domingo, 31 de dezembro de 2017

Ano Novo


Esta é a altura dos balanços e dos bons propósitos, dos desejos desmedidos e das intenções insensatas, de projectos e resoluções que se sabe que nunca serão cumpridos.
Não sou dada a grandes comemorações no final do ano. O primeiro dia de um novo ano não é para mim mais do que um novo dia, como cada um dos outros dias do ano. Sempre me irritaram um pouco as alegrias obrigatórias, aqueles dias em que todos se sentem mais ou menos forçados a mostrar-se contentes, a rir, saltar, comer, beber e dançar exageradamente, mesmo que a alegria seja de plástico e o brilho da festa sirva para mascarar o que não se quer enfrentar.
Gosto de deixar a minha felicidade e a minha euforia para os dias e momentos em que, por  motivos meus e não de toda a gente, ou até sem razão aparente, ou por qualquer situação repentina, sinta que tenho alguma coisa para celebrar.
Agrada-me, no entanto, a ideia de ter mais 365 dias inteirinhos, com 8760 horas  e mais minutos, com aquela carga de desconhecido que simultaneamente atrai e assusta, como tudo o que desejamos sem ter bem a certeza de  como é. Mas preciso de pouco: ter saúde - que é sempre o principal; e é imenso! - ter junto de mim os que amo e me são essenciais, conseguir ir fazendo de cada dia uma festa como a da passagem do ano, mas vivida pelo lado de dentro. 
E continuar a acreditar que o amor é o que mais importa e o que faz a vida valer a pena, nas suas milhentas formas, facetas e manifestações.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O típico filme da época


Cheio de amor e bons sentimentos, este é o filme típico da época natalícia, a puxar ao sentimento e  à lágrima furtiva, fazendo-nos alternar entre a emoção, o sorriso enternecido e a risada cúmplice. 
Impossível, no entanto, não se deixar tocar pela história de Auggie Pullman, pela sua luta face à discriminação de que é vítima, apenas por ter uma aparência diferente dos demais. Para isso muito contribui a interpretação de Jacob  Tremblay que já em Room (2015) provara que o talento não depende da idade, e também de Julia Roberts, Owen Wilson, e Izabella Vidovic nos papéis do núcleo familiar mais próximo (pais e irmã), e até da aparição pontual de Sónia Braga, no papel de avó materna. Um dos maiores interesses do filme reside no facto de nos ir dando diferentes pontos de vista, colocando a narrativa sob a perspectiva de algumas das principais personagens. Há uma grande sensibilidade na forma de contar uma história que facilmente poderia descambar para a caricatura, o dramatismo excessivo, ou o sentimentalismo piegas.
Wonder, traduzido como "encantador" e "extraordinário" no português de Portugal e do Brasil, respectivamente, acaba por ser um pouco isso mesmo: um filme de afectos, para ver em família, durante as férias de Natal.

domingo, 24 de dezembro de 2017

(in)fidelidade


No creo que haya nada malo en desear a otras personas. Nos han enseñado que si se quiere a alguien no puede apetecerte estar en una cama con nadie más. (...) Como teoria irrefutable nos la inculcan, pero yo aseguro que es falsa.(...)
A mi siempre me han atraído más la mujeres infieles, es la verdad. Mejor dicho, las que se atreven a serlo cuando lo desean. Las que nunca lo han deseado, no se lo han planteado o no lo han imaginado me interesan menos. No digo que sean peores - ni por supuesto mejores, como muchas veces se cree -, simplemente a mi las mujeres que no dudan me provocan cierta indiferencia. Cada uno tiene su moral, pero detesto los dogmas. He visto mujeres fieles que no suportaban a su marido y hombres que humillaban a su mujer sin plantearse marcharse con otras. Hay gente que considera que estar vivo es respirar; yo creo que estar vivo es desear.
                                                             
                       (Juan del Val)

sábado, 23 de dezembro de 2017

Um bom realizador é outra coisa


Eu não gosto de Kate Winslet. Mas até ela, dirigida por Woody Allen, faz boa figura; e convence. Gosto dos filmes de Woody Allen e raramente perco um. Acho uns melhores que outros, como toda a gente, mas nem que seja pela música e pela fotografia penso que vale sempre a pena vê-los. Porque são histórias bem contadas e isso é fundamental. Porque são divertidos e inteligentes sem precisar de muitos "efeitos especiais", ou barulho, ou violência gratuita, ou todas essas coisas de que o cinema está hoje cheio até à exaustão.
"Roda gigante" (Wonder Wheel) tem tudo o que faz de um filme de Woody Allen um filme de autor no sentido mais rigoroso do termo´: há as personagens emocionalmente desequilibradas, as relações caóticas e as famílias disfuncionais e há qualquer coisa de psicanalítico na forma como através delas a história nos é apresentada. E depois, todo este melodrama tem ironicamente como pano de fundo as cores quentes e a luz intensa do parque de diversões de Coney Island nos anos 50; e só a fotografia de Vittorio Storaro já seria razão mais que suficiente para ver o filme.
É talvez a humanidade de grande parte das suas personagens e o facto de ser um bom contador de histórias o que mais me deslumbra neste realizador. O resto não sei explicar: nem é preciso.
Sei que sou um pouco suspeita. Mas gostei...

domingo, 17 de dezembro de 2017

A Casa Torta


Havendo um filme de Woody Allen em cartaz, essa seria a minha escolha mais imediata. Mas, enfim, às vezes também é preciso ceder à vontade de quem nos acompanha e, por isso, calhou-me em sorte desta vez um ambiente totalmente inglês, num adaptação de Agatha Christie, The Crooked House ("A Casa Torta", em português), que sendo um policial, tinha, naturalmente, todos os ingredientes do género, com vários suspeitos possíveis e um final mais ou menos surpreendente. E tinha, também, Glenn Close, que continua a fazer qualquer filme valer a pena. Não é um mau filme, mas também não é empolgante, nem deixa marca.
E o Woody Allen não me escapa...

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Parece mentira


Trouxe de Sevilha, como sempre faço quando vou a Espanha ou a França, um livro que estou a gostar muito de ler. Não conhecia o autor, mas tinha visto uma entrevista com ele na televisão e ficara curiosa em relação ao livro.
Juan de Val é um jornalista, guionista, apresentador e produtor. Parece Mentira é uma história mais banal do que extraordinária, escrita em linguagem simples e despretensiosa, sem nunca cair na vulgaridade. E Cláudio, sobretudo, o protagonista, consegue "engancharnos" com o seu relato, contado na primeira pessoa, que poderia ser a vida de qualquer pessoa comum, cheia de episódios curiosos, divertidos, emocionantes, picantes, dramáticos, até. Cláudio tem defeitos e qualidades, fragilidades e medos, arrojo e valentia. Por isso se nos torna tão encantador, ainda que à vezes também nos irrite, ou possa parecer egoísta e quase cruel. Como todos nós...
Aqui fica um pequeno excerto:

(...) me gustan los defectos. La carne suelta, la piel sin una tersura total, los culos no demasiado duros. Debe de ser que me voy haciendo mayor y es una suerte que los gustos vayan evolucionando según las posibilidades. No es que ya no pueda estar con mujeres de cuerpos espléndidos, mucho más jóvenes que yo, que a veces algunas todavía se muestran dispuestas, sino que mi forma de mirar ya no es la misma. Hay mujeres que se cuidan para gustarse y mujeres que quieren estar buenas para competir con otras mujeres. Siempre huyo de estas últimas. Las mujeres más libres son las que se aceptan desnudas frente al espejo.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Passar ao lado do espírito natalício


Por mais estranho que possa parecer, o Natal e tudo o que a ele está associado, toca-me cada vez menos. Talvez porque o que na sua essência era apenas uma lição de amor, de paz e de alegria, simples, poética e misteriosa como são as coisas mais importantes da vida se foi cada vez mais transformando num ritual absurdo e cansativo, de presentes, obrigações sociais e felicidades postiças.
É talvez por isso que nesta altura me apetecia fugir daqui para um sítio onde não houvesse Natal e voltar depois de ter passado tudo.
Cansa-me o caos do trânsito e as lojas a abarrotar de gente e de embrulhos, os brilhos e as luzes, as músicas e os votos de circunstância, a solidariedade apressada que se esquece no resto do ano, e o falso sentido de família, que na maior parte dos casos não faz sentido algum.
Lembro-me do tempo em que as Boas Festas não eram uma mensagem tipo, enviada igual para toda a gente (os "contactos"), sem qualquer selecção ou critério, na rapidez de um clic, mas personalizadas em belos postais escritos à mão. Do tempo em que o centro da festa era a magia da celebração de um Menino que nascia para nos salvar, e o presépio tinha musgo verdadeiro e se alongava por todo o móvel da sala de jantar. Hoje, mudou tudo, a família reduziu-se e os festejos adaptaram-se aos novos tempos.
Eu não preciso de festejos de calendário para querer bem às pessoas que me são especiais, para lhes telefonar, escrever, ou mandar mensagens, para as apertar nos braços e dizer como gosto delas e como são importantes para mim.
Neste tempo de tristezas e alegrias várias (lembro, por exemplo, a partida prematura do Pedro Rolo Duarte, que me marcou tanto, e a felicidade de saber que está tudo a correr bem com o novo coração do Salvador Sobral), de preocupação e liberdade (a minha mãe sempre no centro dos meus cuidados e o desejo de parar e descansar por uns dias, sem horários nem obrigações nenhumas) eu só quero que o Natal passe depressa e que os dias voltem a ser "normais" outra vez.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Pedro Rolo Duarte - os grandes nunca morrem


Nunca fomos exactamente aquilo a que se pode chamar amigos. E, no entanto, o Pedro esteve na minha vida quase desde sempre. Porque há pessoas que mesmo não fazendo parte do nosso círculo restrito nos marcam de uma forma que nem imaginam. Há pessoas de quem gostamos ainda antes de as conhecer, ou de quem nos sentimos às vezes bem mais perto do que daqueles a quem nos ligam laços de sangue ou outras proximidades. 
O Pedro é da minha geração. Partilhamos amigos (a Helena Sacadura Cabral e o Luís Represas, por exemplo) e gostos musicais, o amor por Lisboa e a paixão das palavras. Conheci-o quando comecei a ler as suas críticas musicais no Se7e, devíamos andar pelos finais dos anos 70, ou inícios de 80.  Pouco tempo depois, convidou-me, sem me conhecer, para ir à rádio falar do Futuro. E fui recebida como só se recebem os velhos amigos. Era o tempo de todos os sonhos e ilusões, quando a vida nos parecia poder durar para sempre. Era o tempo do Só com Gelo,  - para mim um dos melhores programas de rádio -, muito antes do Hotel Babilónia e já  com o João Gobern, o amigo da vida toda. No ano passado, em Maio de 2016, foi a minha vez de retribuir esse convite, ainda que tivessem passado cerca de trinta anos; e o Pedro veio ao Liceu Pedro Nunes com a generosidade e a simplicidade que o caracterizavam, falar do jornalismo e da sua vida. Quem o ouviu gostou muito e até se comentou que "assim vale a pena". O Pedro agradeceu-me por me ter lembrado dele e por gostar do contacto com as novas gerações. Entre estes dois encontros, fomo-nos cruzando mil vezes, em concertos e eventos, ou simplesmente nas voltas pela nossa cidade.
Desde esse primeiro encontro em 1985 ou 86, nunca mais o perdi de vista. Acompanhei o percurso diversificado pelos jornais, pela rádio, pela televisão, pelas revistas e suplementos de que foi editor - o inesquecível DNA, que tinha a sua fortíssima impressão digital de qual falava hoje o João no Expresso -  e mais recentemente o blogue no Sapo, onde, no dia 5 de Novembro, escreveu o último texto.
Sempre gostei de o ler e de o ouvir, mesmo quando não concordava com o que dizia. Porque o Pedro era um comunicador nato. Porque sabia juntar as palavras certas, que nos faziam pensar "É isto mesmo!" Porque era inteligente e profundamente sensível, porque era acima de tudo um criativo, cheio de ideias novas, a quem me parece que este  país, pobre de espírito e mesquinho, nunca soube dar o devido valor.
É por tudo isto que não exagero se digo que hoje me morreu um amigo. Eu sabia que o Pedro estava doente. E pelos amigos comuns ia perguntando e sabendo como estava. Mas a notícia de hoje deixou-me em estado de choque, numa tristeza para a qual todas as palavras parecem poucochinho. Porque o seu desaparecimento precoce me toca muito fundo; porque sei que me vai fazer muita falta; porque nunca estamos preparados para a morte dos que nos são queridos.
É nestas alturas que surge, inevitável,  a pergunta "porquê?"; e que  a vida nos parece injusta, feia e malvada... Há na letra de 125 Azul, de que o Pedro gostava tanto como eu, aquela frase que diz: "Mas Deus leva os que ama/só Deus tem os que mais ama"... Provavelmente, será isso. Provavelmente, o Pedro estará agora junto Dele, a ajudá-lo a, contrariando o provérbio, "escrever direito com palavras direitas". Logo ele, que até era de esquerda, mas mantinha sempre o espírito crítico aguçado, como fazem os sábios.
Por mim, nunca vou poder esquecer o seu sorriso aberto e o seu olhar triste, não vou poder esquecer a voz grave e pausada, que me fazia parar sempre que a ouvia. Nem vou esquecer, nunca, as palavras que me tocavam tanto.
Aqui ficam algumas, naquela que é a homenagem possível, a única que sou capaz de fazer neste momento. Estas de 15 de Setembro deste ano, por exemplo:

Aos poucos, recupero os espaços que me são familiares, que me dizem respeito, e que tenho como "meus", mesmo quando sei que tudo deixa de ser pessoal quando partilhamos com terceiros.
Este blog andou meio abandonado nos últimos meses. E não merecia. Foi o psicoterapeuta, o amigo, o muro de lamentações. Às vezes apenas um sinal de vida. Devo-lhe essa fidelidade canina. Nessa medida, também "sofreu" com os momentos em que não tive (e às vezes não tenho) cabeça, espírito, vontade, energia para o alimentar. É como um espelho.
Comemora este ano, em Novembro, o décimo aniversário, e tenho-lhe respeito como se fosse algo exterior e superior a mim - sabendo que não é. Na caótica relação que mantemos, ambos sabemos quem manda. Não há greves, nem reclamações, nem sindicatos. Há compreensão, amizade e lealdade.
Por isso. merece que lhe dedique a atenção que os últimos meses não permitiram. Aos poucos, vou voltando aos meus diversos quartos, salas de estar, varandas.
Vivia triste se não tivesse uma varanda.
Estou de volta à varanda. 

Ou estas de 18 de Outubro de 1997, no DNA:

É muito triste, mas é verdade: cada minuto da nossa vida é avaliado pelo que nos sucede, pelo que vivemos ,e não pelo conjunto de acontecimentos desse instante. Festejamos o nosso aniversário enquanto ignoramos olimpicamente a circunstância de, à mesma hora, haver gente a sofrer, a morrer, a passar os piores momentos das suas vidas. (...)
Agora, todos os anos, eu convivo com a proximidade de datas que confundem sentimentos, que puxam à melancolia, que arrancam lágrimas onde menos se espera: entre 16 e 18 de Outubro de cada ano vai a distância entre a saudade a felicidade, entre o desequilíbrio e a harmonia, entre a tristeza e alegria, entre a recordação e o futuro. O meu pai não chegou a conhecer este seu neto. As datas estão tão próximas - e os factos tão distantes.
Nesta diferença, neste abismo, cabem todas as relativizações do mundo (...)

Represas



Desde os tempos em que, nos anos 80, ia três vezes por semana ao "happening" e me sentava a um metro do que nem um palco era para me deixar levar numa viagem de encanto e aventura pela música brasileira, que a voz de Luís Represas se me tornou especial. Naquela altura, conseguia abstrair-me totalmente do tudo o que havia à minha volta e deixava que apenas a emoção e o sentimento tomassem conta do tempo, do espaço e do coração. Era tudo muito intenso. Era como se o Luís Represas cantasse só para mim...
Depois, a vida seguiu e o tempo deu-lhe muitas voltas, mas ao vivo ou em CD,  essa voz acompanhou-me sempre, embalou-me as tristezas e as alegrias, as dores e as horas de felicidade e foi banda sonora de todos os meus momentos bons e maus, atribulados e tristes, ou plenos de luz e esplendor.
Muitos artistas, músicos, canções fazem parte do meu caminho. Mas sem o Luís Represas, a sua voz e a sua música a minha vida teria sido um pouco menos bonita. Por isso nunca saberei agradecer-lhe tanta coisa boa que, através dele, chegou até mim (incluindo a generosidade com que aceitou o meu convite para ir ao meu (nosso) Liceu falar aos alunos de agora da sua passagem pelo Pedro Nunes).
Mas posso, pelo menos, dar-lhe um abraço gigante de parabéns. Porque, hoje, o dia é todo dele!...

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

De volta ao cinema


As mais diversas razões deixaram-me algum tempo longe de uma das minhas maiores paixões: o cinema. Felizmente pude voltar este fim de semana, e o filme que vi foi uma boa surpresa. Só alegrias, portanto...
De Cédric Klapisch eu tinha na memória uma divertida "Residência Espanhola", de 2002, e "Bonecas Russas", de 2005, bem menos conseguido.
Ce qui nous lie, ("Aquilo que nos une",  - por uma vez uma tradução de título de acordo com o original) de 2017, tem um registo completamente diferente.
Filmado na Bourgogne profunda, não conta apenas a  história do reencontro três irmãos e da produção de vinho à volta da qual fizeram as suas vidas, assim como do que fazer com a herança que lhes coube em sorte. O filme mostra também, com doçura e subtileza, como lidamos  com as nossas memórias, afectos, laços e raízes.
Pio Marmail (que tem também o papel de narrador), Ana Girardot e François Civil nos principais papéis fazem-no de uma forma convincente e emotiva, marcada pela passagem do tempo ao ritmo das quatro estações. É um filme delicado, pleno sabores e de aromas, que deixa em nós a vontade de ir beber um bom copo de vinho a seguir.
Eu gostei...

https://www.youtube.com/watch?v=RGJbw0xAwE8

domingo, 22 de outubro de 2017

Respirar


Precisava às vezes de uns dias de solidão e silêncio para se encontrar consigo e ganhar novas energias. Para sentir de novo o prazer e a liberdade de gerir a vida inteiramente à sua vontade. Sabia que o tempo ajudava  sarar todas as feridas, a colocar tudo no sítio certo e a afastar o que não tem valor. Gostara sempre de homens misteriosos e inquietos, de almas sinuosas e sobressaltadas e, por isso, todos os seus amores eram complexos e controversos, diferentes do que acontecia à sua volta. Ou talvez não...
Com o tempo aprendera a viver em serenidade entre solidão e companhia, a não ter medo nem pressa, a deixar-se levar pelo desejo de cada instante  e a entregar-se ao que o amor tem de melhor sempre que ele  surgia inesperado,  grandioso e avassalador, a sobrepor-se a tudo.
 E se, muitas vezes, em momentos de fragilidade excessiva, lhe apetecia ter quem tomasse conta de si, parecia-lhe também quase sempre muito claro que era a sós consigo que conseguia pensar(-se) e reencontrar o bem-estar físico e emocional que permitia que estar acompanhada fosse vivido de uma forma muito mais plena, que a cumplicidade e a partilha pudessem ser ainda mais verdadeiras, porque genuinamente desejadas. Sem obrigação nenhuma...

sábado, 21 de outubro de 2017

Olhar as estrelas


As estrelas são os olhos de quem morreu de amor. Ficam-nos contemplando de cima, a mostrar que só o amor concede eternidades.

                                                                                                               (Mia Couto)

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Já é Outono


É uma estação maravilhosa, simultaneamente triste e poética. Gosto da alternância entre calor e frio, de passar de roupas leves e frescas para outras mais quentes e macias. Gosto de dias longos e luminosos, como gosto do cheiro a terra molhada depois das primeiras chuvas, ou do som dos pingos a bater nos vidros.
O Outono é tudo isto. E são sabores e  cheiros característicos da época, para além do belíssimo cenário em tons castanhos, dourados, laranja, vermelhos e amarelos que enche as ruas, as praças e os jardins. Há o cheiro das castanhas, o sabor da marmelada, das nozes e das tangerinas, num ambiente que se desacelera e acalma. Regressa-se à rotina, mas também ao aconchego reconfortante da casa e à vontade de silêncios, música suave e vozes que nos falam baixinho.
O Outono é feito de conforto e de amparo, como um colo apetecido onde se deita a cabeça para apaziguar o corpo e a alma, ou o calor de um abraço do qual não queremos soltar-nos.
No fundo, o que sabe bem é esta variedade da vida, que se vai modificando quase sem darmos por isso e nos permite ir sentindo a novidade, sempre outra e sempre repetida, na suave tranquilidade do tempo que passa.

domingo, 10 de setembro de 2017

Corações ao alto









Foi a segunda vez que vi e ouvi Salvador Sobral ao vivo. A primeira, há dois meses, impressionara-me bastante. Mas agora foi tão forte e tão fundo o que senti(mos) que tive que esperar quase dois dias para conseguir dizer alguma coisa sobre aquela noite tão bonita. 
Porque Salvador Sobral tem esse dom especial de cantar com a voz e o corpo todo, numa inigualável entrega de corpo e alma a que ninguém pode ficar indiferente. É como se cada instante fosse sempre o primeiro e o último, momento único e irrepetível, na sua imensa singularidade. E com a voz excepcional que Deus lhe deu, a sua capacidade interpretativa e a companhia de excelentes músicos (Júlio Resende, André Rosinha e Bruno Pedroso) consegue(m) fazer de cada encontro, de cada concerto, uma experiência avassaladora, da qual se sai outra pessoa, pelo poder encantatório da música, que ampara, aconchega e aproxima os corações.
Mas este concerto do Estoril foi ainda mais especial e mais bonito que todos os outros. Havia o cenário entre céu e mar; as circunstâncias e os corações brancos erguidos no ar, símbolo(s) de esperança, de afecto e de cumplicidade. A noite estava fria, mas ninguém dava por isso. Havia um nó na garganta de todos. E houve lágrimas e risos, palmas e abraços; e a força de quem se quer bem sem precisar de o dizer em palavras. E, naturalmente, houve muita, muita música. Da boa. 
Por isso, este foi o concerto de todas as emoções. Por isso, naquele abraço apertado que a Luísa deu ao Salvador estava o abraço de todos nós. O amor que, como ele disse, leva consigo "numa caixinha figurativa". É que, quando tudo parece desmoronar-se, sobra o amor. É ele que nos salva. Seja de que tipo for. E foi, também, ou mesmo acima de tudo de amor que se fez aquela festa. 
Vai correr tudo bem... Até já, Salvador.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Enfim, uma divertidíssima comédia



O filme que Philippe Lacheau realiza e do qual é também o principal protagonista é uma das boas surpresas deste Verão.
"Alibi.com" é, de facto, um filme hilariante, que nos faz passar noventa minutos muito divertidos e dar umas boas gargalhadas diante das mais cómicas situações, que incluem até piadas sobre François Hollande.
O elenco, para mim desconhecido, à excepção de Natahlie Baye,contribui em grande medida para o sucesso desta aventura, meio louca, mas muito bem conseguida. Assim sim...

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Oh là là, c'est la rentrée!


Perto do fim o prazer do corpo molhado estendido ao sol, a volúpia de o deixar tomar conta de cada pedacinho da pele a saber a sal, o cheiro a mar misturado com creme Nívea. E as longas horas de lazer e inacção, em que só os olhos e o pensamento se soltam e vagueiam sem objectivo nem poiso certo.
Porque em Setembro muda tudo. Tapam-se os corpos outra vez, mudam-se os hábitos e as cores. É o mês da rentrée, que encerra em si a magia do recomeço e a melancolia do fim de férias.
Gosto sempre desta época em que sinto verdadeiramente que outro ano está a chegar e que vivo no entusiasmo dos cadernos e livros a cheirar a novo, das canetas prontas a estrear, símbolos e esperança de que tudo é igual e ao mesmo tempo se acredita que poderá ser diferente e melhor ainda.
Hoje, aproveitando os últimos momentos de preguiça, ouvia distraída uma música cuja letra pode muito bem ser o leitmotiv deste regresso e segundo a qual devemos estar atentos a tudo o que de bom e belo está à nossa volta. Que a agitação do quotidiano não venha, pois, "roubar-nos" o espanto e a alegria das coisas simples e boas...

Derrière la saleté
S'étalant devant nous
Derrière les yeux plisés
Et les visages mous
Au-delà de ces mains
Ouvertes ou fermées
Qui se tendent en vain
Ou qui sont poings levés
Plus loin que les frontières
Qui sont des barbelés
Plus loin que la misère
Il nous faut regarder

Il nous faut regarder
Ce qu'il y a de beau
Le ciel gris ou bleuté
Les filles au bord de l'eau
L'ami qu'on sait fidèle
Le soleil de demain
Le vol d'une hirondelle
Le bateau qui revient


(...)
Il nous faut écouter
L'oiseau au fond des bois
Le murmure de l'été
Le sang qui monte en soi
Les berceuses des mères
Les prières des enfants
Et le bruit de la terre
Qui s'endort doucement.

(Jacques Brel)

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Fim de férias


Daqui a nada acabam as noites quentes e quietas, os dias que passam devagar, sem obrigações nem horas marcadas; e regressa a algazarra, a correria, a vida norteada pelos ponteiros do relógio e os toques de campainha(s). Volta o tempo de acordar sem ter dormido tudo, dos gestos repetidos numa rotina rigorosamente cronometrada, de fazer todas as manhãs o mesmo percurso de autocarro, observando as pessoas, na sua maior parte emudecidas e alheadas diante de um écran de telemóvel, e imaginando-lhes as história e as vidas.
Daqui a nada é outra vez Outono, que já se anuncia nos dias que vão ficando mais curtos, o sol há-de tornar-se mais baço e o tempo mais fresco; e virão o vento, a chuva e o frio. Mas com ele virá também a poética nostalgia dos tons dourados que enchem as árvores e o chão; e a vontade de recato, intimidade e aconchego, numa alternância que se sucede e anuncia novos caminhos e outros desafios, tudo sempre igual e ao mesmo tempo sempre distinto.
Daqui a nada volto ao meu quotidiano que se faz à volta das palavras e à aventura inesgotável e imensa de fazer ver como elas podem ser importantes e enfeitiçar-nos, de como cada texto tem uma sonoridade e um ritmo próprios, e de como a forma como isso nos toca pode também transformar-nos e pensar o mundo e conhecê-lo e conhecermo-nos de outra maneira. Vamos a isso!...

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Hampstead, ou mais um filme da treta


O Verão, já se sabe, é de uma enorme pobreza quanto a filmes  em cartaz. Mas a imagem de Diane Keaton está para mim ainda de tal maneira colada às boas memórias de "Annie Hall" e de "Manhattan", que achei que mesmo assim valia a pena correr o risco de ir ver "Hampstead", mesmo se o título em português "Nunca é tarde para amar" indiciava já a temática demasiado batida do amor em idade avançada.
A história, baseada num caso verídico, como vem sendo hábito ultimamente, é mais do que previsível: a "tia" infeliz que se encanta com um "bom selvagem" com direito a um cheirinho de ecologia e defesa da vida "em contacto da natureza", para terminar no mais alto estilo do "felizes para sempre."
Enfim, nem Diane Keaton e Brendan Gleeson chegam para salvar o filme, que nunca nos consegue tocar verdadeiramente sob nenhum ponto de vista, e que é francamente muito "poucochinho".
E enquanto se espera que a rentrée traga de volta o bom cinema, o melhor é ir ficando por casa, ou, sei lá, ir ver o mar...

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Vulnerabilidade(s)


Por mais que me custe admiti-lo, a verdade é que na presença de um médico, qualquer que ele seja, me sinto de algum modo intimidada. É inevitável. De todas as vezes, toma-me uma estranha sensação que nem sei explicar bem. Talvez seja a inquietação diante de um veredicto que se espera sempre feliz, o nervoso miudinho que traz o desconforto do que não é certo nem visível, a intuição de que sabem mais do que querem dizer(nos) temendo que não o possamos entender, ou a esperança no bom resultado do que advém dos seus diagnósticos, das suas decisões, do trabalho preciso das suas mãos.
Veja-se o caso do dentista: como podemos não nos sentir diminuídos e especialmente frágeis quando estamos em posição inferior, no sentido literal, com um "guardanapo" ao peito e o médico inclinado sobre a  nossa boca escancarada e cheia de tubos e os mais diversos instrumentos, que nos impedem de dizer o que quer seja? Não me parece que alguém possa sentir-se confortável nesta situação, sempre constrangedora, quase humilhante. Enfim, podia dar outros exemplos, mas não me parece necessário. 
Precisamos dos médicos, hélas, dependemos deles até para grande parte do que é o nosso bem-estar e a nossa saúde (o mais precioso de todos os bens), mas eu não consigo livrar-me desta coisa assim meio infantil de estar sempre a querer fugir deles.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Sin ganas de na'


Hoje, faltam-me as palavras. E, quando é assim, a música chega-me... Pode ser esta:


Ou esta:


Ou...

Ou...
Ou...

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Cidades com alma





Tenho, na minha vida, pessoas e lugares que me são essenciais, porque amo cada um de uma forma distinta dos demais, e porque encontro em todas(os) singularidades que as(os) tornam únicas(os) e me enriquecem, encantam, tornam mais feliz.
As cidades são um pouco como as pessoas: às vezes enamoram-nos ao primeiro olhar; e depois, aos poucos, vã-se-nos revelando, podendo o tempo confirmar o arrebatamento inicial, ou  mostrarem-se, afinal, decepcionantes. 
Pude, há dias, acrescentar à minha lista mais uma cidade maravilhosamente complexa, que não esconde as suas feridas e consegue, ainda assim, para lá das cicatrizes, ter qualquer coisa que nos toca e que é uma forma muito própria de existir, exuberante e discreta, próxima e distante, dinâmica e sossegada.
Volto de Berlim fascinada com o nosso primeiro encontro, de alma cheia, agradavelmente surpreendida e com vontade de um dia voltar, para confirmar este apego e deixar-me seduzir como eu gosto, assim, devagar...

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Filmes de férias


"A fabulosa Gilly Hopkins" (The Great Gilly Hopkins no original - por uma vez um título traduzido à letra) é um daqueles filmes que sem ser extraordinário, acaba por revelar-se uma agradável surpresa. 
Face à escassa oferta de alguma coisinha de jeito em período estival, achei que um filme que incluía no elenco Glenn Close poderia ser uma boa aposta. Não me enganei. 
A actriz principal, soube-o depois, afinal também era uma "velha" conhecida minha: Sophie Nélisse, que eu vira bem mais nova no fantástico Monsieur Lazhar, há três ou quatro anos.
A história é relativamente banal e trata sobretudo do que, de uma forma ou de outra, já todos sentimos: que no que nos liga aos outros, no domínio dos afectos, nem sempre os laços de sangue são os mais consistentes e profundos.
Claro que o filme apela fortemente ao sentimento, mas na verdade consegue em simultâneo divertir-nos e comover-nos, porque é um filme acima de tudo enternecedor, e porque há em Sophie Nélisse aquele não sei quê de que só os grandes actores são feitos, que nos envolve, e nos agarra à personagem e à história. Vale a pena ver...

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Comédias de Verão


Este é um daqueles filmes de "usar e deitar fora", mesmo típico da silly season, mas que ainda assim nos fazem passar duas horas divertidas e dar umas boas gargalhadas, o que combina muito bem com os dias despreocupados e pachorrentos do mês de Agosto. E, além disso, é falado em francês, o que para mim, que adoro esta língua, é sempre um extra muito positivo.
De resto, "sous le même toit" é a história banal de um casal que apesar do divórcio se vê forçado a partilhar o mesmo espaço por razões económicas, acima de tudo, o que origina as mais hilariantes situações, com Gilles Lelouch como palhaço de serviço. Vê-se bem, mas é só isso...

domingo, 23 de julho de 2017

A evitar


Entre as minhas preferências cinematográficas, já se sabe, o cinema francês ocupa um lugar de destaque. Mas isso não quer naturalmente dizer que goste de tudo, porque não é a origem do filme que é garantia de qualidade. Nem os realizadores, ou os actores, sequer. A prova disso é o último filme que vi, Sage femme no original, que na verdade quer dizer "parteira", mas em português ganhou um título totalmente distinto: "Duas mulheres um encontro".
De um realizador que desconheço, Martin Provost, o filme conta com duas interpretações de peso, Catherine Frot e sobretudo Catherine Deneuve, uma verdadeira diva, não apenas do cinema mas também da cultura francesa. A sua presença, pensava eu, chegaria para tornar interessante qualquer filme. Enganei-me. Catherine Deneuve tem sempre qualquer coisa que nos toca, ma este é um filme  pesado, longo e, acima de tudo, muito maçador. Vivamente desaconselhável, digo eu...

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Diferenças


Em Paris não se chega a esperar cinco minutos por um transporte público. As pessoas não andam todas agarradas aos telemóveis, alheias ao que se passa à sua volta. No metro, por exemplo, há muita gente a ler, ou simplesmente a olhar, sem fazer nada. Não há cães à solta, nem gente a passear cães por todo o lado, nem cócó de cão nos passeios e nos jardins. Há quem ande de bicicleta, claro, mas não há a paranóia das ciclovias.
Serão estas e tantas outras diferenças que distinguem o mundo civilizado do nosso. E será não apenas por causa de tudo isto, mas também por coisas destas que eu gosto tanto desta cidade.

domingo, 9 de julho de 2017

Paris sera toujours Paris



Le soleil qui se lève 
Et caresse les toits
Et c'est Paris le jour
La Seine qui se promène 
Et me guide du doigt
Et c'est Paris toujours
Et mon coeur qui s'arrête
Sur ton coeur qui sourit
Et c'est Paris bonjour
Et ta main dans ma main 
Qui me dit déjà oui
Et c'est Paris l'amour
(...)
Loin des yeux loin du coeur
Chassée du paradis
Et c'est Paris chagrin
(...)
Et toi qui m'attends là
Et tout qui recommence
Et c'est Paris je reviens

                            (Jacques Brel)


De tempos a tempos é isto: uma saudade enorme e a vontade permanente de voltar. Depois, deixar-me encantar de novo, como se fosse a primeira vez, com a luz do entardecer no Luxembourg, com a vista de Montmartre, os passeios no Quartier Latin, ou a doce tranquilidade da Place des Vosges; e com os telhados e o rio, os cafés e as praças, com o ritmo próprio da cidade, que mistura, com requinte e sabedoria, arte e cultura, boémia e sossego, raffinement e charme. E com a língua, essa língua que é para mim a mais bonita do mundo...

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Um músico fora do comum


Quem me conhece sabe como eu gosto de bons concertos e como, ao longo dos anos, me têm empolgado, ao vivo, tantos músicos de que gosto há muito, ou outros que o tempo e a vida me vão revelando.
Salvador Sobral é a  minha mais recente "paixão" e, desde que o descobri, vivo em estado de puro encantamento. Porque ele é muito mais que um músico excepcional, dono de uma linda e límpida voz, ou um intérprete de excelência. É alguém que tem qualquer coisa extraordinária, que acrescenta alguma coisa e que toca as pessoas (daí o sucesso que o levou à vitória na Eurovisão). É alguém que sente tão profundamente a música, que se entrega tanto, que a sua emoção nos atravessa a pele e o corpo e se aloja no mais profundo de nós.
Ouvi-lo é ouvir sempre uma versão diferente de cada canção, viajar com ele pelas melodias e pelo que ele lhes faz, e perceber que a arte tem essa capacidade maravilhosa de nos chegar à alma.
Ver e ouvir Salvador Sobral é, a cada vez, novo e diferente, mas ao vivo é melhor ainda. É sentir o privilégio de fazer parte daquele momento; é arrepiar-se, chorar, rir, calar-se e, em silêncio, escutar; é perceber que um espectáculo não é apenas reproduzir um disco, é soltar os sentimentos e deixar que as canções fluam, e sejam atravessadas por outras; é risco e improviso; é um extraordinário trabalho de conjunto (Júlio Resende, André Rosinha e Bruno Pedroso contribuíram também em grande medida para a magia do que se viveu esta noite no CCB).
E como se tudo isto não bastasse, há ainda a simplicidade de Salvador, o seu sentido de humor, a sua capacidade de se rir de si mesmo, que é prova de inteligência, a proximidade que estabelece com quem o vai ouvir, que torna tudo mais autêntico e nos chega melhor ao coração.
Por isso, mesmo eu que já vi excelentes músicos e assisti a concertos inesquecíveis, que já estava à espera de um bom concerto e ainda assim me surpreendi, apetece-me agradecer a quem nos dá a possibilidade de viver um arrebatamento destes, que é das melhores coisas que há na vida. E se a felicidade é, como creio, feita de momentos de plenitude, o que se passou hoje naquela sala fez-me, sem dúvida, ser (mais) feliz. E isso é tão bom!...
Obrigada, Salvador.


domingo, 25 de junho de 2017

Maior que o mundo



Há quem acredite que nada é por acaso. Eu também gosto de acreditar nisso, mas no fundo sei que foi um acaso que nos juntou. Depois, a magia daquele resto de sentimento irredutível às palavras que inexplicavelmente nos aproxima e liga a certas pessoas para sempre, fez o resto.  
Hoje, fazemos de tal modo parte da vida um do outro que tenho a certeza que sem ti a minha vida não seria tão boa. Juntos, já passámos por tudo: pela alegria e pela dor, pelo riso e pelas lágrimas, pela emoção e pela raiva, pela tristeza, pelo desânimo, pela coragem, pela felicidade. Já nos zangámos, discordámos e discutimos. Já vivemos tanto os limites do bom e do mau, que hoje sobra apenas a tranquilidade serena de nos sabermos sempre um para o outro, de nos admirarmos e apoiarmos, de nos entendermos para lá dos gestos e das palavras. Hoje, gosto de ti até com o que eu não gosto, ou talvez também por isso.
Ao fim deste tempo todo, que é a nossa existência inteira, sabemos que havemos de tomar conta um do outro para sempre, e que nada nem ninguém nos pode separar, porque estamos perto mesmo quando estamos longe e porque é enorme o que nos une. E temos uma história tão longa, bonita e secreta, feita de intimidade e de partilha, que só nós conhecemos pelo lado de dentro, por muito que outros digam, julguem, ou pensem o que for sem saber de nada.
Por isso, este dia não é só teu; é meu; é nosso. E porque nas grandes amizades também há amor, tal como nos grandes amores também há amizade, nesta nossa doce harmonia que não precisa nem de nome, que é força, amparo e aconchego, eu gosto de ti mais do que sei dizer; e sei que tu sabes sem que eu o diga.

domingo, 18 de junho de 2017

Greve em dias de exames? Sou contra!


A história não é nova. Há quatro anos os sindicatos de professores (sempre com a Fenprof e o inenarrável Mário Nogueira à cabeça) também convocaram uma greve para o dia do exame de Português. E foi uma enorme confusão, como é costume acontecer em circunstâncias semelhantes, que implicou a marcação de uma nova data para a realização da prova.
Em relação a este assunto mantenho a opinião que tinha na altura, a qual me valeu insultos e amuos de vária ordem, que na verdade pouco me importam. Penso pela minha cabeça em todas as circunstâncias e nunca fui, nem serei, corporativista. De resto, identifico-me pouco com a classe profissional a que pertenço.
Os professores têm naturalmente razões de queixa como tantas outras profissões. E têm, com certeza, direito à greve e a manifestar o seu descontentamento. Mas não pode valer tudo.
Ora, um exame é sempre uma situação de tensão, que pode ser vivida com maior ou menor ansiedade consoante o feitio de cada um. Já todos passámos por isso. E é claro que não é indiferente que o exame se realize no dia marcado, ou noutro dia qualquer. Porque um aluno prepara-se para fazer uma prova num determinado dia. E se o dia mudar continua preparado. Mas a incerteza sobre a realização da prova no dia previsto vem certamente aumentar o nervosismo inerente à situação de estar a ser "posto à prova", que é mais fortemente sentida nos 11º e 12º anos, porque disso depende muito do que vem depois.
Às vezes orgulho-me de ser professora; e outras, muitas outras, envergonho-me. Sei muito bem do que falo. Conheço bem demais os professores (que também sou). Conheço-os no que há neles de bom, de excepcional até, nalguns casos; e também no que há neles de mais desprezível e medíocre. Conheço a escola há muitos anos, por dentro e por fora. E muito do que nela se passa não chega nunca a toda a gente. Felizmente, diria eu.
Fazer greve num dia de exames é, quanto a mim, antes de mais, um mau exemplo educativo, que consiste em passar para os alunos a mensagem implícita que vale tudo para se tentar obter o que se pretende.
O episódio de há quatro anos levou o governo de então a alterar a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a qual prevê agora no seu artigo 397º, alínea d), a possibilidade de existência de serviços mínimos na Educação, sempre que tal implique a "realização de avaliações finais, de exames ou provas de carácter nacional que tenham de se realizar na mesma data em todo o território."
Assim, veremos o que se passa na próxima quarta-feira. Mas seria bom que os professores tivessem a sensatez de não embarcar nestes calendários sindicais sem pensar muito bem no que está aqui em causa, e esquecendo os alunos com os quais trabalharam o ano inteiro, que estarão especialmente ansiosos por estes dias. E não aumentar essa pressão, que já é grande q.b. Ou então não se admirarem nem queixarem de serem um classe pouco considerada pela opinião pública em geral, muitas vezes sem razão, mas muitas outras por se porem mesmo "a jeito"...

sábado, 17 de junho de 2017

Um filme nostálgico


Por uma vez a tradução do título do filme "O sentido do fim" aproxima-se do original, The sense of an ending.
Não é um filme triste, mas é um filme dominado pela nostalgia, que tem a sua maior força no peso das interpretações, como é próprio dos britânicos. Jim Broadbent e Charlotte Rampling (a mostrar-nos de forma evidente as marcas visíveis da passagem do tempo e como, apesar delas, é possível manter a classe e a elegância) são os dois principais vectores de uma história que adapta um romance de Julian Barnes, que trata da intromissão no presente de um passado adormecido e mal resolvido, ou de como à distância dos anos vemos tudo com outros olhos.
Mesmo abusando um pouco do flasback, o filme segue-se com interesse e é agradável de ver, sem ser marcante, nem excepcional.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Ver


Tendemos a tomar como garantido aquilo que temos, sem considerar que de um dia para o outro tudo pode alterar-se e que, para o bem e para o mal, a vida sempre nos surpreende. Mas nisso reside também grande parte do seu desafio e encanto.
O ideal é aproveitar ao máximo tudo o que temos de bom, aprender com os erros, e estar disponível para aceitar e continuar, na certeza de que a felicidade não é duradoura mas antes fulgurante, como uma soma de pequenos momentos de plenitude, conhecimento e comunhão.
Há, depois, muitas conquistas e derrotas que fazem parte do caminho. Com o tempo aprende-se que não ter nada pode às vezes querer dizer ter tudo, que mesmo os que mais amamos não nos pertencem, e que até a solidão pode ser boa e necessária. 
E que o amor é bem mais simples do que imaginamos, que as pequenas coisas insignificantes são muitas vezes as mais importantes de todas e que, na lógica serena do tempo que passa, é preciso, acima de tudo, acreditar. 

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Perfetti sconosciuti


Ainda um dia gostava de perceber que critérios presidem à tradução livre dos títulos dos filmes, o que faz com que filmes daqueles que conhecemos da vida toda, como "The Sound of Music" se transforme em "Música no Coração" em português e no inenarrável "Lágrimas y sonrisas" em espanhol. Os exemplos como este, ou mais ridículos ainda, poderiam multiplicar-se. E não percebo por que motivo não se tenta ser tão próximo do original quanto possível, o que me parece que teria muito mais lógica.
Vem tudo isto a propósito do filme que vi no fim de semana e de que gostei muito. Já não ia ao cinema há algum tempo e um filme de um realizador de que nunca ouvira falar, Paolo Genovese, com actores cujos nomes também não me diziam nada e chamado "Amigos amigos telemóveis à parte" tinha demasiados ingredientes para o pôr de parte. Mas era italiano - um ponto favorável -, e reparei depois que o título original perfetti sconosciuti não indiciava uma daquelas comédias de riso alarve, que eu detesto, mas um humor um pouco mais refinado. O trailer convenceu-me. E aquilo a que assisti foi a um filme que trata de uma forma divertida um assunto sério, que trata das relações entre as pessoas, que é um assunto que me apaixona, e que deixa um sabor amargo, ou pelo menos nos faz pensar na maneira como vivemos.
Partindo do princípio de que todos temos uma vida pública, uma vida pessoal e uma vida secreta, a história toma como pretexto um jantar de amigos de longa data e um jogo aparentemente inocente - a partilha das mensagens e chamadas recebidas - para pôr a nu as fragilidades do modo como nos relacionamos, sobretudo com os que nos estão mais próximos: o que dizemos e o que calamos, o que revelamos e ocultamos, o que sabemos e/ou  julgamos saber, e como podem ser diferentes do que imaginamos as pessoas que cremos conhecer muito bem. E depois, também algumas outras questões pertinentes: as falsidades de (quase) todos os casamentos, o modo como os telemóveis vieram intrometer-se nas nossas vidas, a distância entre o que somos e o que queremos parecer...
Não será um filme excepcional, mas eu acho que vale muito a pena vê-lo.

sábado, 3 de junho de 2017

Aqui


Hoje, amanhã e depois é por aqui que estou inteira, não em corpo mas com tudo o resto: alma, cabeça, coração... 

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Incomparável


Muitos dias e anos depois daquele arrepio sentido desde o primeiro instante como uma inevitabilidade que o tempo fora confirmando devagar, na distância que separou o primeiro olhar do primeiro toque, e depois cresceu no desejo que não pôde refrear-se, no corpo a estremecer, primeiro, e a explodir, depois, e do tempo em que esquecidos de tudo se entregavam ao prazer e se demoravam juntos; e eram um do outro sem ser; e estavam perto mesmo quando estavam longe; e se encantavam com a certeza de se terem um ao outro e de se conhecerem de cor e não poderem  nunca separar-se ou esquecer-se, nem sequer em momentos de dor e de desânimo, ainda havia muitos dias em que, apesar das marcas e histórias que os anos tinham trazido também às suas vidas, se perdiam no fundo dos olhos um do outro e se emocionavam e enterneciam com o  afecto, amor, ou o que quer que fosse que se lhes tinha atado ao peito para sempre. Era então que na cabeça e no peito dela soava de novo a voz pausada e grave de Caetano:

Você é meu caminho, meu vinho,
Meu vício
Desde o início estava você
Meu bálsamo benigno,
Meu signo, meu guru
Porto seguro onde eu vou ter...

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Rocío, sempre Rocío


Por estes dias, voltam a encher-se de gente os caminhos de pó, voltam os cavalos e as carroças, o som conjugado da flauta e do tamboril, as flores e os vestidos de flamenca, a guitarra, os vivas e os olés; e as sevillanas dia e noite, a salve rociera repetida mil vezes em emotivos coros de sentimentos, abraços e lágrimas despudoradas, que não podem nem querem conter-se. E os sinos a tocar incessantemente, entre foguetes e palmas, e risos, e vozes, e silêncios.
Há uma inexplicável magia nesta festa excessiva e singular, que se vive no alheamento do mundo, que só quem a experimenta pode compreender, que se sente na pele e no mais fundo da alma, que mexe connosco e nos transforma para sempre.
O Rocío é a mistura de muita coisa: é um lugar encantado, especialíssimo, de emoções à flor da pele, de genuína celebração da fé ou mero encontro de amigos, da paz quieta da marisma, ou do alvoroço imparável e inebriante daquela euforia que faz parecer a vida revelar-se-nos em plenitude e em graça, emoção pura, força renovada.
Ainda me lembro muito bem de quando fui pela primeira vez à Romería, no ano 2000. E de como foi tão forte o impacto que provocou em mim; de como aquele momento de alegria  e interioridade extremas e simultâneas foi para mim uma espécie de revelação, qualquer coisa que até aí desconhecia pelo menos daquela maneira tão forte e tão funda; de como senti que se fortalecia ali a minha fé. E me (lhe) prometi, como nos ensinam os almonteños, que "siempre que pudiera yo tenía que ir a verla". E fui. Muitas vezes. Na festa e fora dela. Mas não tantas como gostaria, ou como acho, às vezes, que necessito.
Hoje, sinto e sei que a Virgen del Rocío me acompanha e me protege, assim como a todos aqueles por quem lhe rezo. E, por mais estranho que pareça, identifico-me bem mais com esta maneira festiva de viver a fé, que conjuga alegria, espiritualidade e partilha (à espanhola, pois claro), do que com a nossa maneira bem mais lamurienta e arrastada, que respeito mas não me toca.
Por estes dias, e até que acabe a festa, o meu coração estará pois sempre por lá, mesmo se fico cá; e acompanho tudo à distância; e trago o coração e a cabeça cheios de uma nostalgia triste e boa, na certeza absoluta que era ali que eu tinha que estar.