segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Alegrias obrigatórias


Há duas festividades anuais cujas comemorações não me tocam: O Carnaval, de que nunca gostei muito, nem mesmo em criança, e as celebrações mais ou menos deprimentes que rodeiam a passagem de ano.
Sempre me fez um pouco de confusão aquela ideia que, com dia e hora marcada, tenhamos que estar muito contentes e divertirmo-nos de qualquer maneira, (ou fingir, pelo menos), em festas públicas ou privadas, que acontecem por todo o lado de forma indistinta e generalizada, nas quais toda a gente, invariavelmente vestida de preto, dourado ou prateado, come, bebe e dança de modo excessivo e ostentando uma alegria forçada, com um ar meio pateta, a fazer comboiozinhos, ou  outras coisas desse género; e onde é obrigatório cumprir estranhos rituais à meia-noite, como se, no segundo seguinte, ou até nas horas e dias por vir, as vidas das pessoas se alterassem de maneira significativa.
É a este tipo de festejos que eu e a minha irmã nos referimos há anos como as festas ri-pi-pi e tro-la-ró, um conceito que, provavelmente, só nós as duas entendemos, na imensa aversão e repugnância que nos causam. Pior que isto, só mesmo o "dia dos namorados"...
Não é mania de  ser "do contra". Nem é, sequer, querer ser diferente. É mais uma questão de fazer ou não fazer sentido. É que, na verdade, a noite de passagem de ano não é para mim muito diferente de outra noite qualquer e não faço questão de a comemorar de nenhuma maneira especial. Se calhar porque é só mais uma noite. Ou, talvez, porque não gosto de despedidas.
Prefiro as festas sem razão aparente, aquelas que acontecem apenas porque estamos felizes ou temos vontade de estar juntos. E os brindes que não  têm dia, nem hora, nem mês, ou  estação do ano marcados no calendário. Gosto de comemorações repentinas e inesperadas, surpreendentes ou longamente esperadas. Das que acontecem porque sim. Sem nenhum tipo de obrigatoriedade, ou de imposição.
Agrada-me, no entanto, a ideia de ter mais um ano,  com aquela carga de desconhecido que simultaneamente atrai e assusta, como tudo o que desejamos sem ter bem a certeza de  como é. De mais 365 dias inteirinhos, com 8760 horas  e mais minutos ainda para encher de ideias, de projectos e propósitos, de  promessas, de felicidades adiadas, da vida que se vai construindo passo a passo, na lenta caminhada de cada dia, com a vontade de querer sempre mais e de lhe dar, também, uma dimensão nova.
Como toda a gente, no final do ano, faço uma espécie de balanço de tudo o que vivi nos dias que ficam para trás, relembro mágoas e alegrias, tristezas e emoções, muitos momentos e acontecimentos bons e maus, que me modificaram e que, inevitavelmente, me fizeram crescer em termos pessoais.
Para o novo ano tenho já muitos sonhos, planos e desejos, alguns verdadeiramente inconfessáveis, mas, acima de tudo, só quero duas coisas: ter saúde - que é a mais importante de todas - e ser feliz! E continuar a acreditar que só o amor importa...

domingo, 30 de dezembro de 2012

Regresso



De volta a casa, à minha cidade, com a luz da lua reflectida no rio...
A entrada em Lisboa, pelo sul, é uma das melhores sensações de um regresso de viagem. A vista, à medida que se avança pela ponte, é a mais bonita de todas. E, depois, há também aquele momento bom de entrar de novo em casa e reencontrar o nosso espaço de intimidade. É bom partir, mas também sabe bem regressar. Ir para poder voltar...

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Fim de festa


Hoje é dia de festa, tempo de luz e de alegria serena, de amor incondicional e de coração aberto à esperança.
Cumpriu-se mais um Natal. Pela parte que me toca, terminados os festejos, sabe-me bem voltar à tranquilidade da minha casa, da lareira, do silêncio e do meu sofá; e deixar-me estar assim, quieta, sem fazer mais nada para além de ouvir música suave. Tempo de pausa, necessário e tão bom...
Porque, daqui a nada, com Espanha no horizonte, são outras festas, bem diferentes, mas não menos apetecíveis. Madrid está já ao virar da esquina. Aí vou eu... Olé!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O meu mundo



O meu Natal sempre foi muito mais Menino Jesus do que Pai Natal. Por isso, quando eu era pequena, a  festa concentrava-se sobretudo no dia 25. Porque se dava maior importância à espiritualdade da celebração do que ao consumismo. Deve ser, também, por essa razão, que esta continua a ser para mim  uma época de sentimentos e de afectos mais do que de presentes, de comidas e de bebidas. E, ainda hoje, o grande momento dos festejos familiares é o almoço do dia de Natal.
Tenho uma família pequena. Mas, felizmente, há na minha vida muitas pessoas a quem o que me liga é só o coração. E que são verdadeiramente importantes para mim. É essa grande família afectiva que fez e faz de mim muito do que eu hoje sou. São todas as pessoas que já passaram na minha vida e deixaram nela a sua marca. São, acima de tudo,  as que ficaram nela para sempre, as que estão comigo aqui e agora, que me acompanham e apoiam em todos os momentos, que me ouvem e me aturam, que partilham as minhas alegrias e atenuam as nódoas negras que vou fazendo pelo caminho; e que gostam de mim sem limites, porque me aceitam como eu sou.
É em todas essas pessoas, muito diferentes entre si e que fazem parte da minha vida, família, amigos e amores, que eu  hoje penso mais; e que abraço, na realidade, ou somente no coração, porque são o meu património sentimental; e porque lhes agradeço, infinitamente, o facto de me ajudarem na procura de um sentido para a vida e de contribuirem, todos os dias, para eu me sentir (ainda) mais feliz. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Chegou o Inverno




Não é uma das minhas estações preferidas, mas, no fundo, todas elas têm a sua magia e significado e é nessa diversidade que reside o efeito que cada uma tem em nós. 
Associado à noite, ao escuro, ao frio e a uma certa tristeza, o Inverno é também tempo de recolhimento, de interioridade, de abrigo e protecção, do  aconchego e do calor da casa,  assim como de uma certa fragilidade e desamparo, que torna ainda mais tocante qualquer  pequeno gesto querido.
A maioria das pessoas não gosta muito do Inverno. E, no entanto, tudo o que tem um lado negativo tem também um lado positivo, tudo pode ser ao mesmo tempo mau e bom, verso e reverso. Tudo o que é triste pode ser surpreendentemente belo. O Inverno não é apenas preto, ou branco; muito para além disso: ele pode ser cinzento, ou ter todas as cores do arco-íris. E ainda traz consigo a promessa de uma nova Primavera.
Como em quase tudo, a maior parte depende só de nós...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Para os meus amigos da blogosfera



 Hoje escrevo à mão, a tinta permanente, que é como eu gosto mais de escrever.  E, ao contrário do que é habitual, este é um post especialmente dedicado.
Porque esta é uma época de amor, de afectos e de emoções fortes. Porque a blogosfera foi uma descoberta boa deste ano, que chegou à minha vida quase por acaso, que me revelou um mundo novo e fez despertar um lado de mim que andava um pouco mais escondido.
Por todos os posts que, ao longo destes  sete meses, me fizeram rir, pensar, sorrir, emocionar-me, enternecer-me, reflectir, concordar, discordar, maravilhar-me, comover-me, deliciar-me e sonhar, numa teia sem fim de encantos e cumplicidades, que não imaginava possível entre pessoas que antes não sabiam da existência umas das outras e que nunca cruzaram um olhar.
Por todos aqueles a quem me afeiçoei sem precisar de os ter visto, que admiro e respeito sem conhecer o som das suas vozes, nem a musicalidade dos seus risos, que chegaram até mim apenas através das palavras (no princípio era o Verbo), com tudo o que elas escondem e revelam. Pelo  prazer da partilha e pelos laços que descobri que também é possível criar desta maneira.
E, ainda, para todos os que passam por aqui sem se dar a conhecer, para todos os que me "seguem" e eu acompanho também, ou, até, nem por isso; para os se detêm para ler o que eu vou escrevendo, ao sabor das minhas vontades e  de sentimentos de cada dia e de cada momento.
É para todos eles e, em particular, para o  Paulo, para a Helena, para a Virgínia, para a Fátima e para a Sissi, que vai este forte beijo e este abraço apertado de bom Natal, cheio de desejos das melhores coisas que a vida pode dar-nos, principalmente saúde, mas também alegria, amor, dias bem passados e muito boas surpresas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Madrugar



Se há coisas de que eu não gosto, levantar-me cedo é, seguramente, uma delas. Custa-me sempre tanto!... 
À noite nunca tenho pressa de me deitar e tudo o que seja menos da meia-noite, ou uma, é demasiado cedo para mim. Mas, de manhã, sou incapaz de ouvir  o despertador e saltar da cama, com o vigor  e a determinação de quem está pronto para começar um novo dia. Preciso de uns dez minutinhos, pelo menos, para me mentalizar. Para me auto-convencer que vou ter mesmo que sair dali. Onde eu estava tão bem... E só o faço por obrigação, para ir trabalhar, ou por prazer - para ir viajar, por exemplo.
Em podendo, gosto de me ir deixando ficar até mais tarde, acordando e voltando a adormecer, gozando a preguiça do meio-sono, sem pressa nem horários a cumprir, numa espécie de desforra por todos aqueles dias em que tenho de me levantar antes de ter dormido tudo. É que eu adoro dormir! E tenho que dormir imenso. Oito horas, no mínimo, seria o ideal. Mas isso nem sempre é possível! Felizmente, não há preocupações, nem tristezas, ou desgostos, que sejam capazes de me tirar o sono; e, até agora, só muito raramente tive que lidar com espertinas e insónias.
Quem haveria pois de dizer que  me ia dar para esta maluqueira de me levantar muito mais do que cedo, três vezes por semana, para ir ao ginásio antes de ir trabalhar.  Às vezes, até a mim me custa a acreditar, porque nem me  reconheço. Claro que continua incomodar-me ouvir o toque do despertador às seis da manhã, que continua a ser difícil sair de casa antes das sete, quando lá fora ainda é tudo escuro e as ruas estão mais ou menos desertas.
Mas, depois, há o lado bom que têm, também, todas as coisas: os efeitos do exercício físico no corpo, o facto de me saber bem sentir-me em forma e de sair do ginásio a transbordar de energia e boa disposição.
E, acima de tudo, o prazer de poder assistir ao nascer do dia, de ver a noite fazer-se dia e Lisboa a clarear, a cidade a transformar-se, ampliando os sons e os movimentos, o sol a aparecer no horizonte, primeiro tímido e logo iluminando os telhados e o rio, silencioso e sereno, eterno companheiro de uma Lisboa  que acorda vagorosa, como eu.
Tudo isto dura há quatro meses e tal, mas ainda conserva  o sabor da novidade; ainda não me cansei de ver amanhecer, o nevoeiro dissipar-se, a cidade despertar, ganhar cor e vida, passar  da calma ao bulício, na  luz ímpar da manhã que, aos poucos, se vai tornando mais intensa.
E, nem que fosse somente para assistir a este magnífico espectáculo, já teria valido a pena madrugar...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Passagem do tempo



Les vieux ne bougent plus
Leurs gestes ont trop de rides
Leur monde est trop petit
Du lit à la fenêtre,
Puis du lit au fauteuil
Et puis du lit au lit.       (Les Vieux, de Jacques Brel)

Quando olho a minha mãe, vejo, com mais clareza, como podem ser duros e devastadores os efeitos que a passagem do tempo tem em nós.  Às vezes, confesso, não deixa de emocionar-me ver nela apenas uma sombra do que foi outrora.
É a mesma alegria. É o mesmo sorriso. Mas, o dinamismo e a energia de quem eu me habituara a ver positiva e bem-humorada, a agarrar a vida com as duas mãos, olhando-a de frente e lutando contra todos os impossíveis para a transformar numa festa diária, perdeu-se para sempre.
E pergunto-me o que ela pensará sobre tudo o que não consegue dizer-me. Tento aceitar a sua velhice com a naturalidade de quem sabe que o declínio não pode ser evitado.  Sei que, agora, tenho de ser eu a ampará-la e a mimá-la, para que ela se sinta bem. Só quero que, no tempo que lhe resta, ela possa ser muito feliz. E faço tudo por isso. Porque  o tempo também inverteu, de certo modo, os nossos papéis. Mas não deixa de ser triste constatar que, entre nós, só o  amor continua igual.
Os Domingos à tarde são um tempo só nosso, momento especial de estarmos juntas. Hoje, tento aproveitar ao máximo esse tempo. E  não consigo imaginar-me  sem os seus olhos verdes, sempre vivos,  mudando de tonalidade consoante o seu humor, nem sem os nossos risos cúmplices e os nossos abraços apertados.
Tenho, muitas vezes, saudades do seu colo. Do tempo em que bastava dizer: "ó mãe!" para tudo se resolver; em  que  bastava ser embalada pelos seus braços fortes e bons  para que todas as minhas dores passassem   e  os meus desgostos de menina se desvanecessem.
Quem sabe se, de afecto em afecto, o que procuramos a vida toda não é mesmo o regresso a essa inocência irremediavelmente perdida, que continua a parecer-nos  a "Terra Prometida".

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ternura



Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira

Hoje, agora, em total desarmonia com uma tarde agreste de Outono,  despedindo-se  impiedoso  e violento,  é só ternura que me enche o coração.
E, sempre que digo, penso, ou sinto ternura, é este poema, lindo, que eu adoro, que me vem à cabeça.
Mas, hoje, quero dar-to! Porque, repetindo O'Neill, também eu "tropeço de ternura por ti."

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Noites de Lisboa



Conhecida pelo seu romantismo meio decadente e  por uma  luz absolutamente  inigualável, Lisboa tem, também, uma extraordinária vida nocturna.
É quando o sol desaparece e o Tejo fica às escuras, que Lisboa desperta da sua habitual quietude  mais ou menos pachorrenta, se volta  para si  e se agita festiva, como uma adolescente em alvoroço.
Eu, que sou conhecida por ser muito "urbana", vivo em estado de permanente paixão pela minha cidade, caprichosa, cativante e sedutora a todas as horas.
Houve uma altura, há uns bons anos, em que saía quase todas as noites. Animada pela euforia da emancipação acabadinha de chegar, queria viver tudo de uma vez, como se nada, nem ninguém, me pudesse deter. Era o tempo em que tudo tinha que ser para hoje, já, agora mesmo. Em que queria ir aqui e ali, na sofreguidão desmedida de conhecer tudo e mais alguma coisa, restaurantes, bares, discotecas... E absorver, exaustivamente, o mundo de diversão que a noite me oferecia, que era de certo modo novo para mim e me encantava a ponto de não deixar sequer lugar para o  sono, nem para o cansaço.
Naquela época, todos os caminhos iam dar ao Xafarix, que era um dos lugares incontornáveis da noite de Lisboa. E onde, ainda por cima,  estava o Luís Represas, não na distância fria de um palco, mas coladinho a nós, com aquela voz única que Deus lhe deu, a cantar canções brasileiras (tantas vezes melhor do que as versões originais), lindas, que embalavam os nossos amores e desamores de então, que continuaram a fazê-lo durante uns anos e que, ainda hoje, me vêm frequentemente à memória. Como esquecer: Foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão, que muitas gente boa...Não há ó gente, oh não, luar como esse do sertão... Prepare o seu coração, p'rás coisas que eu vou contar... E por falar em saudade, onde anda você... Quero falar de uma coisa, adivinhe onde ela anda...Ou ainda a Saudosa Maloca e a Teresa da Praia, em duetos tão deliciosos como hilariantes com um impagável Cajó?
E, no entanto, era quando a madrugada já ia adiantada e o Xafarix encerrava portas,  que aconteciam os melhores momentos, os mais emotivos, com um grupo restrito que se ia deixando ficar, a conversar, a beber, a comer tostas mistas, a rir e a cantar, em longas noitadas de  emoções, afectos e música, que, quase sempre, se prolongavam até à hora em que o dia já se fazia anunciar.
Guardo, bem vivas, muitas recordações boas desses anos e de incontáveis noites de farra total. Lembro-me, por exemplo, de uma vez ter estado connosco Pablo Milanês; e de outra noite em que fomos todos para minha casa, lá para as seis da manhã, comer bolo rei torrado com manteiga e ouvir Frank Zappa.
Entretanto já passou muito tempo, aconteceu muita coisa e todo aquele frenesim de outrora se esgotou.
Hoje, continuo a gostar da noite e de "sair", mas faço-o de maneira muito mais comedida, pensando nos efeitos colaterias que uma noitada à maluca pode causar no(s) dia(s) seguinte(s).
Ir jantar fora é um dos meus grandes prazeres. Gosto de bons restaurantes, daqueles onde o ambiente acolhedor, a comida e a bebida mais  requintadas, associados a uma excelente companhia, são a garantia de pequenos pedaços de paraíso. De momentos que fazem a vida valer a pena. E há restaurantes magníficos em Lisboa. Não os conheço todos, naturalmente, mas dos que já visitei (e repeti várias vezes) continua a ser, talvez, A Travessa, na Madragoa, que está no topo das minhas preferências. A isso não será indiferente a sua localização, no espaço meio feérico do Convento das Bernardas, que faz muito mais o meu género do que os ambientes frios e algo minimalistas do tipo  Bica do Sapato.
De discotecas nunca fui grande fã, embora tenha feito todo o circuito (kremlin, Plateau, KapitalLux, como todas as pessoas da minha geração), mas cada vez tenho menos paciência para esse tipo de espaços.
Para mim,  que sempre preferi os bares às discotecas, as melhores noites de Lisboa, as melhores festas, continuam a ser as do Xafarix. Há, agora, locais belíssimos, à beira-rio, ou com deslumbrantes vistas sobre a cidade, mas,  ali, no velho Chafariz de Santos,  vinte anos depois, o Xafarix continua igual e imparável, com boa música, muita alegria  e o sucesso que só consegue ter quem percebe o que anda a fazer. Mesmo se o Luís Represas  já só canta em dias de festa, lá está o Cajó para nos receber com a sua simpatia e boa disposição e sem o pretensiosismo exibicionista dos locais da moda.
Na verdade,  o Xafarix continua a ser um lugar de referência, um clássico, que eu não hesito em nomear como primeiríssima escolha, se me pedirem para assinalar um lugar para ir passar um bom bocado. E ainda que, actualmente, (e tirando a festa de aniversário, na noite de Santo António, que é imperdível e  em que acabo sempre por ir  "picar o ponto"), a minha presença no Xafarix seja incerta e pouco frequente, pelas mais diversas razões, é um sítio onde tenho sempre vontade de ir. Porque é como estar de novo na sala de velhos amigos, daqueles com quem nos sentimos bem, mesmo quando estamos muito tempo sem nos ver. E porque  é ali, naquele ambiente genuíno, festivo e acolhedor, entre risos e muita música, que continuo a sentir o aconchego e o bem-estar que só se sente em casa.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A moda das tatuagens

 
Definitivamente, eu não gosto mesmo nada de tatuagens.  Não consigo! Há modas que não me convencem de modo algum, vista a questão seja de que perspectiva for. E há coisas, também,  em relação às quais eu me confesso de uma intransigência sem limites, desproporcionada, quase irracional.
Dantes, quando eu era pequena, as tatuagens eram todas em forma de coração e tinham mensagens similares, que passavam  invariavelmente por uma inscrição do género: "amor de Mãe - Angola 1973". Hoje, há de tudo um pouco e para todos os gostos: desde a "Sininho" à execrável "Hello Kitty", passando por frases pseudo-profundas como: All you need is love, símbolos árabes ou caracteres japoneses, golfinhos no ombro,  rosas no tornozelo, estrelas na nuca ou no pescoço, flores no pulso, o nome do(a) namorado(a) nos lugares mais inconcebíveis, até aos desenhos personalizados e pretensamente originais, mas que de inovador têm muito pouco. E, no entanto, a diversidade não veio melhorar nada. Pelo contrário. O facto de ser uma moda que tem agora tantos seguidores, tornou-a  mais banal e corriqueira e, por isso mesmo,  ainda mais detestável. Com a agravante de que aquela porcaria nunca mais sai.
Quando penso em tatuagens, ou quando me entram pelos olhos dentro, vem-me sempre à ideia uma canção brasileira e a voz, magnífica, de Luís Represas: "Porque gado a gente marca (...) mas com gente é diferente..."
Falam-me de "arte" e de mais não sei o quê e eu não encontro ali beleza alguma. Apenas consigo vê-las no que têm de mais "chunga". Há em todas as tatuagens um toque qualquer de vulgaridade, que as torna, aos meus olhos, todas iguais. Um bocadinho exibicionistas, até.
E não apenas em casos extremos, de tatuagens enormes, que ocupam grandes extensões do corpo. Refiro-me a todas;  e, por isso, também, àquelas mais ou menos simples, em lugares recônditos, acessíveis apenas a alguns olhares, em circunstâncias de maior intimidade. Porque não há tatuagens discretas. É sempre qualquer coisa que está a mais,  uma espécie de borrão, uma mancha que se podia ter evitado. E já vi corpos lindos, que perdem a sua absoluta perfeição, porque, num cantinho qualquer, lá está aquele defeitozinho a dizer "olá, cá estou eu", confirmando a ideia de que "no melhor pano cai a nódoa".
Consigo, apesar de tudo,  amar quem tem uma tatuagem? Claro que sim, porque às vezes o amor sobrepõe-se a tudo e, então, a questão passa a ser insignificante. Não é pois caso para gostar menos de alguém só por causa de uma tatuagem,  mas, olhando para ela,  apetece-me sempre dizer: "Serias tão mais perfeito se não tivesses isso aí..."
Chamem-me beta, tia, snob, o que quiserem, mas não consigo olhar para uma tatuagem sem a achar uma "piroseira".
Enfim, parafraseando a Imperatriz Sissi, de um blog a que acho imensa piada, eu, quanto a esta "modernice", manifesto o meu enorme e mais profundo blheeec!

domingo, 9 de dezembro de 2012

O meu sofá


Ocupa o centro da minha sala e tem um lugar privilegiado na minha existência. Conhece os meus segredos mais obscuros, aqueles que não ouso mesmo contar a ninguém. Já viveu muito e talvez esteja, até, um bocadinho fora de moda. Mas isso não tem para mim a mais pequena importância. Porque temos uma longa história comum, de cumplicidade e de partilha.
Menos próximos de manhã, que é a altura do dia em  passo por ele com indiferença e quase o ignoro,  é a partir da hora de almoço  e à medida que o dia se vai fazendo noite, que nos vamos tornando mais íntimos. Então, consente-me tudo e, às ordens do meu humor e da minha vontade, deixa-se usar: para dormir, sonhar, divagar, descansar, ler, escrever, pensar, comer,  falar ao telefone, ver televisão, ouvir música, namorar. Para tudo o que eu quiser. E devolve-me a serenidade de que tantas vezes necessito.
É como um enorme colo, que me ampara e aconchega, única testemunha de inúmeras alegrias e desgostos, de tristezas passageiras, de  recordações, de desejos, de conversas e de silêncios, de mágoas profundas, de raivas incontidas e de lágrimas silenciosas, mas também de muitos momentos de ternura, de carícias demoradas, de almas a nu, de beijos apaixonados e de corpos despidos à pressa, na urgência do amor.
Sinto-lhe a falta com frequência. Quantos dias, sentada à frente do computador, a seguir ao almoço, me invade aquela moleza do corpo a pedir descanso e sonho com as delícias de uma sesta. Ou, em tardes de chuva e frio, anseio por lanchinhos, de lareira acesa, entregue ao seu conforto, de olhos presos na luz e no calor das chamas,  deixando o pensamento voar.
É onde gosto de me estender, quando chego a casa cansada, farta, ou triste. Ou quando estou feliz e  me apetece ficar um bocado sem fazer nada, deixando passar o tempo, perdida em mil  ideias e fantasias, de imaginação à solta, em tardes e noites ociosas, de silêncio, de paz e de preguiças várias.
Ah, se o meu sofá falasse, teria tanta coisa para contar...

sábado, 8 de dezembro de 2012

Blanca Paloma

 
Y a mí que me importa el día
ni el mes del año que sea
y aunque no haya romería
Mi fe siempre va con ella
Todo el año y cualquier día


Porque hoje é um dia consagrado a Nossa Senhora. E porque é a Virgem do Rocío que me guia, que me protege e que sempre me acompanha.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

E, de novo, Espanha


Não sou uma daquelas pessoas que olha com desconfiança para tudo o que é espanhol, alimentando o velho ditado segundo o qual, daqueles lados, "nem bom vento nem bom casamento." Irritam-me as rivalidades parvas entre dois países que têm tudo para se entender, porque, no fundo, se calhar, o que nos aproxima é muito mais do o que nos afasta, contrariamente ao que, durante tantos anos, sempre nos quiseram fazer crer.
Eu gosto de Espanha na sua diversidade e nos seus contrastes, como gosto de tudo o que é controverso e se ama, ou se odeia, sem indiferença nem meias tintas. É um país onde me sinto bem. Identifico-me com o prazer de viver e o espírito positivo, que faz de tudo uma festa. Mas, ainda me falta conhecer muita coisa. É que Espanha é enorme!...
Gostava, um dia, por exemplo, de fazer o caminho de Santiago, de ir ao cabo Finisterra, a Oviedo brindar com sidra, ou às festas de San Fermín, em Pamplona. E, também, a sítios menos afamados e muito mais recônditos, como Úbeda, na província de Jaén, considerada a jóia do renascimento andaluz,  Ronda,  ou Sos del  Rey Católico, em Zarogoza. E mais; muito mais!
Do que conheço, gosto de maneira mais intensa e apaixonada de San Sebastian, romântica e cativante, da aldeia de El Rocío (Huelva), por tudo o que significa para mim, de Barcelona, só por causa do Gaudí, (que os catalães são mesmo muito embirrantes), de Madrid, monumental e cosmopolita e, naturalmente, de Sevilha, que é a Espanha mais genuína.
Porque Espanha, para mim, é sul. É Andaluzia, sol, touros e mar. São as esplanadas, o flamenco e as sevilhanas. São noitadas intermináveis,  de amigos, de copos e de música. É o entusiamo excessivo e inebriante, com razão ou sem ela, o colorido forte e o à-vontade às mãos cheias.
Adoro  Sevilha, a sua cálida luminosidade, o ambiente "callejero" e a vida ao ar livre, o tilintar dos guizos das carroças  misturado com o som dos cascos dos cavalos no asfalto, a paz do rio Guadalquivir, o fervor religioso em ritmo de alegria, a simpatia das pessoas, o movimento fervilhante das ruas ao final do dia e a preguiça da sesta nas tardes quentes de Verão. Seja em que altura do ano for, Sevilha é sinónimo de ócio, de animação e de folia.
Há um ano que não vou a Espanha. E já tenho muitas saudades. Mas, daqui a mais ou menos vinte dias, vou resolver isso. Habituada a viajar em Dezembro, mas nunca nesta altura do ano, assim, entre festas (de Natal e de Ano Novo), é, de certo modo, uma estreia dupla, porque vou muito bem acompanhada, com amigos de há muito anos, mas com quem, por razões várias, nunca viajei antes. Só o destino é que não é novo. Repetir destinos conhecidos é uma velha mania minha e, desta vez, calhou Madrid. Não é a minha cidade preferida, mas é uma belíssima cidade, um  lugar onde me sabe sempre  bem regressar. E depois, Madrid é perto e bom caminho. E tem muito para ver e para fazer. Vai ser bom!...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Por toda a minha vida


Conhecemo-nos até ao mais pequeno detalhe, partilhamos pequenos e grandes momentos da vida um do outro, gardamos mil e um segredos de momentos só nossos, que nunca  ninguém, além de nós, saberá. Depois vem o tempo e o resto, que altera muita coisa, quase sem darmos por isso.
Mas não o essencial, que continua enorme e inteiro no coração. Porque há sentimentos que resistem ao tempo. E o que é que pode ser melhor do que a certeza de nos termos um ao outro para sempre?

domingo, 2 de dezembro de 2012

Espírito de Natal

 
Chegou o mês de Dezembro, tempo do advento e, por todo o lado, já se respira Natal.
Nesta época tão alucinantemente festiva, cheia de luz, de encanto e de emoção, é difícil não nos deixarmos contagiar pela euforia consumista, esquecendo um pouco a essência do que celebramos, o presépio e a sua lição de amor e simplicidade.
A alegria do nascimento do Menino Jesus traz, em cada ano, uma magia especial às nossas vidas. O que nos toca, verdadeiramente, é a força e a grandeza deste Deus Menino, que vem ao nosso encontro em toda a sua inocência, trazer-nos uma mensagem profunda de verdade, de amor, de vida e salvação.
E, na emotividade da festa, parece que os sentimentos se acentuam e fortalecem. Parece inevitável sentirmo-nos mais perto das pessoas de quem gostamos.
Eu, que sou uma sentimental, vivo estes dias com as emoções à flor da pele, fico muito mais sensível, tudo me comove e, apetece-me, acima de tudo, apertar nos braços, com muita força, todas as pessoas de quem gosto. E dizer-lhes, muitas vezes, como são importantes para mim e como lhes quero bem.
É em alturas assim que tenho vontade de celebrar a vida ainda mais, de agradecer a Deus as coisas boas que me dá todos os dias ( e são tantas!) e as pessoas maravilhosas que trouxe à minha vida e, em parte, fizeram (e fazem) de mim tudo o que hoje sou. E porque o espírito do Natal é todo só amor, esse é o melhor presente que tenho para dar às pessoas que trago no coração. É que o amor é o que há de mais forte e mais bonito. O amor pode tudo. E só o amor importa.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Paris


Depois de Lisboa, é Paris a cidade que trago no coração. O que nos liga é um amor intenso e muito antigo. Conheci-a nos livros, nas fotografias, nas canções, nos filmes, antes de a conhecer na realidade; idealizei-a ao sabor da minha imaginação, deixando-me encantar pelo romantismo e a boémia que lhe estão associados, num tempo em que a cultura francesa era ainda a cultura dominante, embora já em fase de declínio.
Quando a visitei pela primeira vez, devia ter uns dezanove anos. E foi uma enorme emoção. Sonhara com esse encontro vezes sem conta. Ainda me lembro como se fosse hoje da minha entrada inicial em Paris, de madrugada, na excitação de tudo o que se quer muito e acontece pela primeira vez, na alegria desassombrada  de poder por fim estar num lugar que nunca vira antes e que, no entanto, já me pertencia. E da comoção de tudo ser  tão real e palpável, daquele mundo, até aí sonhado e imaginário, subitamente tornado verdade para os meus sentidos; e daquela primeira impressão de grandiosidade, de que tudo era afinal imenso, ou, pelo menos, muito maior do que  eu imaginara.
Hoje, já não sei quantas vezes lá voltei. Conheço Paris em quase todas as estações do ano: sei do sol abrasador nas tardes de Verão do Quartier Latin - que eu adoro -, do frio cortante que se sente ao caminhar nas Tuileries, em manhãs gélidas de Inverno, do encanto da cidade tão justamente apelidada cidade luz (ville lumière) intensificado pelo brilho das iluminações na época de Natal, da doce tranquilidade das manhãs na Place des Vosges, do sol de Primavera amenizando o silêncio e a quietude dos cais do Sena, luminoso, reflectido no rio, ou fazendo brilhar os  típicos telhados, na deslumbrante vista da cidade desde Montmartre. Falta-me apenas Paris no Outono;  e imagino como devem ser fantásticos os fins de tarde no Jardin du Luxembourg,  - que é um dos meus locais preferidos -, com as árvores e os extensos relvados cobertos de folhas douradas.
Gosto de tudo em Paris: dos monumentos e dos edifícios, das ruas e dos cafés, das praças, dos jardins, da cidade construída à volta do rio, da dissemelhança das suas inúmeras pontes, dos bateaux-mouche, passeando de cá para lá no Sena, da arte em cada esquina, do requinte de cada detalhe, do ar em que se respira cultura e sofisticação, da atmosfera simultaneamente retro e avant-garde.
Paris é uma cidade apaixonante, um daqueles lugares com alma, onde o amor apetece. Há nesta cidade uma magia qualquer, uma luz especial, um magnetismo insondável, que me faz querer sempre voltar. Porque, para mim, regressar a Paris é como regressar aos braços de um amor antigo, que se conhece de cor e ainda assim nos surpreende e entontece, que guarda inesgotáveis segredos por revelar. Entre nós há uma cumplicidade que não consigo explicar. Talvez só em Baudelaire, na sua Invitation au Voyage, encontro algo que se aproxima vagamente do que Paris me faz sentir, no dístico que se repete como um estribilho: Là, tout n'est qu'ordre, beauté, luxe, calme et volupté.
Paris é um dos meus grandes amores. Um amor sem porquê. Mas, não são todos os amores inexplicáveis, avessos a definições, irredutíveis às palavras?  

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Objecto(s) de estimação

 
Se me pedissem para escolher um objecto que me definisse, não hesitaria em escolher uma caneta. Adoro canetas. Todas as canetas, mas sobretudo as de tinta permanente, que são aquelas com que me dá mais prazer escrever, que utilizo em todas as circunstâncias e das quais tenho uma vasta colecção.
Tenho pena que se escreva cada vez menos à mão. Durante anos, ouvi gabarem-me a caligrafia, pequena, redonda e certinha. Muito legível, como sempre me diziam. E lembro-me dos livros de ponto onde os meus sumários se destacavam, por causa da minha letra e das cores com que gostava de escrever: azul, sempre, em diferentes tonalidades, do turquesa ao bleu nuit  e, às vezes,  bordeaux. Lembro-me, também, de como, nos últimos Conselhos de Turma em que estive presente, as minhas colegas vinham munidas dos seus computadores portáteis, exibindo grelhas em Excel com percentagens relativas às coisas mais mirabolantes e eu insistia nos meus cadernos franceses, com anotações coloridas, manuscritas a tinta permanente, resistindo à tendência para reduzir a uma fórmula matemática a avaliação do percurso de aprendizagem de cada aluno.
Hoje, reconheço as inúmeras vantagens do computador e, no entanto, penso que, com a ditadura da era tecnológica, se perdeu o carácter distintivo das diferentes caligrafias, limitadas agora à monotonia de dois ou três tipos de letra - "times new roman" ou "arial" - que não revelam rigorosamente nada sobre a personalidade de quem os utiliza.
E depois, na frieza do teclado, não há o mesmo tipo de toque. É uma coisa mais superficial. Falta-lhe aquela sensualidade da caneta apertada entre os dedos e da mão deslizando devagar, encostada ao papel, da caneta quase como  uma extensão do corpo, numa relação muito mais física com a escrita.
Não se trata de insistir em ser "antiquada", mas há prazeres que não devem perder-se. É por isso que ainda gosto de escrever cartas, que têm um requinte e um vagar que se perde na imediatez do mail ou do sms. Mas, porque desde que estou na DREL os "ossos do ofício" me obrigam a escrever no computador o dia todo, também já me habituei a fazê-lo directamente, sem pegar na caneta.
Ainda assim, continuo a ter os meus cadernos e as minhas canetas. Continuo a trazê-las sempre comigo, para ir registando ideias e pensamentos que me vão passando pela cabeça, ou sensações e sentimentos que vêm cá mais de dentro. À mão, pois claro!...

sábado, 24 de novembro de 2012

Luís Represas


Quem me conhece bem sabe como eu gosto de Luís Represas, como é  a sua  voz linda, única e inconfundível, a que mais me emociona e que, nos últimos vinte e tal anos, - mais de metade dos que já vivi -  me tem acompanhado em  todos os momentos: de alegria e de tristeza, de silêncios cúmplices e de solidões magoadas, de amor e de dor, de sonho e de comoção...
Há, naturalmente, muitos outros músicos, vozes, canções, de que também gosto e que estão associadas a momentos que vivi. Mas esta é, sem dúvida, a voz e a(s) música(s) que marca(m) a minha  existência e que muito contribuíram para eu ser mais feliz.
Ao fim de todos estes anos, o Luís Represas faz parte da minha vida e não é um músico como outro qualquer. É um amigo muito querido, com um lugar grande no meu coração.
O Luís Represas faz hoje 56 anos. Para ele, um abraço muito apertado! 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O mito de Orfeu

 
Notável tocador de cítara e de lira, Orfeu emocionava os corações mais insensíveis que se detinham contemplativos e sonhadores a ouvir o seu canto e a sua música. Quando  Eurydice, a quem amava perdidamente, morreu picada por uma serpente, desceu aos infernos acompanhado da sua lira, para resgatá-la das trevas, depois de se ter abandonado a um silencioso e profundo desgosto. Graças à sua arte, comoveu os deuses da obscuridade, conseguindo permissão para trazê-la de volta à luz e à vida, com a condição de não se voltar e de não a olhar, nem lhe falar, antes de estarem ambos de novo no mundo dos vivos. Mas, à saída do inferno, vencido pela tentação, Orfeu não pôde impedir-se olhar para trás para se certificar de que Euryidce o seguia, perdendo-a, assim, para sempre.
 
Para mim, Orfeu é talvez o mais tocante dos mitos gregos. Por causa da sua relação com a poesia e a música, mas também pela indissociável ligação entre o amor e a morte, tema recorrente em toda a literatura ocidental; e que sempre me interessou.
O amor levado até aos limites, o prazer extremo por oposição à mais excessiva dor, a importância do instante que tudo decide, do momento que é simultaneamente redenção e perdição...
É tudo isto que me fascina, ou tão somente me identifico com a impossibilidade de resistir à tentação?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O fascinante mundo da blogosfera

 
Durante muito tempo resisti ao mundo virtual.  Só no fim de 2009 aderi à mais popular das redes sociais, quando já toda a gente "facebookava" a torto e a direito. E, ainda assim, moderadamente. Era a época áurea do farmville, que nunca me entusiasmou, assim como também não  experimentei outros joguinhos similares, nem nunca tive a mínima paciência para as várias aplicações do tipo: "Qual é hoje o teu grau de excitação sexual?"
O facebook permitia-me estar em contacto mais directo com quem, de outro modo, estaria mais tempo sem notícias. Era uma forma de me aproximar de algumas pessoas de quem gosto e com as quais,  por razões várias, não falo muito. Por isso não aceitei adicionar muitos conhecidos daqui e dali, que me enviavam pedidos. Porque não me interessava nada do que diziam e faziam, nem sequer virtualmente. E já "apaguei" outros, pelos mais diversos motivos.  Também foi raro incluir na minha lista de "amigos" pessoas que não conhecia, a não ser três ou quatro que, apesar de tudo, vinham referenciadas. Conheci no facebook o Diogo Moura, a Isabel Santiago Henriques, a Ana Paula Almeida, por exemplo, antes de os conhecer em pessoa. Não me arrependi. Quando nos vimos pela primeira vez havia a estranha sensação de que, na verdade, já nos conhecíamos. E achei imensa piada a essa novidade.
O blog surgiu muito depois. E é, para mim, muito diferente. Dir-se-ia que o facebook é talvez mais social e o blog mais intimista. Esta é uma paixão recente, que me tem trazido  encantada desde Maio, quando, sem mais nem menos, decidi criar um blog, não tendo a mais pequena ideia de como isso se fazia. Não perguntei nada a ninguém, fui experimentando, até surgir "isto e aquilo" (o nome não é grande coisa, reconheço!), - o meu blog -  como a materialização de uma daquelas vontades irresistíveis, que me atacam de repente e que não descanso enquanto não consigo concretizar, uma daquelas paixões repentinas e assolapadas, que não importa sequer se vão durar.
A blogosfera proporcionou-me, em primeiro lugar, o gosto da escrita - que me acompanha desde sempre - de novo à flor da pele. Passou a ser uma maneira de trazer à luz sentimentos, pensamentos e tantas outras coisas que dantes ficavam escondidas no fundo escuro da minha gaveta, ou,  em silêncio, semi-ocultas dentro de mim. E tentar encontrar as palavras certas para dizer o que está cá dentro e às vezes só se consegue sentir. Ao início, teve um efeito quase libertador. 
Depois, ao mesmo tempo, fui conhecendo outros blogues.  E isso é que tem sido verdadeiramente enriquecedor. E fascinante, também. Comecei pelo da Helena Sacadura Cabral, que é um exemplo e uma inspiração, uma mulher extraordinária e querida, uma pessoa que admiro como poucas, que me ensina, pelo seu olhar sábio e experiente, a pensar, a pensar-(me), sei lá, até a viver melhor. E, a partir do blog da Helena, dos comentários que ia lendo, fui conhecendo outros; e, através desses, outros ainda, numa enorme e infinita teia de partilha de opiniões e pensamentos, de sentimentos e de gostos, semelhantes ou diferentes dos meus,  que foram criando cumplicidades e afectos. Há blogues pelos quais  desenvolvi mesmo uma espécie de "carinho". São os meus preferidos! E descobri, com surpresa, que  havia também pessoas que liam o meu blog. Melhor: que até o comentavam! Tudo isto é novo e emocionante.
Falam-me, às vezes, de "perigos", de um lado menos positivo, feito de insultos, cobardias e falta de genuinidade, que me é, por agora, (e espero que sempre) desconhecido. Seis meses e 79 posts depois, são vários os blogues que que leio e sigo com maior frequência. E gosto do que leio. De todos eles, além do da Helena, destaco dois, que são para mim os mais bonitos e aqueles de que me sinto mais próxima: o do Paulo Abreu e Lima, lindíssimo e absolutamente encantador; e o da Virgínia, artístico e ternurento. E adivinho as pessoas fantásticas que se escondem por trás das palavras, das fotografias e das músicas destes blogues, que também já fazem parte do meu quotidiano e da minha vida.
Hoje, estive com a Helena Sacadura Cabral, na apresentação do seu último livro: Os nove magníficos. É a terceira vez que estou com ela no "mundo real". A Helena é linda e a sua presença é ainda mais forte quando estamos perto dela, incrível na rapidez da sua gargalhada fácil, do sentido de humor que a caracteriza e na sua capacidade de, no minuto seguinte, nos emocionar pela maneira como se refere aos filhos e ao Miguel em especial. Quando lhe falei, a Helena sabia muito bem quem eu era e identificou-me automaticamente com a blogosfera. Para mim, foi tão simples  e tão bonito como (re)encontrar uma amiga de há muito tempo. É ou não  é magnífico, tudo isto?


domingo, 18 de novembro de 2012

As palavras


 
O cinema é um dos meus grandes prazeres. Há uma magia qualquer naquela coisa da sala escura e do ecrã enorme, que se perde totalmente na televisão. É raro, por isso, ver um filme na televisão. Hoje, foi dia de cinema.
Jeremy Irons é um motivo suficiente para fazer um filme valer a pena. Mas este filme - The Words - é muito mais do que apenas outra  excelente interpretação. É um filme sobre as palavras e a sua importância. E também sobre a força das coisas que elas não conseguem dizer. E sobre a realidade e a ficção, aparentemente tão próximas, mas  distintas, no fim de contas.
A tradução do título original em espanhol  - El ladrón de palabras - aproxima-se mais do assunto central: a apropriação das palavras dos outros. Na verdade o filme não conta apenas uma história, mas várias, encaixadas umas nas outras, num processo de mise en abîme, que evoca em mim os velhos tempos da Faculdade de Letras.
A minha paixão pelas palavras é um caso antigo e, talvez porque nos últimos tempos voltei a andar às voltas com elas e com a distância que as separa do que elas querem  dizer, gostei particularmente deste filme, que é daqueles que, quando termina, nos faz ficar sentados durante uns instantes, em silêncio.
Foi, pois, uma escolha muito acertada; um filme perfeito para este Sábado de preguiça!

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Tem dias...

 
Deve ser do Outono. Deixo-me levar pela nostalgia dos dias cinzentos, solto palavras e emoções que tantas vezes prefiro calar num cantinho escondido do mais fundo de mim e ouso enfim dizer-te que há  dias assim, em que a saudade  de ti não tem tamanho  e é tão grande que me dói.
É uma inquietação que  começa mansamente, sem qualquer aviso prévio, que se vai espalhando devagar, tomando conta de tudo, instalando-se sem pedir licença, ocupando o coração e a cabeça, o corpo e a vida.  Começa sempre pelo lado de dentro e chega depois à superfície da pele.
Então, é como se não existisse mais nada do que a falta  de te ter inteiro, das tuas mãos no meu cabelo, nas minhas pernas, à deriva pelo meu corpo todo, fazendo-o arrepiar-se e estremecer. E da força do teu abraço apertado, da tua respiração no meu pescoço ou confundida com a minha, da tua voz murmurando baixinho ao meu ouvido, ou explodindo de prazer.
Na cabeça soam ecos distantes  de Caetano Veloso:"O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar, ir aonde ele quiser, ser o que ele é..." É tudo tão verdade e ao mesmo tempo, se calhar, não é bem isso; é antes, sem temer as palavras, contar-te tudo o que me fazes pensar, dizer-te que chega de tantas vezes ter o teu toque à distância da mão e afinal não. Hoje não! E que queria que fosse tudo muito mais fácil, tão fácil como um estalar de dedos, ou um passe de mágica. Que não quero ter-te perto sem te ter, que às vezes os teus olhos não chegam; nem a tua voz. Que quero mais.
Dizer-te de uma vez que sim, que preciso de ti muito mais do que te digo, que te quero, que te quero aqui, já, agora mesmo, que preciso com urgência de aninhar-me inteira em ti, outra vez, mais uma vez. E voltar a desatar a paixão, sem querer saber de antes nem depois, saboreando apenas, lentamente, o gosto e a textura de cada bocadinho de ti, como se não existisse mundo, nem vida, para além de nós dois.  E que qualquer outra coisa não me aquece a alma, nem me acalma o corpo em sobressalto, porque tudo o que não sejas tu me sabe a pouco.
Mas amanhã é outro dia, volta o sol e o sorriso,  a tua presença na minha existência será suficiente, hoje sim, amanhã talvez... E voltarei a deixar-me arrebatar pela maravilha que é a vida, onde tu também estás. Por isso é ainda mais bonita e  luminosa!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um apelido diferente

 
Gosto de ter um apelido pouco comum. Estou habituada a toda a espécie de perguntas sobre ele. De: "É Mouzinho com s ou com z?" a "Como é que isso se escreve?", passando pelo quase inevitável:  "Apelido? Mouzinho. Como?"  Está claro que Mouzinho não é propriamente Silva, mas basta lembrar Mouzinho de Albuquerque e o indissociável Gungunhana para se compreender que não é assim tão raro. Ou que, pelo menos, já  deveria ter sido ouvido alguma vez. Afinal, é um nome histórico.
Enfim, já nem estranho que me troquem o nome, de Mouzinho para Mourinho, Moutinho, ou outras coisas semelhantes e ainda mais extraordinárias. Piores, diria eu. Como "Mauzinho", na versão espanhola, ou na versão "alcunha", para os  alunos que me acham demasiado exigente. O que, aliás, considero um elogio. Gosto da pergunta: "Quem é a tua professora? A Mouzinho?"
E depois há ainda, na versão mais querida,  - que eu adoro -, a Mouzas, expressão carinhosa que significa, automaticamente, que quem a utiliza gosta de mim.
Agrada-me este nome que me distingue, que está colado à minha pele e à minha personalidade. Há poucos Mouzinhos. E ainda bem! Os Mouzinhos (os da minha família, pelo menos) têm algumas características em comum: são mais dedicados às letras e às artes do que às ciências, têm todos os mesmos olhos e alguns também um nariz peculiar. Há quem os ache um pouco vaidosos, ou mesmo convencidos. Exageros, com o risco e a margem de erro que têm todas as generalizações...
Seja ele qual for, habituamo-nos ao nome que temos, comos nos habituamos à imagem que o espelho nos devolve e a tudo o que nos caracteriza e faz de cada um de nós uma pessoa diferente das demais. Mais que tudo, o meu nome - este nome -  faz parte de mim. E orgulho-me dele. Isabel Mouzinho? Oui, c'est moi!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quando a anormalidade se torna normal


Hoje é muito mais comum ouvir-se falar mal do que ouvir-se falar bem. Tanto que as incorreções já não espantam ninguém. Pior: as incorreções vão-se transformando em "normalidade", perante a indiferença generalizada dos que consideram que dizer "assim" ou "assado" não tem a menor importância.
E, por isso,  predominam os  "prontos" "fostes" "hádem" "haviam" "diria-lhe" "eu chamo ele" "eu disse-lhe a ela"  "um dia solarengo" entre muitas outras distorções e monstruosidades, que se vão tornando banais.
Veja-se o seguinte diálogo:
- Ontem esteve um dia tão solarengo! Onde é que fostes ?
- Era para ir passear com a minha mãe, mas como haviam muitas pessoas na rua, eu disse-lhe a ela: Prontos! Ficamos em casa. Hádem vir outros dias assim. E ela chamou-me de preguiçosa. Eu diria-lhe que é mais uma questão de comodismo...
Quantas pessoas não acharão este diálogo perfeitamente correcto? Quantos não considerarão que cumpre a seu objectivo de fazer passar uma determinada mensagem e que só isso importa?
No meio de todas estas barbaridades que,  a cada momento, ferem os ouvidos e fazem arrepiar os pelos dos poucos que ainda têm respeito e consideração pela nossa língua, assume particular relevância e complica-me de forma especial com o sistema nervoso o "chamar de...", que já se vulgarizou completamente. "Ela chamou os seus vizinhos de ignorantes" passou a ser regra, em vez da forma correcta: "Ela chamou-lhes ignorantes" ou "Ela chamou ignorantes aos seus vizinhos." Toda a gente, (incluindo pessoas supostamente intruídas e que teriam obrigação de saber como se diz), parece ter esquecido que se chama alguma coisa a alguém e não se chama alguém de alguma coisa. Porque não somos todos brasileiros, graças a Deus!...
Enfim, o domínio da língua e o uso que se faz dela também diz muito da cultura de um povo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Livro(s) marcante(s)



Devia ter dezassete anos e não sabia que caminho escolher. A minha preferência ia naturalmente para as letras, mas dividia-me entre a Filosofia e a Literatura, porque ambas me fascinavam, sem ignorar a opinião dos que defendiam que, face à minha visível capacidade de síntese e de argumentação, seria Direito a opção mais acertada. 
Eu ouvia e duvidava. Na verdade também achava que conseguia exprimir-me com razoável clareza na escrita, mas sabia que não era uma comunicadora nata. E, sem certezas, o Direito parecia-me demasiado rígido e pouco adequado ao meu lado mais introspectivo e sonhador. Faltava-lhe a vertente estética, criativa, que me parecia dever fazer parte do meu quotidiano.
Ainda hoje penso que foram os livros que me levaram a decidir-me finalmente pela literatura e, de uma forma muito particular, este livro: Aparição, de Vergílio Ferreira. Não sei explicar porquê. Sei que, naquela altura, me tocou mais que os outros. Mas, no fundo, estou certa que o que motivou a decisão final foi um conjunto de factores. Foi, por exemplo, também, um excelente professor de Português que me deu aulas nos  dois últimos anos do liceu, que me ensinou a ver a literatura muito para além das palavras no seu sentido mais imediato, que me fez amar tantos autores de língua portuguesa, que me deu a conhecer  Eugénio de Andrade e alguns  poemas que ainda recordo, que quase sei de cor  e que me encantam até hoje: Já gastámos as palavras pelas ruas, meu amor...
Escolhi o meu curso sabendo  o que me estava destinado no final, mas posso dizer que ser professora foi mais uma consequência do que uma motivação. O que eu sabia que gostava e queria fazer era ler e escrever. E isso dava-me tanto prazer, que achava que podia transmiti-lo aos outros. É o que tenho tentado fazer: ensinar como pode ser bom ler. E escrever. Como podem ser apaixonantes as palavras e as línguas. Como a literatura nos permite conhecer o mundo, conhecermo-nos e sonhar. Espero, nalguns casos pelo menos, tê-lo conseguido.
Quando acabei o curso, achei que se calhar ainda podia ir fazer o de Comunicação Social. Mas não cheguei a concretizar essa ideia. E, hoje, tenho a certeza que fiz uma escolha acertada, da qual não me arrependo de todo.
Na minha vida, os livros tiveram sempre um lugar central. Sempre me lembro de ler muito e de gostar de o fazer. Houve muitas coisas que vivi nos livros antes de as viver na realidade. Mas há sempre aqueles que nos marcam.
Destaco, entre muitos outros que  ajudaram a formar a minha personalidade e mundividência, além deste, mais dois: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez, que li pela primeira vez com 18 anos e, muito recentemente, As Travessuras da Menina Má, de Mário Vargas Llosa.
Passsados todos estes anos, Vergílio Ferreira continua a ser um dos meus autores preferidos, mas nunca mais li este livro e presumo que, se o fizesse, provocaria em mim um efeito totalmente diferente. O que sei é que há livros que ninguém pode deixar de ler. E que há, também, os nossos livros... E que, sem eles, a nossa vida não seria a mesma.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O teu abraço


Há momentos em que tudo é só desejo, em que tudo se resume ao corpo, na excitação da vontade física, na urgência do abraço apertado, do peito contra o peito, às ordens do coração, no prazer da entrega total, que não deixa pensar em mais nada. E na paz que vem depois, num tempo e num espaço onde só há lugar para o amor.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Alma Portuguesa



Este Sábado, num Coliseu repleto de gente de diversas proveniências e faixas etárias desiguais que subitamente se remeteu ao mais profundo silêncio para ouvir cantar o fado, pude perceber, talvez pela primeira vez na vida, a sua força unificadora como elemento caracterizador de um povo. E deixar-me levar pela magia da música, também...
É difícil  ser português e não se emocionar  com o fado. Mesmo se esse não é o nosso género musical favorito. Mesmo se não é essa a nossa primeira opção nos momentos em que não sobra espaço para as palavras e queremos que só a música e os sentidos tomem conta da nossa vida.
Falo por mim: contam-se pelos dedos de uma mão os discos de fado que tenho. Há fados e fadistas, mesmo reconhecidos nacional e internacionalmente, que não me dizem nada. E este  foi só o segundo grande concerto de fado a que assisti. Porque gosto da Carminho e de a ouvir cantar. Porque, para mim,  se distingue das demais. Porque há naquela voz grave e fresca uma mistura de tradição e de não sei quê de inovador. Porque há,  sobretudo, na sua forma apaixonada de cantar, uma entrega que me toca, que arrepia, como se vinda do mais fundo de si a sua voz nos leve também ao mais fundo de nós e sintetize na perfeição o paradoxo entre contenção e arrebatamento que nos caracteriza na nossa essência, simultaneamente heróicos e receosos, nostálgicos de uma glória passada que sabemos que não regressa e crentes no destino para justificar a inércia do presente.
Ali, na escuridão e no silêncio daquela sala imensa, palco para mim de tantas memórias de outras noites de fortes emoções e puro encantamento, senti, como nunca, que na melancolia e na dolência que transmite o som da guitarra portuguesa está muito do que somos. E assim, na profundidade de emoções e sentimentos que ela evoca, é possível esquecer um país que tantas vezes nos desilude e envergonha, é possível sentir orgulho na alma portuguesa. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Um bom filme

 
Não gosto muito de filmes de acção e o 007 não faz propriamente o meu género. No entanto, desta vez, rendo-me.
Skyfall é um filme que vale a pena ver. São duas horas e meia  de uma história inverosímil, mas que prende e distrai. É um filme bem feito. Para mim  é, sobretudo,  um filme bonito. Tem um genérico lindíssimo, tem imagens magníficas, tem as fantásticas interpretações de Daniel Craig, Javier Bardem, Julie Dench e Ralph Fiennes. E tem esta música, cantada pela maravilhosa voz de Adele. Recomenda-se!...
 
Where you go, I go
What you see, I see
I know I'd never be me
Without the security
Of your loving arms
Keeping me from harm
(...)
Let the sky fall
When it crumbles
We will stand tall
Face it all together
(...)

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pai


Há treze anos, este foi um dia triste. Era uma sexta-feira. Eu não tinha aulas às sextas-feiras. Mas andava a aprender espanhol. Quando regressei do Instituto Cervantes, deviam ser umas oito e meia, um telefonema da minha irmã com aquela notícia que nunca se quer receber e a certeza dolorosa de que, afinal, as pessoas de quem gostamos não são imortais. Sabemo-lo, mas no fundo do coração temos uma secreta esperança de que possam ficar connosco para sempre. É talvez por isso que nunca estamos preparados para uma notícia assim...
Tenho recordações um pouco difusas do que se passou a seguir. Sei que nessa noite dormi mal. Lembro-me, sobretudo, da enorme sensação de solidão e desamparo que nada, nem niguém, parecia poder atenuar.  
Depois, durante algum tempo, não sei já quanto, senti-lhe a falta com maior ou menor intensidade. Arrependi-me um bocadinho de não ter sabido aproveitar melhor o tempo que a vida nos dera para estarmos juntos. De tanta coisa que entre nós tinha ficado por dizer. E espantei-me de sentir uma mágoa assim tão funda, como se, de repente, tivesse perdido as referências  e a própria vida tivesse ficado de certo modo diminuída, como se algo se tivesse apagado definitivamente.
A nossa relação não havia sido sempre simples, nem pacífica. Distante, conservador, lunático, pouco dado a manifestações de carinho, gostava pouco de beijos e abraços e, que me lembre, era raro sentar-me no seu colo. Às vezes, até parecia que estava ali sem estar. Em algumas ocasiões, feita tonta, cheguei a duvidar de que gostasse de mim...
Mas o tempo é um aliado bom e volta a colocar tudo no seus lugares. À distância de todos estes anos, reconheço agora que nos amava profundamente, embora tivesse sido educado no pudor dos afectos. E, de vez em quando, vêm-me à memória pequenos episódios do passado  e recordo mil e uma histórias que vivemos juntos, mas às quais não demos, no momento em que aconteceram, qualquer importância ou valor.
Ainda assim, foi pela sua mão que conheci muito do mundo e da vida. Foi ele que me ensinou a jogar xadrez e a escrever à máquina, que me ensinou a conhecer bem e a amar Lisboa, em grandes passeios a pé pela cidade, que muitas tardes se sentou pacientemente no banco do jardim infantil do Parque Eduardo VII até nos cansarmos de brincar, que me levou à catequese,  à missa na Capela do Rato e à ginástica no Sporting, que me ensinou a rezar e a ter fé e  tantas outras coisas só nossas.
Na lembrança que fica nos outros, na marca que deixam em nós é que as pessoas se "vão da lei da morte libertando". Hoje, agora, só consigo lembrar-me das coisas boas. E, com todos os seus defeitos e singularidades, além da minha vida, uma parte do que hoje sou, devo-a e agradeço-a ao meu pai.  

domingo, 28 de outubro de 2012

Missa Brevis



De João Gil pode esperar-se tudo. Com uma certeza: o que faz, quando faz, é sempre muito bom. É sempre bem feito. Mais que isso. A cada novo projecto, João Gil tem a capacidade de inovar e de surpreender, com o seu enorme talento e o seu génio musical.
Tenho acompanhado o percurso artístico do João Gil nos últimos trinta anos. Trinta e tal. É muito tempo! O João Gil é, sem dúvida, um dos músicos da minha vida e é, além disso, também, uma pessoa de quem gosto muito, simples, afectuosa, próxima, encantadora como muito poucos dos que têm o seu estatuto e notoriedade.
Há tempos, no final do mês de Maio, no lançamento do livro da Helena Sacadura Cabral, encontrei o João Gil, que me falou com entusiamo dos seus novos projectos e também da ideia de fazer uma missa em latim. Arrebitei as orelhas e arregalei os olhos. Pareceu-me estranho e interessante, simultaneamente. Fiquei curiosa....
Na última quinta-feira, cerca de cinco meses depois,  tive o privilégio de assistir ao vivo, no magnífico cenário  da Igreja de S. Roque, à primeira apresentação da Missa Brevis,  álbum de músicas compostas com base em textos litúrgicos, cantadas em latim por aquela que é para mim a mais bonita de todas as vozes - a de Luís Represas -  e também por Manuel Rebelo, num novo grupo chamado Cantate, que conta ainda com Manuel Paulo ao piano e Diana Vinagre no violoncelo.
 E, uma vez mais, fui testemunha de um momento único, intenso, absolutamente arrebatador e que me deixou de lágrimas nos olhos. Só que desta vez foi diferente. Foi ainda mais especial. Por tudo: pelo tempo que vivemos, pela novidade, pela profundidade, pelo sentimento, pela entrega, pela partilha de uma "inquietação" que começa por ser pessoal, mas que é, também, de todos nós.
Já ouvi o Luís Represas cantar em quase todos os contextos e todos os tipos de música, com diferentes acompanhantes e acompanhamentos. Ao som da voz de Luís Represas já experimentei toda a espécie de emoções e sentimentos, já não sei quantas vezes me emocionei, me comovi e arrepiei,  amei, sonhei, chorei, ri, sofri, cantei. Mas desta vez foi uma emoção que nunca experimentara, como se naquele lugar tão marcadamente espiritual, com aquela música, me tivesse apercebido que a arte e a fé têm muito mais em comum do que pode parecer, sobretudo porque, como tão bem explicou João Gil, ambas surgem de uma inquietação e da procura de respostas:  "Se não fosse a inquietação e a interrogação das coisas, não haveria música, arte, não haveria esperança.” 
A Missa Brevis  está à venda a partir de 2 de Novembro e é para ouvir muito, com muita atenção. E para deixar-se levar por aquela excelente música e por aquelas vozes excepcionais. Por mim, resta-me agradecer outra vez ao João Gil e ao Luís Represas por encherem de música a minha vida e com isso contribuirem para eu me sentir imensamente feliz!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Monstruosidade linguística




Como se não bastasse aquela aberração que dá pelo nome de Acordo Ortográfico, há hoje uma calamidade ainda maior, cujas consequências são incalculáveis e seguramente devastadoras no ensino e na aprendizagem do Português: a imposição  de novos conceitos e termos linguísticos, excessivamente discutíveis e complexos, sobretudo atendendo à faixa etária e ao grau de conhecimentos do público a que se destinam.
Conhecida inicialmente como a nova TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário) deveria ter começado a ser aplicada em 2006/2007, nos 3º 5º e 7º anos de escolaridade. Dada a polémica surgida na altura, que suscitou acesa discussão pública e motivou os mais acalorados debates e artigos de opinião, a TLEBS foi suspensa e substituída depois pelo DT - a sigla, que deveria significar "DemênciaTotal", mas na verdade quer dizer "Dicionário Terminológico" - que  fez algumas (poucas) alterações à TLEBS e entrou em vigor no ensino do Português, perante a passividade e o silêncio generalizados.
O novo Programa de Português do Ensino Básico (PPEB) iniciou-se no ano lectivo de 2011/2012, para os 1.º, 2.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade, de acordo com o disposto na Portaria n.º 266/2011, de 14 de Setembro.No presente ano lectivo, os alunos do 1º, 2º, 5º, 7º, 10º 11º e 12º anos estão a estudar os conteúdos gramaticais de acordo com os termos definidos no Dicionário Terminológico, enquanto que os restantes alunos do 3º, 4º, 6, 8º e 9º anos estão ainda a aprender a terminologia definida na gramática tradicional.
É assim que, hoje, se ensina a um aluno do 5º ano, por exemplo, que um ditongo é uma sequência de vogal e semivogal (cujo conceito é extraordinário para crianças de 9 anos) e que os ditongos podem ser crescentes ou decrescentes, consoante a semivogal está antes ou depois da vogal.
E outras barbaridades semelhantes: Os complementos circunstanciais desapareceram e foram substituídos por modificadores, complementos oblíquos e afins. Hoje, um aluno do secundário tem que dizer: "isto é uma oração subordinada adjectiva relativa explicativa", tem de saber os mecanismos de coerência e coesão textual, que incluem coisas tão mirabolantes como catáforas e anáforas, tem de saber classificar os actos ilocutórios e aprender figuras de estilo totalmente abstrusas como zeugma, quiasmo e hipálage, só para dar alguns exemplos. Isto, quando a maior parte dos alunos, mesmo do ensino secundário, tem sérias dificuldades na interpretação de textos e enunciados, dificuldades de expressão oral e escrita e precisa, antes de mais, de aprender a pensar, de desenvolver o espírito crítico e a capacidade de argumentação, de aprender o prazer da leitura e de conhecer os autores de língua portuguesa.
É essencial perceber-se o absurdo da imposição desta terminologia de forma generalizada, em todos os anos e níveis de ensino, quando ela apenas pode interessar os especialistas em Linguística, dado o seu tecnicismo de elevado grau e, mesmo entre eles, não é consensual.
O que se consegue com isto? Confundir os alunos em primeiro lugar e, depois, fazer com que acabem por não saber coisa nenhuma, que aumente o insucesso e, mais grave ainda, que tudo isto contribua para os afastar cada vez  mais da língua, da literatura e da cultura portuguesas.
Afinal, para que serve  a gramática? Para impor uma quantidade de termos de difícil compreensão e reduzida eficácia para a maioria dos falantes da língua, ou para melhorar a competência linguística, para ensinar a reflectir sobre o seu funcionamento, para saber usá-la eficaz e adequadamente, para falar e escrever melhor, para compreender o que se lê?
Todos sabemos que o domínio da língua é a condição básica para a aquisição de qualquer conhecimento.
Insistir nisto é passar ao lado do que deveria ser o essencial na aprendizagem do Português  e pode mesmo, consequentemente, comprometer muitas outras aprendizagens. O fundamental tem que ser: ler, ler, ler; e escrever, escrever, escrever. A gramática deve ser "básica" e ensinada na medida em que possa ajudar a compreender melhor a língua para utilizá-la cada vez mais e melhor. Só isso!
Espanta-me que ninguém fale disto, que os professores obedeçam sem reclamar, que os pais não se queixem, que os responsáveis pelas políticas de educação não se preocupem, que se dê o facto como "consumado", que ninguém se manifeste também ruidosamente em relação a este sério e grave "crime contra a Língua Portuguesa", de que já falava Vasco Graça Moura num artigo publicado pelo DN em Janeiro de 2007, que ninguém grite a plenos pulmões que acabar com esta atrocidade é urgente, imperioso e inadiável. Para bem de todos nós!...