sábado, 5 de dezembro de 2020

Faltas de aqui e agora

O tempo tinha mudado muita coisa. A frescura da juventude dera lugar à maturidade com rugas à volta dos olhos  e a todos os detalhes, segredos, defeitos e qualidades um do outro, que já conheciam de cor. Havia tranquilidade onde antes tudo era inquietação, sofrimento, paixão desenfreada, ou medo de se perder definitivamente nas voltas do caminho. Para trás tinham ficado mágoas e amuos, lágrimas e tristezas, desconsolo e desacertos. Agora sobrava a cumplicidade de quem se tem e se quer uma vida inteira, a certeza de que, por muito que aquele fosse um amor não convencional, havia qualquer coisa que não podia compreender-se nem explicar-se e que nem a rotina e o passar dos anos haviam podido apagar. 

Tinham crescido juntos, aprendido devagar o que  importa e o que faz falta, aproveitando o que a vida traz de bom, assumindo vontades, sem se escusar nunca ao prazer. Também houvera as vezes em tudo parecia dizer que não, em que tinham hesitado entre ficar e partir, entre o prazer e a dor, entre tudo ou nada, questionando o sentido que fazia continuar assim. Mas logo percebiam que aquele amor, por mais antigo que fosse, era uma inevitabilidade das que nos marcam para sempre e que devem aceitar-se como nos chegam, viver-se sem limites nem pressas, entender-se  como uma benção sem fim. E era então que lhes nascia no peito a vontade de se apertarem com força nos braços um do outro, de se olharem no fundo dos olhos, e de se dizerem, sem palavras, a falta que sentiam. 

Queriam-se sem precisar um do outro, às vezes não, às vezes sim, de maneira insensata e desmedida, mas no fundo sabiam que se tinham e isso bastava para os sossegar, redimir todos os males e fazer felizes.

E só quando um bicho mau os obrigou a separa-se deveras, puderam perceber como era resistente o que os unia, imune  às mais variadas adversidades. E que, por mais que dentro das suas cabeças soassem muitas vezes canções de desamor, em momentos de nostalgia e de desânimo, era agora a falta que  sentiam um do outro que os fazia sentir na pele aquela canção que dizia "y entre sobras y sobras me faltas", porque por muita coisa que tivessem, era um do outro que mais necessitavam, e daquela presença com sabor a paraíso que estava acima de tudo, e era força, alento, mundo inteiro, razão de existir.

2 comentários:

  1. Certamente fala de mim - ou seja da minha história- mesmo sem o saber:)
    ~CC~

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pode ser a sua, a minha, a de tanta gente. É que apesar de se ter um pouco a mania que o que se escreve é "autobiográfico", a verdade é que é uma mistura do que vivemos e, também, de tudo o que "vemos, ouvimos e lemos". :)

      Eliminar