terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ri-pi-pi tro-la-ró



http://www.youtube.com/watch?v=5TXXbd4Tjoc
Hoje é um daqueles dias, ou melhor, uma daquelas noites em que nos sentimos obrigados a ser felizes, contentes e cheios de boas intenções. A rir muito, a dançar e a saltar, a comer e a beber excessivamente.
Eu tenho uma aversão desmedida  por alegrias generalizadas, com data marcada no calendário, como uma inevitabilidade a que não se pode escapar. Irritam-me as festas impostas em determinado  dia e hora. Esta é para mim uma noite como as outras. É a última do ano. E então? Temos que nos despedir? É um ano que acaba porque tudo tem um tempo de existir. Apenas isso.
E, no entanto, gosto da ideia de recomeço associada ao novo ano, e além do primeiro dia de Janeiro há no ano outros recomeços: o da rentrée, em Setembro, ou o dos meus anos e o da chegada da Primavera, quase coladinhos um ao outro, no mesmo mês.
Guardo a minha euforia para esses dias em que, por um motivo meu e não do mundo inteiro, ou até sem uma razão aparente, sinto que tenho alguma coisa para comemorar, ou fico feliz repentina e inesperadamente.
No fim do ano, prefiro  recolher-me no meu espaço de intimidade e reduzir ao mínimo as palavras sem significado e os gestos de circunstância, tantas vezes vazios de sentido. Ainda assim, para todas as pessoas de quem eu gosto e quero saber, para as que trago no coração, para as que estão comigo de algum modo, mesmo quando estão fisicamente longe, para as que têm também por mim  afecto e consideração, eu quero muitas coisas boas, mas acima de tudo saúde, que é a melhor de todas elas. Porque o resto vamos nós procurando pelo caminho, que é feito de escolhas e incertezas, de luzes e de sombras, de avanços e recuos, de esperas e desejos, e promessas e vontades.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O Passado



É um filme iraniano, mas passado em Paris e falado em Francês - razões mais que suficientes para eu o querer ir ver. Além disso, tem Bérénice Bejo, de cuja presença fortíssima me lembro desde "O Artista", apesar de aí não haver sequer palavras (ou talvez justamente por isso mesmo). 
Não conhecia o realizador, Asghar Farhadi, que em 2012 ganhou o Óscar do Melhor Filme Estrangeiro e vários outros prémios com "Uma Separação", que eu não vi, e do qual, segundo lera, este filme seria uma espécie de continuação, pelo menos em termos temáticos. 
Fui; e não me arrependi. É um filme intenso, dramático, sobre a complexidade dos afectos, o desgaste das relações e o que sobra delas. Sobre a responsabilidade e a culpa; ou a sua ausência. Mas contido, também. Porque o que nele nos toca e impressiona é o que não é dito, nem mostrado, mas está lá de igual modo, nos silêncios, nos olhos de cada um, nos gestos por fazer, nas palavras que não chegam a pronunciar-se, na impossibiliade de voltar atrás no tempo. 
Bérénice Bejo, em cujo talento e magnetismo já reparara antes, convenceu-me em definitivo. Mas os restantes actores não lhe ficam atrás, com especial destaque para Ali Mosaffa como Ahmad, sereno, quase ternurento, e os não menos importantes papéis desempenhados pelo elenco mais jovem e infantil, Pauline Burlet (Lucie), e também Elyes Aguis (um fantástico Fouad) e Jeanne Jestin (como Léa). 
Este é, pois, digo eu, mais um filme que vale a pena ver.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Quando o nome não é tudo...


Dos cozinheiros da moda (Avillez, Sá Pessoa, Olivier e Vítor Sobral), todos, de facto, muito bons, Olivier é talvez o meu preferido. A recordação  de um fantástico jantar numa noite de Setembro de há meio dúzia de anos no restaurante do Bairro Alto, que já nem existe, e aquele inesquecível menu de dégustation em que cada prato era de "comer e chorar por mais" é uma das minhas melhores memórias gastronómicas.  E, depois deste, já visitei outros restaurantes com a assinatura Olivier, de onde voltei sempre muito satisfeita.
Naturalmente, quis conhecer o seu mais recente espaço - Honra - situado bem no centro de Lisboa e com um interessantíssimo conceito, que consiste em reabilitar as mais tradicionais receitas, as que são genuinamente portuguesas e, por isso mesmo, motivo de orgulho para todos nós. Abriu na Primavera, no meu mês (Março), creio eu, mas ainda não tinha ido lá, pelas mais variadas razões. Fui agora.
O espaço é bonito, embora um pouco escuro e a comida excelente, como é sempre tudo o que tem o nome Olivier.
E, no entanto, o restaurante não convence. Porquê? Porque o serviço é péssimo. À chegada, houve logo um episódio desagradável: apesar de a reserva ter sido feita com três ou quatro dias de antecedência, foi uma "confusão", pois não sabiam qual era a mesa que nos estava destinada e naquele momento (que era a hora que tínhamos marcado) não havia nenhuma disponível. Resultado: cerca de meia hora à espera, ou, como alternativa, restava-nos a "mesa corrida", o que rejeitámos. Tudo isto, sendo inadmissível num restaurante deste tipo, foi tratado como se fosse uma coisa absolutamente natural, sem lugar, sequer, a um pedido de desculpas formal e convincentemente formulado. Porém, uma vez ultrapassada a questão, o serviço manteve-se pouco atencioso, demoradíssimo e muito pouco profissional. Pouco digno de um restaurante como este e da excelência a que Olivier (me/nos) habituou.
Dir-se-ia, neste caso, "no melhor pano cai a nódoa". É pena!...
Quem procura um restaurante assim não procura apenas boa comida, mas também um ambiente acolhedor e um serviço atencioso, competente e de qualidade. Comi muito bem, é verdade, mas não fiquei com muita vontade de lhes dar de novo a Honra da minha visita.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Sonho(s)

 
É um dos meus sonhos mais loucos: ficar rica de repente, não sei como,  poder pôr uma licença sem vencimento e ir viver um ano para Paris.
Porque, depois de Lisboa, é esta a cidade que me apaixona e que eu trago sempre no coração.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Acreditar



Para os que acreditam, o Natal é, acima de tudo, pureza e simplicidade. E amor. E fé. 
Quando eu era pequena, era com a Missa do Galo que se iniciavam os festejos. Agora, já há muitos anos, substitui-se a meia-noite pelo meio-dia. Mas a missa continua a ser imprescindível; e o Natal não faria para mim grande sentido sem aquele momento tão puramente espiritual. É que, apesar  de muito diferente de antes, o meu Natal ainda é todo "Menino Jesus." E emociono-me sempre: com o recolhimento e os cânticos, com os  sinos e a exultação, e com todo o ritual.
Hoje, enquanto ouvia as palavras do Padre Feytor Pinto, ou escutava a igreja cheia de gente a cantar em coro "Noite Feliz", pensava que num mundo tão cheio de dificuldade, desencanto, desalento e sofrimento, determo-nos diante do presépio, deixarmo-nos tocar e comover com a sua lição de humildade e acreditar que esta luz dá sentido à nossa vida e nos permite vivê-la com mais esperança e alegria é, de facto, um verdadeiro mistério da fé. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A todos um Bom Natal!...



http://www.youtube.com/watch?v=WUCbZhIfQbA

A caminho dos dois anos de andanças pela blogosfera, é a todas as pessoas que conheci neste mundo tão especial e tão diferente que dedico este post. É para todos aqueles que, mesmo sem saber como soam as suas vozes ou os seus risos, e sem nunca nos termos olhado nos olhos, passam por aqui, lêem o que escrevo e às vezes o comentam; e também para todos os que eu leio e com quem aprendi que há afectos e cumplicidades que nascem através das palavras; e que a amizade pode ter todas as formas que lhe quisermos dar.
É por tudo o que me fizeram pensar, pelas personalidades e sensibilidades próximas da minha, ou absolutamente distintas, por aquilo de que rimos juntos, pelas vezes em que, concordando ou discordando, partilhámos ideias e opiniões, pensamentos e sentimentos, que vos dou hoje este abraço enorme, Paulo, Helena, Faty, António, Pedro, Miguel, Madalena, Teresa, Sérgio, CF, Carlos, Nelson e todos os outros, cujos nomes não menciono, mas que também vão passando por cá, de forma mais ou menos constante.
A todos eu desejo um excelente Natal e muitas coisas boas, saúde, amor, alegria e felicidade sem fim...

domingo, 22 de dezembro de 2013

Boas surpresas



Apesar de não serem muitos, não escapo à saga dos presentes de Natal. E ontem, em plenas compras, houve um episódio insólito, que me encheu de alegria. Na perfumaria do Corte Inglés, em animada conversa sobre as vantagens da base em pó e o tom ideal para a minha pele, a empregada que me atendia disse de repente que tinha um agradecimento  a fazer-me.
Perante o meu ar surpreendido, que apenas imagino, esclareceu-me: "Eu tenho trinta e um anos e de certeza que não se lembra de mim, mas foi minha professora de francês, na escola azul. E o que aprendi consigo serviu-me para vida. Tive Francês até ao 12º ano, sempre com boas notas e, graças às bases que tive, nunca tive dificuldade alguma; e já me foi muito útil." Não me lembrava daquela cara, nem do nome, de facto, apesar da minha boa memória. Ela ainda se lembrava bem das minhas aulas e deu alguns exemplos do que fazíamos. Disse-lhe que não tinha feito mais que a minha obrigação. "Sim, mas nem todos o fazem assim", respondeu. Agradeci enternecida e ligeiramente envergonhada, mas confesso que, mesmo não sendo a primeira vez que ouço coisas deste género, emociono-me sempre um bocadinho. É nestas alturas que sinto que todo os momentos valem a pena, incluindo os menos bons; e que me pergunto se não estará já na altura de voltar à escola. 
Depois lembrei-me da Ana Filipa Nunes a dizer-me que não podia esquecer-se de mim porque eu tinha sido a professora que mais a marcara e que até tinha contribuído, em parte, para que se decidisse pelo jornalismo. E do livro que me fizeram os alunos daquele saudoso 9º B de 2009, recordação dos três anos  que vivemos juntos e em que eu fui a Directora de Turma, com palavras  queridas e simpáticas, escritas por cada um deles. Fui buscá-lo à prateleira da estante onde o tenho guardado e deliciei-me a reler o que (me) escreveram com quinze anos, no fim de um percurso nem sempre fácil que fizemos em conjunto. Como isto: "Lembro-me que no primeiro ano que estive com  a professora lhe virava a cara, pois não me interessava o que me dizia. Mas, com o passar do tempo, (...) ensinou-me a sair da concha e mostrou-me o lado positivo da vida" ou "A professora ajudou a tornar estes três anos marcantes".
Vá lá, só por hoje, deixem-me ser um bocado vaidosa!..

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Despedida do Outono












Amanhã chega o Inverno. Hoje, é tempo de de arrumar o Outono e de lhe dizer adeus. E eu, que sou toda das palavras, às vezes também me calo e apenas olho. Aqui ficam, pois, as cores do Outono em imagens.

(Fotografias do blogue Pé-de-Meia de mfc,- as duas primeiras; da internet - a terceira e a penúltima; e as outras são minhas, que não ousando sequer concorrer com tantos bons fotógrafos que conheço, às vezes também gosto de "capturar" instantes, na tentativa mais ou menos vã de fazer perdurar um arrebatamento qualquer...)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Tempo de Natal e um abraço bom

Através da minha enorme janela, olho a cidade que está para lá do vidro e vai despertando na manhã fria e chuvosa, vejo as luzes e os carros a deslizar pelo piso molhado, os chapéus claros, escuros, lisos, ou de padrão, que dão um colorido diferente a quem passa apressado, e as copas da árvores de um verde cada vez mais amarelecido pelo Outono, a agitar-se ao vento.
Olho tudo, demoradamente. Gosto de ficar a observar a vida lá fora. De lhe dar atenção. Porque há nisso qualquer coisa de tranquilizador. Como se tudo estivesse no sítio certo.
Agora, já sinto que é Natal. Nesta época gosto de frio, de chuva e dos dias cinzentos, levemente melancólicos, que dão um sabor especial ao regresso a casa e que eu associo a lume, a bebidas quentes, a harmonia, a companhia e a intimidade.
É talvez porque este é um tempo de afectos e de união, que me dá uma vontade imensa de estreitar num grande abraço todas as pessoas de quem eu gosto, as que me são próximas e me importam, as que estando fisicamente mais perto, ou um pouco mais longe, me ocupam o pensamento e o coração.
E o que é que pode haver de melhor, no Natal, que um longo e sentido abraço de quem se quer bem?

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Dançar à chuva e outros prazeres




Todos os dias guardam segredos e os dias de chuva também podem ser dias felizes: basta uns braços que nos agarrem e apertem contra o peito, um toque de pele, uma mão a deslizar pelo cabelo, corpo fora, uns olhos para nos perdermos, ou um riso familiar... E é tão bom, então, deixar-se ir na doce suavidade de um beijo que se prolonga, no corpo a estourar de desejo, na paz que vem depois do amor; e entregar-se ao prazer assim, embalados pelo ruído manso da chuva, apaziguando tristezas e dúvidas de corações descompassados e corpos em sobressalto, no aconchego de um abraço que se eterniza, que não importa sequer quanto demora, porque nele cabe tudo o que se esconde e se revela apenas olhos nos olhos, o que está para lá das palavras e não precisa de ser dito, o que não exige mais do que sorrisos e silêncios sublimes, nos instantes perfeitos em que é possível deter o tempo, demorar o presente, e só ser.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um filme polémico



Em geral, desconfio dos filmes de que toda a gente fala. Ou muito premiados. Resisto algum tempo a ir vê-los e, não raras vezes, acabam por ser uma desilusão. Foi talvez por isso que, apesar de La Vie d'Adèle já ter estreado há mais ou menos três semanas,  ainda não o tinha ido ver. Mesmo sendo um filme francês, de que eu gosto quase sempre, nem que seja para ouvir a doce musicalidade da que é, para mim, a língua mais bonita do mundo. Mesmo com a "Palma de Ouro" do Festival de Cannes.
Mas, desta vez, havia ainda outra razão a justificar o meu atraso: o filme não estava no Corte Inglês, nem nas Amoreiras, que são os cinemas onde eu gosto de ir. Enfim, lá aconteceu.
É um filme enorme, que dura três horas. Longo demais, diria eu, e tornando-se por isso, a certa altura, ligeiramente maçador.
Tem Adèle Exarchopoulos no papel principal e é ela que faz o filme valer a pena. Uma verdadeira revelação, na sua imensa naturalidade, na sua juvenil frescura e numa sensualidade desarmante, que a torna belíssima, e mesmo inesquecível. Porque além de Léa Seydoux, com quem contracena, o filme é ela e a forma como namora a câmara, fazendo-o sempre como se não a visse.
Durante três horas acompanhamos a vida de Adèle nos seus aspectos mais comuns, na escola, a dormir, a comer, depois a trabalhar. E, também, ou talvez principalmente, experimentando o afecto e o prazer, descobrindo-se a si mesma enquanto descobre, lenta e dolorosamente, o amor, o corpo, o desejo, o sexo. Adèle é a menina que se faz mulher entre incertezas e vontades, na perplexidade de um mundo novo que se lhe revela, e que vai esbanjando erotismo em cada momento, quando ri, quando chora, quando come, quando dorme, quando fala e quando se mantém em silêncio.
Sem entrar na polémica que, terminada a rodagem, opôs as actrizes ao realizador (o franco-tunisino Abdellatif Kechiche), as quais o acusaram de lhes provocar sequelas emocionais por ter levado aos limites a exploração da sua intimidade, diria que são de facto excessivas e demoradíssimas as cenas de amor lésbico entre Adèle e Emma.
Parece-me, de resto, que há hoje uma certa tendência, sobretudo em meios pretensamente mais intelectuais, de algum exibicionismo em relação à homossexualidade, o que é muito óbvio neste filme. E não era necessário ir tão longe.
Aceito e respeito a homossexualidade, embora não a consiga entender e não possa deixar de a achar um pouco estranha, uma espécie de amor "ao espelho", em vez da procura da alteridade. Dito isto, não me parece que quem é homossexual tenha de se esconder, como é óbvio, mas cair no extremo oposto, o da ostentação, como se isso fosse um sinal de modernidade, é também um exagero.
Não posso pois dizer que não gostei, ou que não há, pontualmente, coisas muito boas e marcantes, até, mas não achei o filme tão fantástico e imperdível como ouvira dizer.
E, pode até nem me ficar muito bem dizer isto, mas, sinceramente, há ali "fufalhice" a mais para o meu gosto.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Bairro Alto




Não sou muito dada a efemérides, mas os 500 anos de um dos bairros mais típicos de Lisboa é, apesar de tudo, uma data a assinalar.
"O Bairro", como é conhecido pelos seus mais assíduos frequentadores, é um misto de Montmartre e Saint-Germain-des-Près, mas à escala portuguesa, e com todas as características mais peculiares de Lisboa antiga: decante, romântico, nostálgico, boémio e fadista. 
Com uma forte ligação aos artistas e uma vista deslumbrante sobre a cidade, é um lugar de contrastes, onde a Lisboa mais remota e a mais vanguardista se misturam e coexistem com encanto e graça, e onde a noite se vive, sempre, até chegar o dia.  
Dizem-no descaracterizado relativamente ao que já foi outrora, mas continua, ainda assim, a ser um lugar especial, de visita obrigatória e frequente   para quem aqui vive, ou para quem apenas está de passagem. Porque este é um dos muitos locais de Lisboa que a torna uma cidade inesquecível, a que ninguém pode ficar indiferente.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Natal antigo



Foi talvez por ter estado ontem num jantar em que acabámos todos a desejar-nos "Um Santo Natal", que percebi claramente que já falta tão pouco tempo e, sem saber porquê, me lembrei de como era o Natal no tempo em que os dias pareciam sempre enormes e as Boas Festas se desejavam em bonitos postais escritos à mão, como eu gosto.
Naquela época, eu era ainda uma menina, e toda a azáfama que antecedia a festa me parecia mágica e misteriosa, apesar de repetida cada ano. Não havia a euforia consumista de agora e tudo se centrava na alegria um pouco poética de um Menino que nascia para nos salvar.
Lembro-me do cheiro a cera e a canela, do tilintar das louças, da alegria de ver entrar o pinheiro, que era muito grande e um pinheiro a sério; das jarras cheias de azevinho; da excitação dos enfeites que demoravam uma tarde inteira a preparar e colocar nos sítios certos, com bolas e grinaldas coloridas espalhadas por todo o lado; e das tias a recortar estrelas em papel de lustro e cartolina, a fazer anjinhos de cartão, a ajudar a pendurar as bolas na árvore e a pôr lá no cimo uma estrela, naquele sítio mais alto onde nos parecia impossível que se pudesse chegar.  O presépio estendia-se ao longo do móvel da sala de jantar, tinha musgo e montes feitos de papel de cenário grosso, castanho escuro, com bolas de jornal por baixo para fazer o efeito das elevações, e muitas figuras pequeninas, ovelhas, pastores, reis magos e querubins, que nós adorávamos ir fazendo avançar, discretamente, por aquele cenário, dia após dia, até estarem todos juntinhos, quase amontoados diante do Menino Jesus, para grande irritação dos adultos lá de casa, que  voltavam a colocá-los nos lugares de partida sem que nós entendessemos bem porquê.
Havia a Missa do Galo, na Capela do Rato, que era a parte mais espiritual, a que dava sentido ao resto, tudo bem agasalhado e trajado a rigor, entre o cheiro a velas, o silêncio do recolhimento que a solenidade  exigia e cânticos de alegria, onde nunca faltavam o Adeste fidelis, a Noite Feliz e o Gloria in Excelsis Deo. Nessa noite custava-nos sempre mais a adormecer e, ao mesmo tempo, queríamos que o tempo passasse depressa, porque no dia 25 o Menino Jesus já tinha nascido e havia presentes logo de manhã; e depois o almoço de família.
Hoje, é tudo muito diferente: a casa já não é a mesma, já não vamos à Missa do Galo, muitos  partiram entretanto, outros chegaram. Mas a essência continua a mesma. Por isso o meu Natal não tem Pai Natal, não se centra nos excessos de comida e de bebida, nem na corrida desenfreada e alucinante das compras. E também não escrevo uma mensagem com frases feitas e palavras de circunstância que envio num só clic a todos os meus "contactos."
No "meu" Natal, continua a ser obrigatória a missa e o almoço de família, mas os presentes reduzem-se a dois ou três, porque não é isso que conta. E às pessoas que verdadeiramente significam alguma coisa na minha vida eu telefono, eu escrevo, ou aperto nos braços, mas individualmente e de forma  personalizada, porque cada uma delas é também  especial para mim.
É  que apesar de já não me lembrar que idade teria, ainda me lembro da desilusão de perceber que não era o Menino Jesus que vinha deixar presentes durante a noite.  Mas isso não quebrou o encanto desta época de luz, emoção  e cumplicidades que é, acima de tudo, um tempo de simplicidade e de afectos. De amor.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Canções que nos embalam...


Ontem à noite, de novo, um daqueles concertos de que eu tanto gosto. Genuíno, intimista, sem grandes artifícios; apenas luz e som, três músicos, um piano, uma guitarra e um acordeão e, acima de tudo, muitas emoções de um lado e do outro do palco. Como se não houvesse separação, e estivéssemos todos juntos, na sala lá de casa.
Não tenho nenhum disco de Jorge Palma. E, no entanto, ao vivo, esta foi a quarta ou quinta vez que o vi. Foram todas diferentes e cada uma delas especial. Porque se trata de um artista maior, excelente músico e, acima de tudo, também, de certo modo, um poeta. A lembrar os velhos ícones da "Chanson Française" - Ferré, Brel e Brassens.
Jorge Palma é talvez, para mim, quem tem das melhores letras de canções da música portuguesa, juntamente com Carlos Tê e João Monge. Todos verdadeiros artífices das palavras, capazes de, com palavras simples, dizer coisas muito bonitas e, com elas, embalar-nos os sonhos. Um exemplo:

Não sei se era maior o desejo ou o espanto 
Mas sei que por instantes deixei de pensar 
Uma chama invisível incendiou-me o peito 
Qualquer coisa impossível fez-me acreditar 

Em silêncio trocámos segredos e abraços 
Inscrevemos no espaço um novo alfabeto (...)

Jorge Palma tem ainda a acrescentar a tudo isto uma peculiar irreverência e a sem-cerimónia de quem está ali tal e qual é, no despojamento de quem se entrega inteiro e (nos) desvenda a imensa paixão que a (sua) arte lhe suscita, o que chega a ser comovente, divertido, sério, intenso e arrebatador. Tudo ao mesmo tempo.
É difícil encontrar as palavras certas para dizer uma emoção, mas, ontem, durante duas horas, deixei-me embalar pela música de Jorge Palma, viajei com ela para a "Terra dos Sonhos", e regressei com a alma cheia, quase a transbordar.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

"Adorar muito" (ou exageros de amor e outras redundâncias...)



Como se já não bastassem todos os "eu antes prefiro", os "encarar de frente", "eu disse-lhe a ele" e "eu pessoalmente", ou os ainda mais óbvios "subir para cima" e "entrar para dentro", há agora a nova moda do "adoro-te muito", que vai ganhando cada vez mais adeptos.
Lembro-me que foi na escola que comecei a ouvir os adolescentes "adorar muito" o que quer que fosse: do(a) namorado(a) à música do momento, passando pelo prato preferido, ou qualquer outra banalidade. Mas era sobretudo para manifestar um afecto excessivo que a expressão mais se aplicava.
Diversas vezes expliquei, com zelo e paciência, que adorar era sinal de um querer extremo, com um elevado grau de significação, não necessitando, por isso mesmo, de ser superlativizado. Porque a palavra em si mesma já indicia muito amor, uma estima desmedida, devotada, aproximando-se, até, da veneração.
Nada a fazer! Hoje, os "adoro-te muito" alastraram como cogumelos e ouvem-se por todo o lado, ditos pelas mais insuspeitas criaturas, convencidas de que manifestam assim de modo mais expressivo e profundo a intensidade dos seus "sentires".
Enfim, amemo-nos muito, pouco, assim-assim ou loucamente, o que quisermos, mas se adoramos, isso já é tanto, que não precisa de ser "muito".
 Há cada mania mais irritante!...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Una sevillanita


Depois de um fim de semana espanhol (ou ibérico, que seria mais exacto), de amigos, de festa, de recordações e de "matares de saudades", de risos, de emoções, regresso ao quotidiano, mas na minha cabeça ainda ecoam sons de vozes e restos de música, de palmas, de compas.
As sevilhanas marcam uma época grande e boa da minha vida, um tempo de descobertas e de mudança. E, porque tudo se altera e modifica, hoje a realidade é já muito diferente do que foi então. Mas há ainda um lado bom, inesquecível, todo só emoção e sentimento, que se mantém igual e permanecerá intacto para sempre. E esse, tenho a certeza que hei-de levá-lo comigo, vida fora, na cabeça e no coração.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Para a Helena, muitos parabéns!


Diz de si que é alguém que "gosta de gostar" e , tal como eu, faz anos num dia sete, que é um número especial e poderosíssimo. A Helena é uma pessoa muito querida, de quem eu gosto muito! Por isso lhe desejo todas as coisas boas que houver e lhe dou, hoje, este enooorme abraço.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mulheres (III)

Afeição



As mulheres têm medo umas das outras. Respeitam-se. Invejam-se. Enciu-mam-se. Gostem ou não gostem. O medo, o respeito, a inveja e o ciúme são independentes do afecto. (...) Há o mundo do que se faz e diz. E há o mundo do que se sente e acredita. Nós temos de escolher entre os dois, a cada momento. Elas não. Elas têm o triunfo e o castigo de terem tudo ao mesmo tempo. Incluindo nós.
(Miguel Esteves Cardoso)

A ideia de que as mulheres estão em constante competição é um "clássico", sobretudo entre os homens, que têm dificuldade em entender a imensa complexidade do universo feminino. Mas, nisto como no resto, são enganosas e redutoras todas as generalizações. Porque no fundo o  mais fascinante e sedutor é  o que em cada mulher a torna absolutamente diferente de todas as outras.
E há depois aquelas amizades da vida inteira, todas cumplicidade e afecto, e o prazer de rir juntas das mesmas coisas, nas horas passadas entre copos, compras e confidências. Tudo ao mesmo tempo, de preferência...

Mulheres (II)

Classe



(Fotografia do blogue E Deus criou a mulher)

(...)
Tu és a mais rara 
De todas as rosas;
E as coisas mais raras 
São mais preciosas. 

Há rosas dobradas 
E há-as singelas; 
Mas são todas elas 
Azuis, amarelas, 
De cor de açucenas, 
De muita outra cor; 
Mas rosas morenas, 
Só tu, linda flor. 

E olha que foram 
Morenas e bem 
As moças mais lindas 
De Jerusalém. 
E a Virgem Maria 
Não sei... mas seria 
Morena também. 

Moreno era Cristo. 
Vê lá depois disto 
Se ainda tens pena 
Que as mais raparigas 
te chamem morena! 

                    (Guerra Junqueiro)

Mulheres (I)

Complexidade


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(re)encontro


Os sonhos mais lindos sonhei.
De quimeras mil um castelo ergui
E no teu olhar, tonto de emoção,
Com sofreguidão mil venturas previ.
O teu corpo é luz, sedução,
Poema divino cheio de esplendor.
Teu sorriso prende, inebria e entontece.
És fascinação, amor.

(Fotografia de José Manuel Durão)


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"Diplomacia cultural"


Leio nos jornais que Soraya Santamaría, a Vice-presidente do governo espanhol, disse ontem, em Lisboa, na inauguração da exposição que traz a Lisboa 57 célebres quadros do Museu do Prado, em Madrid, os quais podem ver-se no Museu Nacional de Arte Antiga até 30 de Março de 2014, que esta parceria entre os museus era "um importante passo na diplomacia cultural entre os dois países."
Pois também eu vou dar mais um passo decisivo neste sentido, já no próximo fim-de-semana.
Há uns quinze anos,talvez, descobri no sul de Espanha um povo e um país com os quais me identifico e uma cultura que me apaixona, em tudo aquilo que a distingue e aproxima da nossa. E percebi que não faz sentido vivermos de "costas voltadas". E que o convívio com nuestros hermanos, além de divertidíssimo é sempre muito enriquecedor. E faz bem à alma.
Afinal, não há coisa melhor que rir, comer, beber, cantar, dançar ou simplesmente estar com os amigos mesmo, ou até sobretudo, se vivemos de um e de outro lado da fronteira.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Miserabilismo


Já falei deste assunto muitas vezes, eu sei, mas que a Associação de Professores de Português (que ainda estou para saber quem representa) ponha em causa os textos literários do Novo Programa de Português para o Secundário,  por serem  "temporal e culturalmente afastados do presente dos nossos alunos" é demasiado chocante para que eu o consiga ignorar. E grave. E lamentável, também.
Porque é esta visão pequenina e imediatista que tem minado o ensino nos últimos anos; e que contribuiu em grande parte  para o conduzir ao estado deplorável em que hoje se encontra, num "terceiro mundismo" de que dificilmente nos libertaremos. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Memórias de Infância





Não quero falar do 1º de Dezembro, nem da comemoração do dia da restauração. Não me apetece. No entanto, acho que é ainda no rescaldo desse muito debatido assunto que o blogue Malomil publica hoje uma série de postais antigos da Praça dos Restauradores.
Não é, de modo algum, um dos "meus" blogues, mas calhou passar por lá. E a visão antiga de uma Praça consideravelmente diferente da que agora existe trouxe-me de volta uma parte da minha infância. Do tempo em que íamos a pé a casa dos avós, que moravam na Baixa, e voltávamos no autocarro 5, que saía dos Restauradores e ia para o Areeiro.
Naquela altura, os autocarros eram verdes, tinham dois andares e no tecto uma campainha redonda, vermelha, no meio de um círculo prateado, que produzia sonoros "plins" e que era motivo de inúmeras brigas entre nós duas, sempre em permanente desacordo sobre qual seria contemplada com  o momento, quase solene, de "tocar". A entrada fazia-se por uma abertura na parte traseira, onde não havia porta. E os bilhetes compravam-se a um senhor que passava por todos os lugares com uma malinha de couro à tiracolo, cheia de bilhetes cor-de-rosa, verdes, amarelos, brancos, consoante o preço e o destino.
Havia também as frases típicas, repetida todas as vezes, como um refrão: Ó pai, podemos ir lá para cima? Quando chegarmos ao Saldanha, sou eu que toco. Não! Hoje, sou eu! Ó pai, da última vez foi ela!...
Não sou saudosista, nem tenho nenhuma nostalgia desse passado que tinha coisas boas e más, como é próprio de todos os tempos. Mas revisitá-lo, de vez em quando, e recordar lugares, pessoas, histórias e momentos nossos, não faz mal nenhum. Porque a memória também é uma coisa boa.
E hoje, dia de uma estúpida greve de autocarros, que me fez estar quase meia hora ao frio na paragem ainda antes das sete da manhã, soube-me bem relembrar os autocarros da Lisboa da minha infância.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Vida e Alma



(Fotografia de Neuza Ayres)

Ontem, uma vez mais, estive no lançamento de um livro de Helena Sacadura Cabral, que é sempre um momento de festa.
Não costumo simpatizar especialmente com aquelas pessoas muito consensuais, de quem toda a gente gosta muito. Em geral, tenho tendência para preferir as personalidades controversas, que se amam ou odeiam com semelhante intensidade.
A Helena é, porém, uma excepção; talvez a única. Porque ela é, de facto, um ser humano extraordinário, que consegue, para lá do inevitável aparato mediático, fazer de cada um destes lançamentos um verdadeiro encontro de amigos, com toda a alegria que é lhes é própria. E que é, também, capaz de se emocionar e de emocionar-nos pela maneira sincera como abre o coração e fala do Miguel e do que sente e do que pensa; e do seu "caminho das pedras." E como mantém sempre o sorriso, e a força, e alegria de viver. É que, como ela diz, a vida vai-se vivendo em cada dia, em cada hora. E tem às vezes um lado muito negro. Mas é possível, ainda assim, "realizarmo-nos e ter prazer com isso".
O livro tem um título lindíssimo: Vida e Alma, é em formato mais pequeno do que o habitual, e de capa dura. Diferente dos outros, diz a Helena. Porque o que ela quis fazer, inicialmente, foi um livro de orações. E depois achou que ainda não era a altura. Este é um livro de sentimentos e de pensamentos, de um caminho de encontro consigo e de tudo o que a ajudou a viver este difícil ano e meio. É por isso que o dedica ao padre Tolentino de Mendonça.
"Espero que goste!", disse-me. Ainda não o li, apenas o folheei, mas sinto e sei, no fundo do coração, que sim. Vou gostar, Helena! Porque é "o olhar íntimo de que tanto necessitamos"; e porque também eu "acredito no valor das palavras" e que é "através delas que o mundo se muda". As palavras da Helena transmitem-(me) sempre sabedoria, sensatez e serenidade. E, cada vez que estou com ela, sinto que a Helena é já uma amiga. Estou certa de que muitos sentirão o mesmo.
É talvez isso que explica que para a ouvir e lhe dar um abraço haja sempre gente de todas as idades e das mais diversas proveniências, que ela recebe com o seu magnífico sorriso, inteira disponibilidade e afecto genuíno. Ontem, até o Pai Natal lá esteve; vejam só...


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O meu céu


Olho lá para fora e o meu olhar distrai-se agora em muito mais coisas. Já não é só uma nesga de céu com os aviões a passar de cinco em cinco minutos, vistos através de uma abertura pequena, num canto escuro onde o sol não chega e mundo exterior parece nem existir.
Agora, a parede inteira é uma enorme janela rasgada sobre a Praça e é como se, neste pedaço de bairro, tão característico, eu visse a cidade inteira a meus pés, a agitar-se nas rotinas de um quotidiano que é seu, meu, nosso.
Aqui há vida! Há as pessoas que caminham lentas ou apressadas, há os barulhos e as luzes e o movimento das ruas, que vão sendo diferentes consoante as horas do dia. Há a estátua bem ao centro, em primeiro plano, na direcção dos meus olhos, a abençoar-nos e a lembrar que isto é Lisboa, o que seria impossível esquecer ou ignorar...
E depois há o sol, há imenso sol, a estender-se pela chão, pela mesa, e a aquecer-me as pernas à tarde.
Só eu sei como me sabe bem este silêncio e este sossego. E como esta tranquilidade me permite trabalhar mais e melhor.
No fundo, é tudo muito simples. Às vezes, muitas vezes, basta um pequeno pormenor para se ser mais feliz.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Vergonha(s)



Decididamente, hoje, dedico o dia às palavras dos outros, porque o que encontro nelas, muitas vezes, se assemelha ao que eu penso também. Este é um assunto que tenho evitado, mas que não ignoro.
No blogue Espumadamente, de Nelson Reprezas, encontrei este texto, intitulado "Já envergonha", que tomei a liberdade de copiar para aqui.
E, por coincidência, também Vasco Graça Moura (uma vez mais!) escreve no DN mais ou menos sobre o mesmo tema, numa crónica intitulada "Duas vergonhas nacionais".

Já envergonha 

Faz-me muita confusão (mas não devia…) perceber que o meu país está gradualmente a ficar refém de um limitado número de desordeiros que se entretêm a ocupar ministérios, Assembleia da República, interromper actos públicos e insultando governantes em linguagem de carroceiros (de carroceiros malcriados, porque os há decentes). 
A comunicação social resfolega com isso e vai transmitindo estes espectáculos com uma linguagem adequada, qual seja aquela língua de trapos que aprenderam na faculdade ou, de outro ângulo de análise, transmitindo um sentido aos acontecimentos que está longe de ser correcto e verdadeiro. Isto não está bem. O país não é isto e eu diria mais. Os tremendos sacrifícios a que a população em geral tem vindo a ser submetida mereciam deste grupelho de gente comandada pelo PC, por via da CGTP e da anódina e irrelevante UGT, mais respeito. Porque são gente que sofre na pele os efeitos de uma crise para a qual não contribuíram, salvo, quiçá, o voto que depuseram num partido irresponsável como o Partido Socialista e que, em muitos casos, não têm sequer a garantia de um posto de trabalho, como tem a maioria destes ditos sindicalistas e demais figurantes. 
Há ainda as elites. As aulas magnas, os novos partidos, as esquerdas renovadas (muito se renovam as esquerdas para dizerem sempre a mesma coisa…) e os intelectuais que nos enchem a cabeça com esta conversa redonda do dia-a-dia e que nos enche as televisões e que, tal como os sindicalistas e outros figurantes, estão bem empregados, ou «pensionados», mas acham imensa graça pairarem na ribalta dos noticiários com ideias mais ou menos arrevesadas sobre a putativa felicidade do povo português. 
Já cansa. Os portugueses não merecem esta gente. Merecem que a crise passe depressa, para o que têm já demonstrado uma notável acção participativa e continuam impermeáveis até aos apelos à violência das elites que querem correr o governo à paulada ou dar tiros parecidos com o que matou o rei D. Carlos. E a pergunta, final, é. Na verdade, acções como ocupar ministérios ou fazer greves já nem se sabe porquê, são acções legais? Parece que agora querem pôr mais vinte polícias em cada ministério. E isso significa o quê? Que a ocupação era ilegal e havia polícia a menos? Mas se era ilegal, estão á espera de quê para deter os Arménios que aparecem de dez em dez minutos nas TV’s, os Lourenços pauliteiros ou mesmo as Rosetas ressabiadas?

Duas vergonhas nacionais 

(...) A segunda vergonha nacional traduz-se na já consabida propensão do Dr. Mário Soares para a obscenidade política. (...) por se tratar de um ex-presidente da República a quem não ficava mal um pouco mais de compostura. Não me faz impressão nenhuma que uma aula magna inteira vocifere em coro com ele. Podia ser até um estádio de futebol. O que me faz a maior das impressões é que alguém, que foi presidente da República Portuguesa ainda não há muitos anos, salte para a ribalta nos termos destemperados em que o fez. Mais nenhum ex-presidente da República, mesmo que com críticas pontuais ao actual, se achou justificado para fazê-lo. Tratou-se de uma tentativa insensata de manipulação das massas:não há nenhum mecanismo constitucional que permita a destituição pretendida - logo, não é em nome do estado de direito, nem da legitimidade constitucional, mas da barafunda revolucionária que o dr. Soares e alguns apaniguados pretendem falar. (...) A verdade é que, em nenhum momento do seu mandato, Cavaco Silva deixou de cumprir ou violou a Constituição. Toda a gente o sabe. O que é deveras deprimente, não é que a esquerda finja ignorá-lo, é que o dr. Soares a acompanhe nessa vergonhosa ficção.

(Vejo agora que também HSC fala disto, hoje, no seu Fio de Prumo, com a sensatez que a caracteriza. Para ler aqui)

Ainda a literatura


A acusação de elitismo (...) convida a um debate demorado em torno das missões da Escola. A questão pode formular-se deste modo: deve as Escola abdicar dos textos "difíceis" apenas porque são "difíceis"? Ou deve, pelo contrário, esforçar-se por criar condições para que o contacto com esses textos (que são decisivos sob o ponto de vista cultural) sejam facultados a todos os alunos, em especial áqueles que, de outra forma, nunca chegariam a conhecê-los? O desafio maior deve ser o de encontrar um ponto de equilíbrio entre o imperativo da "inclusão" e o desenvolvimento da "cidadania", sendo que ambas as palavras concorrem para o ideal mais nobre da escola pública: o de conceder a todos as mesmas oportunidades. Se bem analiso a situação, os novos programas de Português (e também as metas que dele resultam) constituem um notável avanço e não um retrocesso. Reforçando o peso da Literatura, reconhecem que esta se encontrava menorizada nos programas anteriores; aceitam a importância identitária de que se reveste no contexto da cultura portuguesa, recuperam o alinhamento sadio da história literária sem cair no historicismo, preservam a centralidade dos textos no espaço lectivo e fazem deles (dos textos literários e também dos outros tipos de texto) via de conhecimento e de treino comunicacional. (...) 

Não, desta vez não é Vasco Graça Moura. É um tal José Augusto Bernardes, professor da Faculdade de Letras de Coimbra, de quem eu nunca ouvi falar, mas que escreve hoje no DN um artigo de opinião com o qual concordo inteiramente. Além disso, este assunto interessa-me (deveria interessar-nos a todos, na verdade), e diz-me respeito. Por isso tenho insistido tanto nele e por isso o trago aqui uma vez mais. E suspeito que não será a última...

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ao fim de um ano e meio...




Um ano e meio depois de me ter aventurado neste mundo, apercebi-me hoje, ao começar a escrever, que era a trecentésima trigésima terceira vez que o fazia. Dito de outra forma, este é o meu post número 333. É um número interessantíssimo e por isso não posso deixar de o assinalar, sem querer parecer excessivamente narcisista.
O número três está associado à perfeição, ao céu e à harmonia, por causa da Santíssima Trindade e de tantas outras trilogias, porque é princípio meio e fim, presente passado e futuro... Neste caso trata-se, ainda por cima, de uma capicua, na simetria de ser o mesmo e seu reverso que é, segundo se diz, indício de boa sorte. Tudo a ver, portanto.
É que o balanço que faço destes dezoito meses continua a ser muito positivo, mesmo se se perdeu de certo modo  a aura de novidade e encantamento dos primeiros tempos. Agora, continuo a ver um lado muito interessante e arrebatador em tudo isto, mas já conheço, também, em parte, o que pode haver  de menos bom.
Lembro-me de ao início me terem dito que a blogosfera era mais ou menos como a vida. Eu acreditei. É diferente, contudo, conhecer na pele essa verdade. Que há gente maravilhosa e gente verdadeiramente estranha, surpresas boas e más, alegrias e decepções, aprendizagens significativas e episódios que é preferível esquecer. A única diferença é não nos olharmos nos olhos. E, tal como na vida, procuro guardar só a parte boa.
Dizem-me os cépticos destas coisas que uma pessoa se expõe muito; e podem até ter razão. Eu continuo, no entanto e, apesar de tudo, a gostar de estar por aqui. Porque escrever é antes de mais um prazer e, em certos dias, é quase uma necessidade. Escrevo o que penso e o que sinto, o que me emociona e motiva, ou impressiona, sem qualquer tipo de pretensão. Não me interessa se tenho muitos ou poucos leitores, ou quantos comentários tem cada texto, não estou em concorrência com ninguém, embora, na verdade, vá estando atenta ao número de leitores e me saiba muito bem saber que há gente do lado de lá das palavras, que lê o que escrevo e que o comenta, concordando ou discordando; e que, outras vezes, apenas lê.
Às vezes ponho-me a pensar quem serão essas pessoas e como terão chegado aqui. E a minha curiosidade faz-me ter vontade de lhes conhecer as caras e saber como soam as suas vozes. Ao longo do percurso, como é natural, muitos foram ficando pelo caminho, porque afinal não eram o que pareciam, porque os seus blogues me desinteressaram e por tantas outras razões e circunstâncias. Mas há também os blogues e as pessoas que me acompanham desde o princípio, que se tornaram muito "cá de casa", que hoje continuam a ser cais e porto de abrigo, que me ensinam imenso e me mostram outros rumos, com quem tenho  aprendido muito mais do que sei dizer e pelas quais consigo sentir hoje verdadeiro apego, que é já cumplicidade, amizade e afecto.
E por isso continuo o meu caminho, peito aberto e alma ao léu, mostrando-me assim, tal como sou. E espero que continue a ser tão bom como até aqui, porque, enquanto me der prazer, fico por cá.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Claro e escuro


Ao longo do tempo, evoluímos e transformamo-nos em função do que somos, do que vemos e do que vamos sentindo e experimentando.
E, mesmo se acreditamos que nos conhecemos muito e bem, constantemente nos surpreendemos com o que descobrimos de nós. Porque haverá sempre na nossa vida - e também na dos que nos são próximos - zonas secretas, inconfessáveis desejos, gestos por explicar, sentires irredutíveis a palavras.
Todos somos claro e escuro, luz e sombra, dia e noite. Mas talvez seja na aparente contradição e incerteza entre o que se revela e o que se oculta que resida grande parte do encanto de cada um de nós, no aliciante de um mistério por desvendar.
É por isso, também, que a a transparência total me parece inatingível. Por maior e melhor que seja a intimidade, em nós e no(s) outro(s) permanecerão sempre alguns recantos inacessíveis do ser, pedaços recônditos indissociáveis do fascínio que provocam em nós. Conhecemos os outros, de facto, como julgamos, ou idealizamo-los também, à mercê da nossa fantasia, inconstante, transitória e instável?
Mas há depois os momentos fulgurantes, de sintonia perfeita, de entrega total de corpo e alma e de radiosa felicidade, capazes de nos surpreender, porque alguma coisa se desata de repente e nos desarma ao revelar-se, como uma luz a brilhar na escuridão.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

domingo, 24 de novembro de 2013

Parabéns Luís!


Tem uma voz única e excepcional, que eu não hesitaria em escolher para a banda sonora da minha vida. Porque me tem acompanhado ao longo tempo, há  tantos anos que já nem sei quantos são, e porque nunca, mesmo nunca, me canso de a ouvir.
Gosto do Luís Represas como se gosta dos amigos verdadeiros: tal e qual como eles são! Por isso, hoje, que faz anos, dou-lhe um abraço apertado e um enorme beijo de parabéns. E agradeço-lhe, também, por me embalar os sonhos e, com a sua música, tornar mais bonitos os meus dias.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

À lareira



Depois de um fim de semana de sol e de mar segue-se-lhe outro totalmente diferente, de frio e chuva, a pedir recato e intimidade. Mas são estas vicissitudes que dão, também, encanto à vida.
Hoje, quando regressava num fim de tarde de um dia especialmente cinzento, húmido e agreste, enquanto apressava o passo para me defender do frio cortante que se me entranhava por todos os poros e sonhava com o calor da casa, antevendo as horas de calma, de preguiça, de aconchego e de bem-estar, lembrei-me de uma canção do tempo da minha adolescência, ou até de antes dela. Coisa mais antiga...



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Um amor assim



Não, não quero falar de futebol. Não quero saber do Ronaldo nem do mundial; e toda esta gigantesca euforia nacional me passa ao lado. Parece-me absurda e desproporcionada. É-me absolutamente indiferente. Não me vanglorio com as vitórias, nem me humilham as derrotas. Vou sabendo o que passa, porque não há outro assunto. Hoje, o país é só futebol. Amanhã volta a crise. E depois de novo o futebol, em rigorosa  alternância. Triste país este, que apenas no orgulho futebolístico se assume patriota.
Mas, para mim, hoje, és tu o meu país e até o mundo. Porque quando me olhas nos olhos, ainda vejo às vezes tudo a andar à roda; e o coração começa a bater mais apressado; e há vontades a crescer-me nas mãos, e na pele, e no corpo todo, na inevitabilidade do desejo, na urgência do  abraço apertado e  na vontade imensa de te querer ter, ansiando e antecipando a vertigem do prazer.
Nem preciso que me ames para sempre. Basta-me o aqui e o agora  de todas as vezes que se foram somando e eternizando, de tantos momentos de cumplicidade e risos confundidos,  de tudo o que ainda me fazes pensar e sentir, e mesmo do sabor amargo de tantos  dias e noites de saudade sem tamanho, de distâncias e esperas, de dor e lágrimas silenciosas, de mágoas e de desalentos, que também foram fazendo a nossa história, tão simples e tão bonita, por mais estranha e inexplicável que ela possa parecer a quem não a conhece pelo lado de dentro. É que, quando o amor é enorme, cabe numa vida inteira.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Fazer das fraquezas força



Há sempre um "fazedor de histórias" escondido no fundo de cada um de nós. São as nossas histórias que nos recriam quando estamos despedaçados, moribundos, ou mesmo destruídos. É o narrador, o fazedor de sonhos, o construtor de mitos, que é a nossa fénix, aquilo que somos no melhor de nós mesmos, da nossa criatividade.

Estas são palavras de Doris Lessing, que morreu há dois dias com 94 anos, no discurso a propósito do Prémio Nobel. E com elas encontro hoje, de novo, no Fio de Prumo de HSC, qualquer coisa que se ajusta ao meu dia.
Mesmo quando se tenta aceitar tudo com a naturalidade da inevitável passagem do tempo, há dias de desânimo e de perda, em que sobra a saudade de um colo antigo, que se sabe não voltar.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Fascínio(s)



Homme libre, toujours tu chériras la mer! 
La mer est ton miroir; tu contemples ton âme 
Dans le déroulement infini de sa lame 
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer 

Tu te plais à plonger au sein de ton image; 
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur 
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage. 

Charles Baudelaire

Quem nasce e vive sempre à beira-mar, cria nessa proximidade um inexplicável apego, que mistura  temor, enlevo e assombro, que é conforto e encorajamento, ou simples sentimento de harmonia com o universo. É como se a imensidão das águas tivesse em si, além da esmagadora beleza que lhe é inerente, uma transcendência que exalta e apazigua, que é príncípio e fim, símbolo do porvir, desejo de infinito.

(Fotografia de Isabel Santiago Henriques)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Viajar no Inverno



http://www.youtube.com/watch?v=9mGjh-oaGY4

Sou visceralmente citadina. Quem me conhece sabe da minha paixão por Lisboa, por Paris e por Sevilha. E do meu desejo de conhecer outras cidades, Buenos Aires, Nova Iorque, Rio da Janeiro. 
Há nas cidades um magnetismo, um mistério, uma magia qualquer, que não sei explicar e me seduz.  Deslumbro-me a vê-las despertar e ganhar vida logo de manhã, cativa-me o movimento das ruas, o bulício ao fim da tarde e os silêncios e ruídos que diferenciam as noites e os dias. Atrai-me a vida a correr contra o tempo como se tudo fosse sempre muito urgente e delicio-me a descobrir recantos tranquilos e secretos. Gosto das especificidades de cada lugar, das cores, dos sons e dos cheiros que os caracterizam, de admirar a arquitectura dos edifícios onde o novo e o antigo coexistem, às vezes em harmonia e outras vezes nem tanto, de observar as pessoas e olhar atentamente as centenas de coisas que em cada momento me passam diante dos olhos e me avivam o espírito. 
Na verdade, sempre que penso em viajar, é de uma cidade que me lembro em primeiro lugar. E faltam-me tantas!... Na Europa, por exemplo, faltam-me quase todas as cidades românticas: Veneza, Praga, Budapeste, Bruges, Florença, Roma, Amsterdão. Ah, tivesse eu mais tempo e, sobretudo mais dinheiro, e já teria ido a quase todas.
Mas evito viajar no Verão. Porque é um tempo de excessos. Há o calor e as moscas e gente a mais por todo o lado. Mesmo quando as férias grandes eram em Agosto, gostava de aproveitar os feriados de Dezembro para sair. Nem que fosse para Espanha, sempre aqui tão perto.
No ano passado experimentei pela primeira vez sair entre o Natal e o Ano Novo. E foi muito bom. Tanto, que este ano gostava de poder repetir. A hipótese ainda surgiu (e era Veneza), mas afinal parece que já não vai ser possível. Não importa! Lembra-me aquela canção de Reggiani:
Venise n'est pas en Italie/ Venise c'est chez n'importe qui/ Fais-lui l'amour dans un grenier/ Et foutez-vous des gondoliers/ Venise n'est pas là où tu crois/ Venise aujourd'hui c'est chez toi/ C'est où tu vas, c'est où tu veux/ C'est l'endroit où tu es heureux.
E, apesar da minha extrema urbanidade, às vezes também tenho vontade de silêncio e de sossego. E acontece-me querer "perder-me" em fundo verde, ou azul. Sou mais praia do que campo, ainda assim; sinto o apelo da água mais do que o da terra e, por isso, gosto frequentemente de me escapar para junto do mar. É o que vou fazer já hoje!...