontrar um lugar onde possa apreciá-lo na areia, sem músicas. Num desses muitos lugares que ainda há em Portugal, que não o usam apenas como razão para uma festa. Mas fazem dele o que ele é: um autêntico espectáculo.
É um pouco por tudo isto  que prefiro a praia quando posso tê-la mais vazia e silenciosa e que, com o calor excessivo que se faz sentir, e enquanto não chegam os dias de passeio e de arejamento que se avizinham, escolho o melhor oásis de frescura e tranquilidade que posso encontrar neste momento: a minha casa.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

domingo, 9 de agosto de 2015

Comédia de Verão


A preferência de uma das minhas amigas por este género de filme - comédia - levou-nos ontem a ir ver "Descarrilada", (Trainwreck, no original) mesmo sem saber quem é Judd Apatow, o realizador, e sem nunca antes ter ouvido falar de Amy Schumer, a protagonista, que escreve também o argumento e que parece ser já uma celebridade em termos de stand up (que eu detesto) e de televisão.
Desta vez, porém, já tinha lido algumas críticas, muito favoráveis, na generalidade. No DN, por exemplo, Rui Pedro Tendinha diz isto:
E graças ao todo-o-poderoso padrinho da nova comédia americana, Judd Apatow, o cinema americano ganhou uma nova estrela. Não é sensual, não tem o acting padronizado mas é a notícia mais refrescante do humor de Hollywood. Chama-se Amy Schumer, já brilhava na televisão americana (...) e agora escreveu e protagonizou aquela que pode vir a ser a melhor comédia do ano.
Eu não diria tanto. Amy Schumer faz o filme e cumpre muito bem  o seu papel, num registo entre o divertido e o malicioso, sem cair na vulgaridade, mas a história é mais ou menos a mesma da maior parte das comédias românticas e por isso não sei se esta é, como li já não sei bem onde, uma comédia como não se via há muito. Para mim, não passa de um filme mediano, ideal para ver numa noite quente de Verão. E esquecer logo a seguir.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Caetano


Brasileiro, baiano, cantor, intérprete, poeta, revolucionou a música e, com a sua voz única, trouxe mais mundo e mais encanto à nossa vida. Por isso nem precisa de apelido. É Caetano, apenas, e só o nome próprio o identifica como um dos maiores de sempre.
Ninguém diria que faz hoje 73 anos. Há pessoas, realmente, por quem parece que os anos não passam. Mas, para o homenagear, nada melhor que ouvi-lo.



quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Insólitos do quotidiano


Tenho, de há muito, a convicção de que devo ser parecida com toda a gente. De facto, nos mais diversos lugares e circunstâncias, é habitual dizerem-me ter ideia que me "conhecem de algum lado". Mas o que se passou ontem ao fim de tarde,  num típico eléctrico lisboeta, - bem menos turístico que o  28 -, assumiu contornos de verdadeira caricatura. 
A meio de um percurso entre Santos e Campo de Ourique, quando me sentei num lugar à janela, deliciada com a perspectiva de admirar Lisboa ao sabor da ronceirice do eléctrico e da brisa da tarde, uma senhora sentada no banco atrás do meu, que eu já reparara me olhava insistentemente, tocou-me no ombro e perguntou-me com delicadeza, pedindo desculpa por me interpelar daquela maneira repentina, se eu não era do Mar Salgado
Respondi que não, sorrindo meio divertida, mas ela não se convenceu. E insistiu: sim, é aquela que trabalha no mercado do peixe, disse, talvez para me relembrar o meu papel. Voltei a dizer-lhe  que não era quem ela julgava, nem sabia bem de quem falava, pois não acompanhava a novela. Um pouco desiludida, mas ainda desconfiada, ousou numa última tentativa: é que é tão parecida... E repetiu esta frase várias vezes.
Por pouco não me vi forçada a tirar uma fotografia para publicar no facebook, ou sabe Deus onde, ou a ter que dar um autógrafo. O problema é que não saberia que nome assinar. E continuo sem saber com quem me confundia.
E ainda há quem ache que andar nos transportes públicos não é uma interessante experiência do quotidiano... 


(Fotografia de Maria Cristina Guerra)

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Des petits riens


Mesmo quem se julga mais ou menos forte e positivo e tem pudor das suas fragilidades pode às vezes, por qualquer coisa de nada, abater-se e soçobrar. Por que não há-de então chorar desalmadamente, sem culpa nem justificação, até pelo que parece não ser assim tão importante?
Mas depois há também a felicidade de um sorriso ou de um abraço, uma palavra ou um gesto, que podem mudar tudo. Ou apenas o luxo de preencher os dias com o que se quiser, de deixar que as horas passem vagarosas, de encostar-se calado  e quieto numa varanda qualquer  diante do rio ou do mar, demorar o olhar  naquela imensidão cintilante e deixar-se levar no encanto de um prazer antigo e sempre renovado, enchendo os olhos de luz e de azul. E sentir então que tudo volta ao seu lugar. E ser feliz com coisas banais, na certeza de que a vida é boa e bonita e, no fundo,  muito menos sinuosa do que costumamos acreditar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O esforço e o dom


Encontrei o texto por acaso nas redes sociais. Tem um título que pode à partida parecer um pouco impiedoso, quase cruel: "Meu filho, você não merece nada". Foi escrito por Eliane Brum, uma brasileira, jornalista e escritora, que colabora também no El País. E dá que pensar. 
Apesar de só agora ter tido dele conhecimento, foi escrito em 2011. No entanto, nem por isso perdeu actualidade e constitui um interessante e muito realista retrato das novas gerações e do modo como são educadas, isto é: mais ou menos preparadas  do ponto de vista das habilidades e das tecnologias, mas incapazes de lidar com a frustração, o risco, o esforço e a ideia de "criar a partir da dor", a inércia cada vez maior em "fazer-se à vida", uma visão do mundo baseada no princípio de que têm todos os direitos e nenhuns deveres, o que explica, entre muitas outras coisas, o drama que são hoje os "trabalhos de casa", por exemplo, a proliferação de "centros de explicações" e todas as consequências nefastas que daí advêm, a permanência na casa dos pais até perto dos trinta ou para além disso, a emigração vista como uma fatalidade, a má educação e a falta de civismo crescentes, que quem como eu  lida com tudo isto diariamente tão bem conhece.
Aqui ficam apenas alguns excertos. Para quem quiser ler o texto inteiro, também pode fazê-lo aqui:

"Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. (...) Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos - bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
(...)
Tenho-me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas, onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece - porque obviamente não acontece - sentem-se traídos, revoltam-se com a "injustiça" e boa parte (...) desiste.
(...) foram crianças e jovens que ganharam tudo sem ter de lutar por quase nada de relevante, que desconhecem que a vida é construção. (...)
A nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam "felizes". Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos (...) sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinónimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites  da sua condição humana tanto como com os das suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está está no dom, naquilo que já nasce pronto. (...) Ter de dar duro para conquistar alguma coisa parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. (...)
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia, uma espécie de traição ao futuro que devia estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez esteja aí uma pista para compreender a geração do "eu mereço".
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto  e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais lhes tinham prometido. (...) possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer. (...)
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem - e aos pais caberia garantir esse direito - que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade - e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar - e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele. (...)
Assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem (...) se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza  de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem  que tão importante como uma boa escola, um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: "Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua". (...)
Crescer é compreender que o facto de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado, porque um dia ela acaba.

domingo, 2 de agosto de 2015

Masculino Singular


Há aquela velha máxima do senso comum, segundo a qual "os homens são todos iguais" e, associada a ela, a ideia de que o género masculino é normalmente mais básico e linear e o feminino, pelo contrário, muito mais complexo, misterioso e refinado.
É daqui, de resto, que terá surgido o dito jocoso de que um homem faz só uma coisa de cada vez e uma mulher consegue fazer muitas ao mesmo tempo. Descontadas as piadas e o carácter simplista e mais ou menos abusivo que têm todas as generalizações, não consigo concordar com nada disto. Tal como as mulheres, os homens são na verdade todos diferentes, numa tão vasta diversidade que dá para todos os gostos; e ainda bem!...
É talvez por isso que não percebo as mulheres que julgam conhecer perfeitamente o género feminino apenas por pertencer-lhe e tendem a ver nas outras mulheres alguém que obedece a um padrão comum, regra geral feito à sua própria semelhança e, por isso, aqui e ali, entendido com a rivalidade de um alvo a abater.
Do mesmo modo, para lá do estereótipo, também muitos homens são capazes de ser verdadeiramente complicados, de uma enorme fragilidade emocional, e com opções e caminhos, gostos e atitudes, gestos e palavras que nos fazem tantas vezes pensar: "vá lá a gente entender isto..."
E, no entanto, não podemos passar sem eles. E é justamente essa complexa dissemelhança, que faz de cada homem, como de cada pessoa, um ser absolutamente único e diferente de todos os outros, o que torna tudo muito mais difícil, mas também mais aliciante e que, a cada volta da vida, nos surpreende, confunde, desconcerta e apaixona.

Um dia, vivi a ilusão
De que ser homem bastaria
Que o mundo masculino
Tudo me daria
Do que eu quisesse ter

Que nada
Minha porção mulher
Que até então se resguardara
É a porção melhor
Que trago em mim agora
É que me faz viver

Quem dera
Pudesse todo homem compreender
Oh Mãe, quem dera
Ser no verão o apogeu da primavera
E só por ela ser

Quem sabe
O Super Homem
Venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus
O curso da história
Por causa da mulher