terça-feira, 31 de março de 2015

Estranha(s) forma(s) de ser


Tendemos a apreciações e avaliações precipitadas e com frequência entendemos mal, e até estranhamos, que possa haver quem tenha reacções diferentes das que teríamos em idênticas circunstâncias.
Porque apesar dos nossos bons princípios, de nos acharmos compreensivos, flexíveis e adequadamente condescendentes, quase todos lidamos mal com a dissemelhança e a diversidade, que nos apressamos a rotular como esquisita, pouco normal, bizarra e outras coisas no género. Idealizamos e buscamos a alteridade, mas ela incomoda-nos e assusta-nos, numa mistura de atracção e temor, às vezes difícil de assimilar e de gerir.
E, por isso, gostar das pessoas como elas são em vez de como gostaríamos que fossem, resistindo a querer modificá-las, é uma lenta e penosa aprendizagem, e não deixa de ser, também, uma belíssima prova de amor.
 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Os cães e os seus donos


O problema dos cães não são eles em si mesmos, mas antes os donos que têm, os quais tirando raríssimas excepções acham que podem tudo, incluindo, até, o direito de incomodar os outros.
É assim que, antes do início da época balnear, sobretudo, o sossego da praia meio despovoada pode ser fortemente perturbado por uma razoável quantidade de grunhos, sozinhos ou em grupo(s),  acompanhados dos seus amiguinhos de quatro patas, que logo soltam das trelas mal chegam e deixam depois correr livremente, sem se importar que eles ladrem, cheirem, lambam, passem por cima das pessoas, façam chichis e cocós em tudo quanto é sítio. Sem respeito, nem consideração alguma pelos demais. Como se a praia fosse toda deles.
E ai de quem diz alguma coisa! A primeira reacção é o inevitável "ele não morde; só quer brincar". Nem lhes passa pela cabeça que possa haver quem não queira "brincar". Os mais polidos ainda balbuciam um "desculpe lá", pouco convicto e meio a soar a falso. E depois há os outros: os do "quem não está bem,  muda-se", os que nos olham de alto a baixo como se fossemos nós que tivéssemos um qualquer problema ou fossemos "enjoadinhos", os que se riem, os que insultam, enfim...; pode esperar-se todo o tipo de respostas.
No fundo, este é apenas um pequeno exemplo demonstrativo da falta das mais elementares regras de educação e convivialidade, que fazem com que estejamos ainda muito longe de ser o país civilizado e decente que às vezes julgamos ser mas que, provavelmente, nunca seremos.

domingo, 29 de março de 2015

A praia na Primavera

 
  

É nos dias e nas horas em que olho demoradamente a minha cidade, ou em que em silêncio estendo o corpo ao sol, e fecho os olhos, e ouço o mar, que dou mais valor a tudo o que tenho.
Morro de amores pela praia na Primavera, quando ela é quase só minha e me deixa serenar, revigorar-me e renascer em força e vontades novas.
Depois, quando o tempo aquece demasiado e ela se enche de vozes, de gente e de confusão evito-a um pouco mais, e visito-a mais espaçadamente, até que em Setembro se esvazia de novo e então volta a ser mais  minha e, de novo em sossego, me despeço.
É que, como diz Mia Couto, também a mim, o mar leva os meus sonhos a passear, e inspira-me, e faz-me sentir em paz, numa doce harmonia com o universo.


sábado, 28 de março de 2015

Da amizade


 
 
Hoje sei como se mede a verdadeira idade:
vamos ficando velhos quando não fazemos novos amigos.
                                                                                                            Mia Couto

 
As melhores amizades são as que nascem sem se saber como, as que crescem devagar e existem só porque sim, na terna doçura do que o tempo vai consolidando sem pressa nem amarras, e depois se impõe como uma certeza absoluta, e se adivinha ter vindo para ficar;   o que há nelas de mais bonito é a magia que nos faz gostar de certas pessoas sem que saibamos explicar porquê, e descobrir nelas coisas de que não gostamos, e gostarmos delas na mesma;  são as que são genuínas e verdadeiras porque não podem ser de outra maneira; as que enchem de conforto e de alegria os nossos dias, e se fazem de cumplicidade, de confiança, de afecto e de sentimentos bons, sem que isso precise sequer de ser dito. 
  
(Fotografias de Paulo Abreu e Lima, porque, hoje, o dia é dele. Parabéns, Paulo!)

sexta-feira, 27 de março de 2015

Gota d'água


Não é desgosto, nem mágoa, nem decepção. Talvez não seja nem saudade, sequer. É apenas a distância que cresce devagar, uma voz que se vai silenciando, e a certeza de que o tempo não pode, nunca, voltar para trás.
 

quinta-feira, 26 de março de 2015

Canções da minha vida (X)


 
Não marcou a minha vida, nem a ouvi vezes sem fim. No entanto, esta é talvez a minha memória mais antiga da música espanhola, situada numa  época que já não sei dizer com rigor a que anos corresponde, e muito antes de me apaixonar pelo flamenco, ou de me encantar pelo país vizinho.
Na altura não entenderia bem todas as palavras nem o seu significado explícito e implícito, muito menos sabia quem eram os Agua Viva, ou Lorca, ou Rafael Alberti.
Havia, ainda assim, uma força nestes Poetas Andaluces capaz de me impressionar a ponto de parar para a escutar.
E hoje, não sei porquê, voltei a lembrar-me dela.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Elogio da Madrasta


O livro é de 1988, mas ainda não o tinha lido. Aqui há tempos, a propósito do inexplicável furor daquela mediocridade chamada As cinquenta sombras de Grey, que me recuso a ler e a ver porque não estou para perder tempo com "porcaria", um amigo relembrou-mo.
É, juntamente com mais dois ou três - nunca consigo ler um livro de cada vez - minha leitura de férias. Ainda vou a meio, mas estou a gostar muito, apesar de estar a lê-lo traduzido, o que quase nunca me acontece. Prefiro sempre o original das línguas que domino, mas desta vez havia a possibilidade de mo emprestarem e eu aproveitei-a.
Não me interessa tanto se é ou não um "romance erótico", porque essas classificações me parecem sempre um pouco redutoras, mas é pelo menos o prazer de ler um livro muito bem escrito, daqueles que "prendem" e nos modificam e acrescentam alguma coisa; e a confirmação de Vargas Llosa como um escritor magnífico (se dúvidas houvesse...)
Aqui fica um bocadinho:
 
O nosso conhecimento recíproco é total. Tu és eu e tu, e tu sou eu e tu. Algo tão perfeito e simples como uma andorinha ou a lei da gravidade. A perversidade viciosa - para dizer com palavras em que não cremos e que ambos desprezamos - está representada por esses três observadores exibicionistas do ângulo superior esquerdo. São os nossos olhos, a contemplação que praticamos com tanto afã - como tu agora -, o desnudamento essencial que cada qual exige do outro na festa do amor e essa fusão que só pode expressar-se adequadamente traumatizando a sintaxe: eu te me entrego, me te masturbas, chupa-te-me-mo-nos.
Agora, deixa de olhar. Agora, fecha os olhos. Agora, sem os abrir, olha para mim e olha-te tal como nos representaram nesse quadro que tantos olham e tão poucos vêem. Agora já sabes que, ainda antes de nos termos conhecido, de nos termos amado e de nos termos casado, alguém, pincel na mão, antecipou em que horrenda glória nos converteria, cada dia e cada noite de amanhã, a felicidade que soubemos inventar.

terça-feira, 24 de março de 2015

Um questão de (mau) gosto

 

As marquises portuguesas - raras na Europa e bastante terceiro-mundistas - combinam a noção de fraqueza da lei e da sua regulamentação, a falta de sentido cívico e o egoísmo lusitano, a pouquíssima sensação de pertença a uma comunidade e, no final disto tudo, uma enorme estupidez. As varandas foram inventadas não só para tornar mais agradável a experiência de viver num apartamento, e torná-lo mais próximo de uma casa individual, mas também para afastar as humidades, moderar o calor e o frio. Ao fechá-la, o tuga está apenas a criar um microclima que lhe dá cabo do ambiente da casa. Para além, obviamente, de afastar a luz.
 
O texto de Catarina Carvalho que habitualmente abre  a Notícias Magazine ao Domingo, lembrou-me, esta semana, quanto podem ser detestáveis as marquises. Para além de profundamente inestéticas. Não me venham com o argumento ridículo da "necessidade de espaço". Quanto a mim não há nadinha que possa justificar tamanha aberração, a não ser uma gigantesca parolada.
O texto, de que transcrevo apenas um excerto, surge a propósito de uma campanha publicitária do Ikea, cujo slogan "mais varandas, menos marquises" chama a atenção para este "vício" tão português, e tão revelador do que há de pior no nosso (mau) gosto. 

segunda-feira, 23 de março de 2015

Cinema Israelita


Nunca tinha visto um filme israelita.  Realizador(es), actores e até a realidade sócio-cultural retratada eram-me por isso inteiramente desconhecidos. E, no entanto, este "Gett: o processo de Viviane Amsalem" foi uma agradável surpresa. É um filme austero, mas emocionante também. Faz parte, soube-o depois, de uma trilogia sobre o casamento, a separação e o divórcio, que é aqui o assunto central e é o que "gett" significa.
Desenrola-se num único lugar,  - a sala de audiência do tribunal - excessivamente sóbrio e despojado, como o resto, entre quatro paredes brancas, onde têm lugar todas as cenas do processo, que se arrasta ao longo de cinco anos, e contribuindo assim para tornar mais opressiva e asfixiante a condição da mulher a quem são negados os direitos de decidir sobre a sua vida e de vivê-la em total liberdade.
É notável a interpretação de Ronit Elkabetz, que além de protagonista é também a  realizadora, com o seu irmão. O que há nela de mais tocante é, para mim, a forma como o seu olhar e os seus silêncios assumem um papel preponderante, pleno de significado(s) e reveladores da inflexibilidade do marido, da sociedade retrógrada e conservadora, do poder absurdo da religião, e também da força e  fragilidade da personagem principal, condenada a um destino de que o final, algo inesperado, (ou talvez não), é apenas mais uma trágica ironia.
Com as devidas distâncias, não posso deixar de pensar em sentimentos exacerbados de posse que, mesmo numa sociedade livre e aberta como a nossa, se vão vendo um pouco por todo o lado e que, ainda que disfarçados de amor profundo e de ciúme, não têm razão, nem motivo, nem desculpa.
E recomendo o filme, claro está!...

domingo, 22 de março de 2015

O verdadeiro artista


Por ocasião do 61º aniversário de Herman José, que teve lugar na passada quinta-feira, o Observador publicou uma lista de expressões que a ele se devem, que rapidamente entraram na linguagem corrente, e que hoje todos utilizamos já quase sem lembrar como surgiram.
Do "Ó pra mim", a "não havia necessidade", de "a língua portuguesa é muito traiçoeira" a "eu é mais bolos", passando pelas "resmas de gajas" e o inesquecível "eu é que sou o Presidente da Junta", ali estão grande parte das expressões que Herman vulgarizou através das suas personagens e de que nós nos apropriámos depois.
Diga-se o que se disser, Herman revolucionou o humor em Portugal e é de certo modo genial, na  maneira diferente de fazer humor. Mesmo se depois se acomodou e vulgarizou um pouco. Mesmo se é indubitavelmente melhor humorista e entretainer que entrevistador ou cantor, por exemplo.
E, de resto, a prova da sua enorme grandeza e singularidade é o facto de não ter havido, pelo menos até agora, ninguém que estivesse sequer perto de o igualar. Não há no panorama do humor português nem Gatos Fedorentos e ainda menos Brunos Nogueiras, Niltons e outros que tais, que se lhe possam comparar.

sábado, 21 de março de 2015

Esta Lisboa que eu amo


Alguém diz com lentidão:
«Lisboa, sabes...»
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve, um vento súbito e claro
nos cabelos, algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta nos lábios e nos dedos,
descendo degraus e degraus
e degraus até ao rio.


                                              Eugénio de Andrade

(Fotografia de Maria Cristina Guerra)

A mais recente descoberta


Foi, uma vez mais, através da minha querida Helena que lá cheguei. É o último blogue que descobri, e acho que vale a pena  conhecê-lo. Porque é esteticamente irrepreensível, o que constitui à partida um factor que me faz decidir ficar, ou apenas parar, sem vontade de me deter.
Tem um forte pendor filosófico, que também me agrada, e embora goste mais de uns e menos de outros, como sempre acontece, encontro nele textos muito bem escritos, daqueles que me deixam a pensar, ou me colocam questões que nunca vira assim.
Como isto, por exemplo:
Constata-se uma crescente dificuldade ao nível da atenção e concentração, uma incapacidade de atender ao que é social e culturalmente profundo, ficando-se pelo superficial e imediato. Dificuldades cada vez mais associadas a uma comunicação permanente, sempre on line, sem tempo de espera, sem silêncios, sempre com o som de uma sms, do messenger, onde quase se tweeta como se respira, onde há sempre uma televisão ou um computador ligado. Um estado mental onde só existe o presente como tempo absoluto. Um estado mental que não deixa ler mas apenas passar os olhos por cima. Um estado mental que não deixa pensar mas apenas passar a cabeça por fora.
Estes quatro quadros de Vermeer têm um objecto em comum: uma carta. Cartas onde, ao contrário do estado mental atrás descrito, há um silêncio. Um tempo de espera. De suspensão. Um congelamento da acção, talvez inversamente proporcional ao fervor interior das emoções. Um tempo do desejo. Um tempo de desejo que cresce no interior de um tempo de espera. Um mundo de expectativas. Uma experiência interior. (...) No silêncio da alma. No bater do coração. Que hoje, claro, continua a bater e sempre baterá. Mas que já não se ouve bater pois só no tempo do silêncio, do desejo, da espera, é possível ouvir bater.
Ora eu, que adoro escrever cartas,  - à antiga, pois claro, - que persisto em escrever à mão e a tinta permanente, e que seja lá por que motivo for, vou também dando cada vez mais importância ao silêncio,  não posso deixar de me sentir tocada por um texto como este.
Mas ainda há mais: há textos que misturam com mestria humor e raffinement. Que se lêem esboçando um sorriso e no fim apetece dizer: é isto!
Chama-se ponteiros parados e posso garantir que merece uma visita. Ou muitas, até...

sexta-feira, 20 de março de 2015

Acontecimentos do dia



Leio, no blogue de um amigo, entendido nestas coisas, o mais interessante texto sobre o assunto do dia. Diz assim:
Hoje, dia de eclipse solar total dentro do Círculo Polar Ártico (paralelo da latitude 66º33'44''N) e parcial em Portugal, uma jornalista da TSF perguntava ao seu correspondente, pousado no norte da Noruega, se o Sol já estava completamente tapado pela Lua e, desta forma, voltava a ser noite. O colega, a tiritar de frio (estavam 24º negativos), disse que ainda não, que o Sol ainda não tinha desaparecido, porquanto ainda não ficara noite. 
Meus caros, ainda não ficara, nem nunca irá ficar noite. Acaso quando o sol está completamente coberto por nuvens escuras fica noite? Não só não fica como posso assegurar que a visibilidade é menor do que num eclipse total do Sol. Quando este ocorre são visíveis duas porções: a umbra e a penumbra. A umbra é a parte do Sol completamente sombreada pela Lua; a penumbra, ou fímbria, é aquela luz em forma de auréola que denuncia a presença do Sol atrás da Lua. Esta luz faz mais claridade que qualquer dia intensamente nublado.
Estes mitos, muito enfatizados pela comunicação social, fazem-me lembrar aquela parte de "As minas do Rei Salomão", traduzido por Eça de Queiroz, em que o herói é salvo por um eclipse que diz ao chefe da tribo dos indígenas ter profetizado, fazendo dele uma espécie de deus. Aqui, os indígenas e papalvos somos nós.
Eclipses à parte, também é hoje, às não sei quantas da noite, segundo dizem, que chega oficialmente a Primavera. E eu gosto tanto disso!...

quinta-feira, 19 de março de 2015

O homem de quem se fala


Não sou grande fã de Júlio Isidro, mas não há dúvida que é um nome incontornável da televisão em Portugal, embora talvez isso nem sempre tenha sido devidamente reconhecido.
E, no entanto, nos últimos dois dias tem sido muito falado. Nada mais justo! A história, que leio no Observador e um pouco por todo o lado, é mais ou menos esta: uma hora antes do início do programa da manhã da RTP, e dada a súbita ausência dos habituais apresentadores, telefonaram a Júlio Isidro para "salvar a situação".
Que tenha aceitado de imediato fazer o programa sem qualquer preparação prévia e que o tenha feito com o à-vontade e o "savoir-faire" que o caracterizam não deixa de ser notável, sobretudo numa época em que o profissionalismo, com demasiada frequência, vai rareando.
Para comprová-lo, vale a pena espreitar como começou, aqui.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Sabor a liberdade


Com as férias mesmo a chegar, redescubro o prazer do aconchego no meu sofá, e de me entregar à preguiça como quem se entrega nos braços de quem ama, de ter tempo até para não fazer nada, de ir noite dentro sem querer saber de toques de despertador a horas obscenamente matinais, nem de obrigações e de campainhas, horários, correrias, algazarra, excesso de papéis, afazeres, confusão.
Agora não quero saber do que não seja este esplendor que se anuncia para daqui a nada, e a volúpia dos dias de sol, de mar e de amigos, de conversas boas  e de despreocupação, de longas manhãs de sono e de sestas com música e livros pelo meio, de cinemas e de passeios sem destino, à deriva pela minha Lisboa, tudo sem dia nem hora, guiando-me só pela minha vontade e o despudor e o luxo de fazer tudo o que me apetece e me dá bem-estar e felicidade, e de poder saboreá-lo devagar, na deliciosa lentidão das horas em que a vida abranda e se sente o tempo a passar.
Sempre tive um fraquinho pelas férias de Primavera, de longe as minhas preferidas... E estas, mereço-as tanto...

terça-feira, 17 de março de 2015

Máximas

 
Une hirondelle ne fait pas le printemps...
 
(Fotografia de Maria Cristina Guerra)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Canções da minha vida (IX)


Na minha vida, a música francesa ocupa um lugar de destaque. É mais do que uma referência; ela moldou-me a personalidade, fez-me crescer e ser gente e, ainda hoje, não vivo sem ela. É mais que uma companhia; é uma marca que trago comigo. Como uma tatuagem, ou uma cicatriz.
E Brel, é claro, é-(me) um nome fundamental, porque é enorme. Poeta, autor, cantor, intérprete, actor, há nele uma força que vem do mais profundo da alma, que lhe explode na voz, e não  pode deixar de emocionar quem a ouve.
A mim, embalou-me amores e desamores, e acompanhou-me em muitas horas boas e más. De sempre. De antes e de agora. Porque nunca me canso de a ouvir. E tendo que escolher uma canção, hesito entre as conhecidíssimas ne me quitte pas, la valse à mille temps, quand on n'a que l'amour, ou la chanson des vieux amants, ou outras menos óbvias, como le plat pays, la quête, mon enfance, les timides, les vieux, les bombons ou la Fanette. Gosto de todas. Hoje, escolho esta...
Lembro-me vagamente de Brel ter morrido, julgo que no final dos anos 70. Mas, na verdade, os artistas assim não morrem nunca.

domingo, 15 de março de 2015

Maturidade

 
Nos homens, como nas mulheres, agradam-me cada vez mais as marcas visíveis da passagem do tempo, nas quais não vejo qualquer sinal de decrepitude, mas antes a lúcida sensatez de quem acumulou vivências múltiplas e se permite ainda as mais arrebatadas e extravagantes loucuras, por se importar menos com as opiniões alheias.
Com a idade, parece-me, é maior o que se ganha do que o que se perde. Perde-se muito em energia e frescura, mas ganha-se em confiança e em calma; aprende-se a viver melhor e mais devagar, a desfrutar as coisas boas e belas, sem a avidez da juventude. Por isso, é-se também mais exigente nas escolhas, porque deixa de se querer tudo e de querê-lo no imediato. Lida-se  melhor com o que se é,  incluindo fragilidades e medos, que se conhecem de trás para a frente, pelo direito e pelo avesso. Assumem-se emoções e vontades, vive-se cada momento na sua imensa plenitude, é-se até, talvez, mais genuíno. Pode a pele enrugar-se e emurchecer, ou o olhar perder o fulgor de outrora, mas não esmorece a alma, nem deixa de pulsar o coração.
Diz-se que a idade está mais no espírito com que se vive do que no número que consta do bilhete de identidade, e eu só posso concordar. De facto, dos vinte aos oitenta, tenho amigos de todas as idades; já no que diz respeito ao amor, não teria agora a menor paciência para um "menino"...

(Fotografia de Juan José Troyano

sábado, 14 de março de 2015

Sossego


Nos dias em que o trabalho ou outro motivo qualquer me obrigam a ficar fechada em casa horas a fio, descanso o olhar em imagens que me tranquilizam, ouço música baixinho, e deixo o pensamento voar... Tudo tem sempre um lado bom.
 
(Fotografia de Maria Cristina Guerra)


 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Ponto final

 
Não gostava de dar a nada um tom definitivo, nem de dizer nunca, nem para sempre. E no entanto parecia-lhe cada vez mais claro que aquele amor que acreditara ser da vida inteira tinha chegado a um ponto em que era impossível voltar atrás, e consertá-lo, e retomá-lo como antes repetidamente acontecera, no tempo em que tinha a certeza que sem ele a vida não tinha cor, ou sentido.
E se às vezes ainda se lhe enevoavam os dias, e entristecia, não era senão a mágoa de saber que já pouco restava do que fora uma paixão imensa e era agora um vazio sem remédio, confundido com outras vontades e medos que lhe assaltavam o peito e o corpo, enquanto pensava que o caminho é sempre para a frente, ainda que talvez não soubesse, ou pudesse, voltar a entregar-se assim.
Não chorava, não sofria. Mas a certeza daquele fim fazia-a, a espaços, tremer de frio pelo lado de dentro, e gelar-se-lhe o coração, ao perceber que ele era afinal previsível e inevitável, e que ela não lhe tinha sequer notado os sinais; que nunca pudera ou quisera ver isso com a mesma clareza com que o via agora; e que o amor que fora tudo, prazer, descoberta, entrega, dor desânimo, risos, lágrimas e saudade - que o amor nunca é simples nem tranquilo - se fora extinguindo aos poucos, até não ser já coisa nenhuma. E nem mesmo o aliciante e incerto do que estava por vir, feito de ânsia e de temor em igual proporção, a conseguia animar.
Aninhava-se no seu canto, virada do avesso, alheada do mundo, desprotegida e assombrada pela ausência de um colo e de um abraço protector, e deixava-se ir na banalidade dos dias que se sucedem a outros dias, envolta em brumas e em ventos que sopravam em todas as direcções, percorrendo caminhos indefinidos, tentando aproveitar a vida como ela vem, sem querer saber de nada, como quem deixa passar a tempestade e espera o regresso do sol para aproveitar a liberdade e a luz, e depois solta os cabelos no vento e sonha com horizontes límpidos e sem limites, e se deixa seduzir pelo arrepio de vontades insensatas, vidas novas, intimidades por descobrir.
 
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quinta-feira, 12 de março de 2015

Canções da minha vida (VIII)


 
Tal como todas as outras de Simon & Garfunkel, esta canção marcou uma época e as vidas de quase todos os que têm mais ou menos a minha idade.
Hoje, ouço-a(s) raramente, mas quando isso acontece não posso deixar de viajar até ao tempo inocente, despreocupado e apaixonante em que o mundo era nosso, a vida se sonhava em grande parte pelos acordes das nossas guitarras, imaginávamos mil caminhos possíveis e acreditávamos que havíamos de conseguir fazer  diferente e melhor.
E, no entanto, não queria voltar atrás; não sou nada nostálgica do que passou e os anos ensinam-nos muito coisa. Por isso, agora, sou ainda muito do que era antes, com o saber acrescentado do que entretanto conheci e aprendi, que fez de mim uma pessoa melhor, tenho a certeza, sempre à procura do equilíbrio entre a serenidade e a inquietação.
Mas, em certos dias, sabe bem voltar a ouvir estas canções...
 
I am older than I once was
And younger than I'll be
That's not unusual
No it isn't strange
after changes upon changes
We are more or less the same
after changes we are more or less the same...


quarta-feira, 11 de março de 2015

terça-feira, 10 de março de 2015

Escolhas


Acabo de tomar uma decisão que pode mudar a minha vida. Gosto de desafios e não sou de pensar muito tempo. Sigo normalmente o coração e o meu impulso, com todo o risco que isso implica. Se fiz ou não uma escolha acertada, só o tempo dirá. Para já, fica esta sensação, misto de alívio e de arrepio. Mas sou uma optimista: vai correr bem...

segunda-feira, 9 de março de 2015

Vozes


Por mais que a partilha do silêncio seja indício de cúmplice intimidade, eu, que sou muito ligada às palavras, deixo-me enfeitiçar com facilidade com uma boa conversa.
E há vozes que podem ser tão maravilhosamente sedutoras, que nem precisam de vir acompanhadas de tolices ao ouvido, revoadas de beijos, repentes, dentes, para se nos agarrarem ao coração, à pele e à vida...

domingo, 8 de março de 2015

A (des)propósito



Não tenho paciência alguma para o "Dia da Mulher" como não a tenho para o "dia" de coisa nenhuma. Podem falar-me de direitos e conquistas e blablabla, mas o próprio facto de haver um dia da mulher não deixa de ser também uma certa forma de discriminação.
Leio muita coisa mais ou menos emocionada por aí e a mim apetece-me, acima de tudo, disparatar...

sábado, 7 de março de 2015

O caminho


Não tenho memória alguma daquele dia 7 em que vi o mundo pela primeira vez; só sei que era quinta-feira, faltavam quinze minutos para as nove e já estava escuro.
Ainda assim sou mais do sol que da lua, por muito que me seduza a noite e o seu envolvente mistério.
Hoje, começa realmente para mim a Primavera, e o dia nasceu abençoado, e trouxe-me tudo aquilo de que gosto: claridade e alegria, muito sol, mar, solidão, companhia. Nem cheguei a sentir a falta das frésias amarelas, porque as consegui ver no sorriso da minha mãe que, mesmo um pouco mais desvanecido, continua a iluminar-me a alma e a vida.
E se, desde aquela distante quinta-feira até hoje, é já grande o caminho percorrido, não tenho de que me queixar, apesar de haver nele algumas inevitáveis zonas mais sombrias.
E porque sou, mais que tudo, dos afectos, é o amor que  ocupa nele o maior e melhor lugar. Por isso, a presença e os abraços dos amigos são sempre o meu melhor presente, o meu aconchego e a minha força.
E assim, com o peito cheio, e entre gaivotas, céu e mar, sinto o prazer de viver, enquanto ecoam canções na minha cabeça: e com olhar esquecido/ no encontro de céu e mar/ bem devagar ir sentindo/ a terra toda rodar; e sou feliz...

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

sexta-feira, 6 de março de 2015

Canções da minha vida (VII)


Num ano, acontece muita coisa. Hoje já nada é o que foi, sem que isso queira necessariamente dizer que agora é pior que antes; é apenas diferente.
Mas cada ano, cada dia, é sempre tempo de outro recomeço, que a Primavera  encoraja e potencia...

quinta-feira, 5 de março de 2015

Detalhes

 

Com o tempo, a vida ensinou-me a não me deixar levar pela má-língua alheia e o que  a motiva, mas apenas simplesmente a observar. Não é nada difícil, para quem, como eu, sempre foi dada à minúcia e é muitíssimo atenta às pequenas coisas aparentemente insignificantes que podem, ainda assim, fazer toda a diferença. Porque é de facto nos pequenos pormenores que as pessoas mais se revelam.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Para a Rosa

 
É claramente uma mulher de Peixes, com tudo o que isso significa, e só podia ter nascido neste magnífico mês de Março. Talvez por isso, é uma das pessoas com quem me entendo na perfeição, sem precisar de muitas palavras.
Apaixonou-se por Lisboa, fez dela a cidade da sua vida, e percebeu então o verdadeiro significado da nossa palavras saudade. Tem pela Nossa Senhora de Fátima uma devoção semelhante à que eu tenho pela Virgen del Rocío e ensinou-me, entre outras coisas, a compreender e a apreciar a sua língua, a sua cultura, a gostar mais do seu país e a verificar que no fim de contas temos muito em comum, apesar das fronteiras que nos separam. Hoje, já é um bocadinho portuguesa, assim como eu sou também um pouco espanhola. Somos diferentes, mas muito amigas.
4 de Março é  o seu dia e hoje marca-o um número muito redondo, lindo, que encerra as milhentas histórias, boas e más, que têm todas as vidas.
Parabéns, Rosa!...
 
 

terça-feira, 3 de março de 2015

Canções da minha vida (VI)

 
 

Há também os dias em que não quero saber de nada, nem ver ninguém; e páro o tempo, e viro-me para dentro, e retraio-me em silêncio e em desamparo do mundo e de mim. É então que a música me faz a melhor companhia. Mas tem que ser francesa, ou brasileira, porque é nelas que encontro músicos/poetas que me aconchegam a alma, seja Brel, Chico, ou Vinícius...

segunda-feira, 2 de março de 2015

Uma questão de civismo e um actor de excepção


Diogo Infante, não o escondo,  é para mim o melhor de todos os nossos actores, ao nível dos melhores de Hollywood, ou mesmo superior a eles. Não lhe falta nada: tem a sensibilidade e a entrega, o profissionalismo, a voz e a figura, o talento e a ousadia. Tudo em doses certas, superlativas até.
Isto faz com que qualquer coisa que ele faça valha sempre  a pena ver, porque é garantia de qualidade. O público reconhece-o, enche-lhe as salas e aplaude-o de pé, longamente. Tenho mais dúvidas que o país político (habituado a dar pouca ou nenhuma importância à cultura) lhe dê o devido valor e o tratamento merecido, que as honras costumam ir apenas para os futebolistas e as vedetas televisivas, elevadas à categoria de estrelas de forma meteórica, com razão ou sem ela.
Na sua página do Facebook, o Diogo escreveu um dia destes:
Este foi o ano em que celebrei 25 anos de carreira!
A "Ode Marítima" e "Cyrano", foram duas prendas maravilhosas que me fizeram crescer como actor e como homem. A todos os que me têm acompanhado nesta viagem incerta mas fascinante, o meu obrigado...

Depois de ver a "Ode Marítima" duas vezes e de  a ter considerado a melhor performance que vi do Diogo até hoje, tinha uma enorme curiosidade em relação a "Cyrano".  Fui e não me arrependi. Porque Diogo Infante é sempre enorme, excepcional, e é-o também como "Cyrano", com destaque para cena final, que chega a emocionar-nos deveras. No entanto, os restantes actores  que com ele contracenam são muito "fraquinhos" e, para mim, que conheço muito bem o original, penso que grande parte de poesia do texto se perde nesta adaptação e tradução para português.
Diria que vale a pena ver a peça, mas não me pareceu sublime, e apenas a interpretação de Diogo Infante a salva da mediania.
A sessão em que estive presente foi além disso marcada por um incidente que o Observador noticiou: em plena actuação, uma espectadora sentada na primeira fila que não parava de utilizar o telemóvel teve de ser posta na ordem pelo próprio Diogo Infante, com a classe que o caracteriza.
De facto, a falta de educação e de civismo vão-se tornando cada vez mais comuns. Uma vergonha!...

domingo, 1 de março de 2015

O melhor mês

  
Chega Março e a vida muda. Desperta a natureza e os sentidos  ficam mais atentos a todos os perfumes, cores e sons. Em Março volto sempre a nascer, na verdadeira plenitude do que a palavra encerra.
É claramente o meu mês, o mais promissor e apetecido, na luz intensa que regressa, na claridade mansa dos dias e na frescura das manhãs e fins de tarde em que encontro uma contagiante exaltação que me faz querer tudo e acreditar.
Março revitaliza-me e enche-me de força, de energia, de boa-disposição. Março é, também para mim,  promessa de vida no meu coração.
 
(Fotografia de Juan José Troyano)