terça-feira, 29 de setembro de 2015

Há anos (atrás)...


Não sei se são os meus ouvidos que andam (ainda) mais sensíveis, mas é impressionante como certas expressões se tornam às vezes uma espécie de "moda", que se vai repetindo um pouco por toda a parte, até à exaustão. 
Depois do "disse-lhe a ele", do "antes prefiro" e do "eu pessoalmente",  o que mais se ouve agora é: "há anos atrás". Um cansaço!...

Coração e razão


Pegar na caneta de aparo pontiagudo, escolher a tinta mais colorida ou mais sombria consoante o humor e o sentimento e procurar criteriosamente as palavras que afastam o mundo e são também a possibilidade de o fazer existir. Mas sobra sempre o que só se sente e não se consegue dizer, nem escrever, nem nada...

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Sol e Lua



De noite ou de dia, não é preciso muito afinal para se ser feliz: basta o calor do sol na calma silenciosa de uma tarde qualquer, o brilho da lua cheia sobre as águas, uma voz conhecida que surge de repente, o desejo que se adivinha no fundo de um olhar, um riso cúmplice e despreocupado, uma mão que passa no cabelo suavemente, a brisa da tarde, e tantas outros pequenos nadas que, parecendo coisa nenhuma, nos iluminam os dias.

sábado, 26 de setembro de 2015

Ah, fadista...


Neste caso, não posso ser considerada suspeita. Há no fado apenas dois ou três nomes que verdadeiramente me tocam, mas não é dos estilos de música que mais me dizem e é até muito raro ouvi-lo em casa.
E, no entanto, ontem pude sentir o mesmo que sentira há cerca de três anos, num concerto de Carminho: a força imensa e arrebatadora daquilo a que poderá chamar-se a "alma portuguesa". E a confirmação de Camané como um artista singular e, a todos os títulos, excepcional.
O espectáculo, irrepreensível do início ao fim, do cenário ao repertório, fez um breve percurso pela sua discografia anterior, mas tinha como pretexto e objectivo a apresentação do CD "Infinito Presente", vinte anos depois do primeiro, e tocado na íntegra.
Só que o que aconteceu durante duas horas, naquela sala silenciosa e rendida à beleza do momento, esteve muito para além disso. Foi magia pura. Emoção à flor da pele. Foi deixar que a voz poderosa de Camané, a solo ou magnificamente  secundada pelo talento de José Manuel Neto (na guitarra portuguesa), de Carlos Manuel Proença (na viola) e de Paulo Paz (no contrabaixo), nos levasse numa viagem marcante ao mais fundo de nós e ao mais bonito da vida. É que há na entrega com que canta, na força da sua voz, combinada com a sonoridade melancólica da guitarra portuguesa, algo que nos perturba e encanta, que nos entristece e faz felizes.
Goste-se muito, pouco, ou assim-assim de fado, será impossível ouvir Camané cantar David Mourão-Ferreira com tanta paixão e não sentir no fundo da alma um certo orgulho de ser português.
No fim apetece voltar outra vez ao início, ou comprar o disco e pô-lo a tocar, repetidamente; porque quando é a alma que canta/ é quando o fado acontece.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Já chegou o Outono


É na luz da manhã e do fim do dia que mais se lhe nota a presença, porque durante a tarde o Verão impõe-se ainda, prolongando-se por um tempo que já não é o seu.
Gosto do Outono e da nostalgia doce e bela que ele traz consigo, misturando sensações de despedida e de novidade, de tristeza e de bem-estar. O Outono é  todo feito de aconchego e de intimidade, é a estação da cidade e do regresso a casa.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Sonhos

Muitas vezes acordamos com a recordação do que sonhámos, e essas imagens perseguem-nos o dia inteiro e enchem-nos a vida de fantasia e vontades várias ...

domingo, 20 de setembro de 2015

Désarroi


Volta-se sempre no encantamento da novidade que tem cada regresso, igual a todos os outros e ao mesmo tempo diferente também, com o coração acelerado e a cabeça cheia de sonhos, de vontades, ilusões e bons propósitos, na expectativa do que está por vir.  Recomeçar é sempre bom...

sábado, 19 de setembro de 2015

Amargo e perturbador


Há qualquer coisa de desconcertante no último filme de Woody Allen, "Irrational Man", do qual não se sai com a mesma ligeireza com que acaba de ver-se um daqueles filmes que se esquecem logo no dia seguinte. E no entanto não é, para mim, uma das suas obras maiores.
Mas um filme de Woody Allen vale sempre a pena ver, porque é um excelente contador de histórias e é isso que faz a diferença, porque mesmo nos seus filmes menores há excelentes actores, e também porque perante a mediania a que temos assistido nos últimos tempos nas salas de cinema  - com muito poucas excepções - este filme, ainda assim, se destaca.
Joaquin Phoenix demonstra aqui uma vez mais o seu brilhantismo e Emma Stone é também muito convincente neste drama que tem a filosofia como pano de fundo, que retoma o tema do crime perfeito, já recorrente em Woody Allen, e que coloca questões de culpa e de moralidade, revelando uma visão profundamente desencantada da vida, comum a todas as personagens, cujos destinos se alteram por pequenos acasos. 
E não deixa de ser curioso, irónico até, mais ainda nos tempos que correm, que a Europa surja como um lugar idealizado e vagamente romântico, para onde se deseja "fugir"...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O poder de um abraço


É a cura de (quase) todos os males e é do melhor que pode haver na vida. O pouco que é muito. E sabe tão bem...

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Isto é francamente mau


Por curiosidade, e com tanta publicidade que tem havido a respeito do assunto, espreitei ontem o novo programa de RAP e sus muchachos, na TVI. Achei-o detestável e sem qualquer graça. Mas, como era o primeiro, dei-lhe ainda o "benefício da dúvida". Hoje, insisti. Fiz mal. E já não quero ver mais. É que é de facto muito mauzinho. 
E depois, quase logo a seguir, por coincidência, encontrei no blogue de Nelson Reprezas um texto que diz muito do que eu também penso. Por isso o transcrevo aqui na íntegra.
Tal como ele, eu também acho que Herman José é o nosso maior humorista de sempre e que o que entretanto tem surgido não consegue seque chegar-lhe perto. A esmagadora maioria  é deste género: não tem piada nem qualidade, acha-se muito importante e o resultado chega a ser confrangedor,  situando-se algures entre o riso amarelo e gargalhada alarve.
O texto do blogue "Espumadamente" chama-se "Já fede". E diz assim:

Provavelmente poderá parecer herético ter dúvidas sobre se os «Gato» têm graça ou acham que são engraçados. Não é de agora, de há muito que acho que os membros do grupo, com particular destaque de RAP, antes de serem humoristas, são sobretudo activistas. Fico na dúvida se são porque são, se são porque acham que vende ou se são porque sim.
Isto a propósito do novo programa (pomposamente, mas com uma conveniente falsa modéstia, comparado ao «Daily Show») dos GF na TVI, a que assisti por curiosidade, especialmente para ver se havia ali algo de novo. Não havia. Uma espécie de rábula do costume sobre a idiossincrasia nacional, a exploração do episódio da pizza de Sócrates e uma permanente atitude chocarreira sobre a nega de Passos Coelho, foi tudo quanto consegui lobrigar.
É o que acontece quando algumas personagens se auto classificam na categoria de «vacas sagradas», uma estirpe que medrou em Portugal com o aplauso generalizado da grei. E aqui cabem humoristas, jornalistas, comentaristas e outras figuras similares. Ao ponto de, no caso dos humoristas, basta dizer mal de um governo geralmente tido como de direita, porque se sabe que o povo gosta. E ri.
Já vi alguns episódios do RAP genuinamente divertidos e inteligentes. Acho, porém, que foi chão que deu uvas. O homem tem-se eclipsado gradualmente e até os indefectíveis parecem ser cada vez menos. Costumo dizer que todos os perus têm o seu Natal. Mesmo os grandes humoristas, como foi o caso do Herman, hoje por hoje, na minha opinião, o nosso maior humorista de sempre. Mas o Herman, pelo menos, perdido o chão firme da televisão, continua a encher salas de espectáculo por esse país fora. Toca viola, piano, canta e produz piadas sem usar da muleta, batoteira, das personagens que para renderem juros, basta que se diga mal delas. Duvido que o RAP consiga fazer o mesmo. A menos que ele ache que, numa qualquer manhã que cante por aí, lhe apareça um dos amigos de cada esquina e lhe ofereça um job a preceito.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Meryl Streep: um talento invulgar


Mesmo eu, que não sou nada dada a hierarquias nos gostos, que não entendo bem o conceito de "melhor amigo", que dificilmente posso escolher o livro ou o filme da minha vida, o meu isto ou aquilo preferido, ou o meu mais e menos seja do que for, atrever-me-ia a incluir Meryl Streep na lista das actrizes que mais me marcaram. Porque ela é tão versátil e excepcional que faz qualquer filme valer a pena. E merece sempre que se lhe aprecie a entrega e o talento descomunais.
Acho que vi todos os filmes com ela, uns inesquecíveis e outros francamente menores. Mas, ainda assim, nunca me arrependo. Porque Meryl Streep faz tudo bem. No mesmo filme conseguimos rir, chorar, emocionar-nos, enternecer-nos e acompanhá-la por todo o leque de sentimentos e sensações que nos apresenta. Com a simplicidade natural de quem sabe. Ou, como dizem os espanhóis, de quien tiene muchas tablas.
É também tudo isto que acontece no filme "Ricki e os Flash", de  Jonathan Demme, agora em cartaz. O filme conta uma história mais ou menos banal e é Meryl Streep que lhe confere singularidade e interesse, no papel de uma estrela rock com performances musicais absolutamente convincentes. Mas, mais que isso, com o seu habitual magnetismo, ela é também um excelente exemplo de que a aptidão e o charme são bem mais valiosos que a beleza e /ou a juventude. 

domingo, 13 de setembro de 2015

Mais cinema


Nesta semana vi dois filmes, quase exclusivamente por causa dos seus actores. Começo pelo último: o título tu veux ou tu veux pas, traduzido rídicula e pomposamente por "Sexo, amor e terapia" na versão portuguesa, não prometia nada de jeito. Mas os protagonistas eram para mim imperdíveis: Pactrick Bruel e Sophie Marceau.
A ele conhecia-o apenas como cantor, apesar de saber que acumulava música e cinema. Não vira ainda as suas capacidades na representação, mas tinha a certeza, pelo menos, de que seria um bálsamo para os olhos. De facto, Patrick Bruel é exactamente o tipo de homem que considero atraente. Tem tudo o que eu gosto: o cabelo ligeiramente encaracolado e os olhos escuros, um certo ar de menino mal comportado, os lábios carnudos, um sorriso sincero e um rabinho bem torneado (como se comprova no filme, de modo mais evidente). Tudo na medida justa.
De Sophie Marceau, pelo contrário, que conheço desde La Boum, em 1980, tenho visto várias coisas, incluindo os filmes de Zulawski, como Mes nuits sont plus belles que vos jours, ou Fidélité. E gosto sempre de a ver representar, para além de a achar  muito bonita e sensual, como se o tempo quase não passasse por ela.
Para além desta dupla irresistível, o filme conta ainda com breves e inesperadas participações de Sylvie Vartan, completamente recauchutada, e de Jean-Pierre Marielle.
Trata-se de um filme ligeiro e divertido, uma comédia na qual o sexo é o assunto dominante e por isso dele se fala abertamente, sem entrar na vulgaridade. Não será uma obra-prima da sétima arte, mas dá para rir e passar um bom bocado.
Para quem domina razoavelmente o francês, aconselho em todo o caso a esquecer as legendas e ouvir apenas os diálogos, que são bem mais deliciosos do que elas deixam supor, como o título e a sua tradução, de resto, já indiciam.

sábado, 12 de setembro de 2015

Paulo de Sacadura Cabral Portas


Dizem que "quem sai aos seus...". A genética explicará, de algum modo, que seja a pessoa que é. Porque tendo como mãe Helena Sacadura Cabral só podia ser, também, especialíssimo. Mas à sua maneira, naturalmente.
Hoje, o Paulo faz 53 anos. O dia é de festa. Eu dou-lhe(s) os parabéns, (à mãe e ao filho) e só espero que lhe(s) aconteçam, sempre, muitas coisas boas...

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Mais do mesmo


De tudo o que li e ouvi sobre o debate de que toda a gente fala  - e em particular os órgãos de comunicação social -, o que mais gostei foi o texto de opinião de Alberto Gonçalves, no DN de ontem. 
Diz isto:
Antes de cada debate político, a "inteligência" exige que se discuta as questões que interessam às pessoas. Após cada debate político, a "inteligência" lamenta que não se tenha discutido tais questões, aliás vagas e dependentes da vontade do freguês. Pelo meio, há fatalmente o tal debate, e desde tempos imemoriais ou, para ser exacto, desde 1960 que se sabe que o resultado do mesmo não está sujeito à firmeza dos argumentos ou a qualquer outro critério racional: ganha o debate quem, graças ao aspecto, à postura e, vá lá, à retórica, pareça tê-lo ganho. Sobretudo o mais frequente é que, à conta desses factores ou de uma extraordinária gafe, alguém o perca. No confronto entre Pedro Passos Coelho e António Costa, não houve derrotados evidentes. Não aconteceram calamidades. Nenhum dos candidatos foi especialmente encantador, nenhum é exageradamente repulsivo. Passos Coelho mostrou--se mais sincero (ou hesitante?), Costa mais frontal (ou plástico?). Nervosos estavam ambos, embora não em demasia. Passos Coelho delirou com alguns indicadores simpáticos. Repetiu eufemismos (ex.: "mistificação" em vez de "mentira"). Explicou-se razoavelmente, sendo, porém, incapaz de entusiasmar um corso carnavalesco. O Dr. Costa tropeçou tipicamente em metade das palavras e em dois terços das sílabas. Apresentou gráficos indecifráveis em televisão. Incorreu em sucessivas "mistificações" (a dívida da CML, de facto "reduzida" através da venda de terrenos ao Estado; ou o falso "corte" dos 600 milhões na Segurança Social). Descontada a coreografia, o que sobra? Satisfeito com o precário êxito, Passos Coelho dá a ideia de não levar o futuro em consideração. Comprometido à força com o abismo "socrático", Costa é apenas passado. Um quis dirigir a conversa para os governos de José Sócrates (com relativo sucesso) e para a Grécia (nem tanto). O outro para a austeridade. Ignoro o que assusta maior quantidade de eleitores. Isto sobre o conteúdo (?). Sobre o invólucro, roçou o insuportável, agravado por três moderadores empenhados em impedir cinco frases seguidas. Em suma, o debate não esclareceu o que interessa às pessoas. Calha bem, já que suspeito que as pessoas também não se interessaram pelo debate, cuja vitória, diga-se, a "inteligência" atribuiu a Costa. Mas esse particular triunfo fora decidido à partida.
É que, também eu, se tivesse que definir este debate numa palavra, diria apenas isto: desinteressante.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A fragilidade da vida


Mesmo sabendo que não é assim, tendemos a acreditar que duramos para sempre, assim como aqueles a quem muito queremos, ou até os que apenas conhecemos. E por isso damos muitas vezes importância ao que não tem significado ou valor algum, enquanto adiamos os momentos de apertar nos braços as pessoas que amamos, e calamos o que nos vai no coração. Porque achamos sempre que (ainda) temos tempo. Muito tempo...
Como diz José Tolentino de Mendonça: "Privamo-nos a nós próprios do tempo necessário para colher o sabor, o silêncio ou as cintilações que temperam a vida. (...) As nossas sociedades medem infelizmente o seu progresso esquecendo domínios da vida humana que não são mensuráveis e que têm a ver com a interioridade, a criação, o dom, a alegria, o sentido."
E só diante da brutalidade da notícia de uma morte repentina é que nos damos realmente conta de como são ténues os fios que nos ligam à vida; é então que temos a real consciência da nossa  pequenez e finitude.


(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sinais


Em cores, cheiros, aragens e outros pequenos indícios, o Outono já se faz anunciar...

(...)
Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'iles viennent du bout du monde
Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

                                         (Charles Baudelaire, L'invitation au voyage)


(Fotografia de Vis Paris)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Em trânsito


Amanhã regresso ao quotidiano de transportes públicos, com todas as esperas, ligações, percursos mais curtos ou mais rápidos, e todas as contingências que lhe estão também associadas. Mas estou de tal modo habituada a esta rotina, que não chega a aborrecer-me, contrariamente ao que muitos poderão pensar. E quase me divirto.
Gosto de observar as pessoas e de lhes adivinhar as vidas, imaginando-lhe histórias a partir do que vestem ou calçam e dos gestos, olhares, palavras, atitudes.
Raramente leio, ouço música, ou me distraio com o telemóvel. Prefiro assistir ao nascer do dia, olhar quem me rodeia, ou distrair-me do mundo sentada em sossego no meu canto, perdida nos meus pensamentos, entre planos, divagações de todo o tipo e espreitadelas desatentas à cidade de que eu tanto gosto e vejo acordar devagar. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Ler e escrever


Confesso que não gosto nada dos "Deolinda", como também não costumo gostar particularmente do que escreve a Ana Bacalhau nas crónicas da "Notícias Magazine", aos Domingos.
Mas esta semana abro uma excepção. Porque o texto se refere, desta vez, à importância da leitura, da escrita e do domínio da língua materna. 
E agora que começa um novo ano lectivo, voltará provavelmente a polémica  relativa aos trabalhos de casa. Como se alguém pudesse aprender alguma coisa sem um trabalho individual e continuado de prática, de sistematização e de consolidação do que se vai aprendendo.
Diz assim:
(...) o domínio da língua materna irá influenciar a forma como nos relacionamos com o mundo. Para os mais materialistas importará saber que por mais afastada que pareça estar a profissão que se escolhe da necessidade de domínio da língua materna, quem de facto não adquira competências básicas nunca conseguirá passar de um certo nível na sua carreira. Afinal, os números têm que ser explicados, por escrito ou oralmente. As ideias, defendidas. As opiniões, debatidas. Mas para lá das profissões e sucessos materiais está o sucesso da nossa vida enquanto seres sociais.(...)
Se a língua nos aprisiona, porque, não a dominando, nos limita a expressão, o espaço comum que construímos será também menor. Se, pelo contrário, pudermos usar todas as ferramentas que ela nos dá para descrevermos o nosso mundo aos outros, então, o espaço construído será muito maior e mais diverso.
Para que possamos alargar o nosso mundo linguístico é obrigatório que leiamos tudo. Não apenas documentos técnicos, jornais ou revistas. A literatura é precisa também para que consigamos perceber todas as possibilidades de expressão que a língua nos oferece. E a escrita, uma necessidade de ordem prática, sim, mas também de ordem criativa.
Com as palavras moldamos o nosso mundo. É do nosso maior interesse portanto que saibamos lidar com elas da melhor forma para que o pequeno mundo que vamos construindo através do nosso discurso seja também o melhor possível.
A apetência para as palavras facilita, mas não desculpa quem com ela não nasça. (...) Em tempo de regresso às aulas, pareceu-me importante falar da importância da língua e do trabalho a que obriga o seu domínio. E, acima de tudo, vincar a recompensa que recolhemos depois de feito o trabalho árduo: o prazer de escrever por prazer. E de ler, acrescentaria eu...

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Como uma luz


Na insensatez do querer há também os momentos perfeitos em que alguma coisa se desata e se revela de repente, no calor de um abraço silencioso onde sabe bem abandonar-se e onde podem caber o mundo e a vida inteira. E encontrar no fundo de outros olhos um abrigo a saber a paraíso e a eternidade. Então, nem é preciso dizer nada. No toque da pele, entre aconchegos e afagos, chega a certeza de que o que verdadeiramente importa é muito mais sublime que todas as pequenas vicissitudes do quotidiano.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Tenho uma pergunta para si


Não tenho. Sei bem o que pensa Paulo Portas. Mas não posso, ainda assim, deixar de estar presente. Porque acredito e confio. Porque gosto muito de Paulo Portas, identifico-me com o que ele defende e acho que a política é isto mesmo: uma mistura de paixão e racionalidade.
Admiro-lhe  a inteligência e a capacidade de trabalho, a educação e os valores, o rigor das palavras, o fervor com que se entrega ao que faz e a força com que defende aquilo em que acredita. 
Tenho pena que não possa ser ele a estar à frente dos destinos do nosso país. 
E gosto muito de o ouvir. Porque as suas palavras não são palavras de circunstância, vazias de sentido, mas palavras de significado profundo, de quem sabe o que quer e para onde vai. E ama o que faz. É assim que são os verdadeiros leaders: capazes de nos encher a alma  e de nos puxar pelo empenho e pelo querer, de modo a darmos também o melhor de nós para o bem comum.
Hoje, Paulo Portas vai estar em directo, às 20.30 h, na TVI e na TVI 24. E eu acompanho-o, naturalmente.


(Fotografia de Isabel Santiago Henriques)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Um bom filme


Do mesmo realizador de "O Fabuloso Destino de Amélie", Jean-Pierre Jeunet, e fazendo com que nos lembremos disso em muitos momentos, "O jovem prodígio T. S. Spivet" é um dos mais interessantes filmes que vi nos últimos tempos. 
O argumento, da autoria de Jeunet e Guillaume Laurant, é uma adaptação do romance "The Selected Works of T.S. Spivet", de Reif Larsen, e  conta no elenco com Helena Bonham Carter, apesar de ter na presença do estreante Kyle Catlett a sua maior estrela, que contribui grandemente para fazer do filme o que ele é: uma espécie de "road movie" cheio de humor, de ternura e de um encanto quase poético, que tem como protagonista uma criança prodígio, de dez anos, que vai sozinha de Montana a Washington DC para receber um prémio pela sua invenção científica. Mas trata também de solidão e de culpa, da complexidade do luto e dos laços familiares, à mistura com imagens lindíssimas e outras bem mais extravagantes, associadas a efeitos especiais mais ou menos típicos dos filmes de Jeunet.
Curiosamente, trata-se de um filme de 2013, uma co-produção canadiana, francesa e australiana, que chega até nós dois anos depois por problemas relacionados com a distribuição, os quais não importam muito para o caso. É que, seja como for, este é um filme que vale a pena ver.

Infâncias de outro tempo


Todos os que, como eu, nasceram um pouco antes da era tecnológica e se recordam ainda de como era a vida sem computadores, telemóveis e redes sociais, lembrarão também o fascínio que o View Master tinha sobre nós. 
Olhamos agora para aquela maquineta com o mesmo sorriso condescendente e quase envergonhado com que olhamos para velhas fotografias em que aparecemos com roupas que nos parecem hoje estranhamente antiquadas e achamo-la demasiado rudimentar, ao mesmo tempo que nos devolve a nossa infância inteira e uma certa nostalgia dos anos já longínquos em que aquela espécie de binóculo de plástico nos contava histórias luminosas e coloridas, ou nos mostrava lugares distantes, uma imagem nova a cada clic na manivela lateral, e deixava que nossa imaginação fizesse o resto.
Numa época em que mesmo o acesso à televisão tinha limites muito rígidos de dias e horas, pelo menos na nossa casa, o View Master poderá ser um dos grandes responsáveis pela enorme paixão que tenho pelo cinema desde sempre, ainda antes das matinées no Monumental, quase  ao lado de casa, onde havia sempre antes do filme uns documentários dobrados em brasileiro, cujas frases, de tão repetidas, continuam a ecoar nos meus ouvidos: "...e quando chega Inverno, as lontras levam suas crias..."
No fundo, as histórias que comecei a ver no cinema eram mais ou menos as mesmas do View Master, mas em formato gigantesco, e já sem ser necessária a ajuda do dedo para fazer rodar as imagens.