quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Os "especialistas" em indisciplina



Ainda a propósito do episódio do esfaqueamento de há três dias numa Escola Secundária em Massamá, que a comunicação social insiste em referir como "inédito", aparecem logo os "especialistas". Que dizem as coisas mais fantásticas. Alguns exemplos: "Só a forma como se entra na sala de aula pode mudar a atitude dos alunos"; ou " (...) aponta como problema ao combate da indisciplina o facto de os professores não conversarem com os outros para encontrar uma solução". E vá de fazer uma conferência sobre o tema, cheia de especialistas que, se calhar, nunca tiveram uma turma indisciplinada à sua frente. E, conhecendo o assunto apenas em teoria, estão cheios de soluções "na manga". Que faziam e aconteciam. Para este iluminado que era hoje entrevistado pelo DN, por exemplo, a solução seria qualquer coisa deste tipo: "A escola podia ter um ou dois professores ou um psicólogo que assistisse às aulas e ajudasse a reorganizar a sala de aula e a interacção do grupo, de forma a minimizar a indisciplina."
Eu leio isto e só posso desatar a rir. Porque este "especialista" não deve entrar numa escola desde que acabou o liceu e não faz a mínima ideia do que é uma escola, hoje. Eu, que não me intitulo "especialista", conheço muito bem esta realidade. Por dentro e por fora. E sei que, infelizmente, o que pode haver de inédito aqui é o planeamento de "um massacre", indiciador de problemas vários que serão, eventualmente, também do foro psiquiátrico. Porque cenas de violência física, psicológica e verbal, incluindo facas e afins, até, são muito mais comuns do que a generalidade das pessoas pode sequer imaginar e fazem parte do dia-a-dia da maior parte das escolas. De vez em quando há uma ou outra que chega à comunicação social. Lembro-me daquele episódio de há meia dúzia de anos, com um telemóvel. Sempre referidos como casos "isolados." Porém, quem conhece bem esta realidade sabe tão bem como eu que não é nada disso.
Acho, por isso, muita graça a estes especialistas de pacotilha que vão do alto da suas cátedras lançando as mais absurdas pérolas sobre o(s) assunto(s) da sua "investigação". Por mim, retirava-os durante um mês das suas universidades (do Minho, ou outras) e entregava-lhes uma turma CEF, daquelas mesmo "da pesada". Só para verificar se, passando da teoria à vivência real e quotidiana da questão, mudavam ou não de ideias...

16 comentários:

  1. Isabel,

    "Especialistas em tudo" há em toda a parte. Costumo por graça dizer que quem mais foi beneficiado com este clima de tensão social e económico foram os cronistas e comentadores que nos últimos tempos se multiplicam em magotes. Mas, por experiência própria como ex-aluno, pai e até assistente universitário, uma equipa coesa de professores, psicólogos e contínuos, pode fazer toda a diferença. Os exemplos vêm sempre de cima e ninguém melhor do que um aluno indisciplinado para melhor aproveitar uma anarquia residente. E, como sabe, basta haver um, para surgirem muitos grupos, que a coisa pega-se como peçonha.

    Quanto ao caso citado, tanto quanto soube foi isolado no sentido em que houve uma orquestração solitária; quanto ao resto, todos nós sabemos o que pode entrar numa escola (droga, armas brancas e armas de fogo). O que não pode entrar e reinar é incompetência e desorganização das equipas docentes e afins.

    Beijinho :)

    ResponderEliminar
  2. Estamos de acordo, Paulo. Para mim, o que começa por fazer a diferença é uma direcção competente, com capacidade de liderança e vontade de fazer coisas. Que se preocupe com os alunos em primeiro lugar. O resto acaba por vir por acréscimo.
    Hoje, conheço muitas escolas, como imagina. E posso garantir-lhe que mesmo aquelas que se situam em zonas mais ou menos problemáticas, acabam por conseguir resolver os seus problemas quando as direcções são competentes, o que infelizmente não acontece na maior parte dos casos.
    Se eu mandasse, começava pois por mudar a forma como, hoje, os directores são escolhidos. Garanto-lhe que há por aí gente muito competente "desaproveitada" e muito talento e vontade desperdiçados. Infelizmente, como o Paulo diz - e como acontece em tantas outras áreas - o que reina é "incompetência e desorganização". E há muito boa gente que se queixa, mas adora arrastar-se nesse habitual laxismo.

    Beijinho :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Deixem-me intrometer na conversa para dizer que aqui me parece que o caso é de cariz patológico, distúrbio psicológico, e que, desta forma, podia vir ao de cima a sua exteriorização em vários contextos. Infelizmente, para todos, foi numa escola. Obviamente que a organização escolar é um reforço da disciplina, mas também o é a organização e estrutura familiares, as condições socioeconómicas, o afeto, o estímulo, a saúde e mais. E aqui alguma coisa terá falhado. Sem esquecer a natureza de alguns seres humanos, que escolhem o lado obscuro da vida. Bjs para os dois, e para a maria madeira aqui em baixo :)

      Eliminar
    2. Pela parte que me toca, obrigada Faty. E beijinhos também para si :)

      Eliminar
  3. Só posso falar da parte em que fui aluna, e pelo que vi em determinadas turmas de que fiz parte - turmas com demasiados alunos - não era nada fácil para determinados professores controlar a situação.

    O que me apercebi é que, dava a sensação que os alunos indisciplinados, agressivos muitas vezes e outras tantas de uma má educação impressionante, dizia eu, pareciam respeitar mais, os professores, do que, as professoras. Pode soar a disparate, mas, as professoras nas situações que quase descambavam tentavam ser educadas e conversar com os alunos, o que, diga-se de passagem adiantava muito pouco e por vezes piorava ainda mais a situação. Os professores como que davam um 'murro na mesa' e a coisa passava automaticamente a um silêncio quase assustador.

    Não sei se passará por 'dar um murro na mesa'. Disparates...

    Beijinho, Isabel :)

    ResponderEliminar
  4. Infelizmente, Maria, a coisa não vai lá com "um murros na mesa".
    A indisciplina é hoje uma questão complexa, e não meramente comportamental, mas também social, económica, cultural, até. E atinge já todos os graus de ensino. (Sei de casos, por exemplo, no Técnico e no ISCTE em que os professores abandonaram as salas sem dar aula, por causa da indisciplina). E ninguém está imune. Se ouvir um professor dizer que nunca teve de lidar com problemas de indisciplina, desconfie. Porque não será verdade.
    Ela pode no entanto ser evitada e controlada e esse é um trabalho tanto mais eficaz quanto mais for feito em conjunto por um leque tão alargado quanto possível de todos os intervenientes no processo educativo, incluindo, naturalmente, as famílias. Mas não é nada fácil. ;)

    Beijinho (regressou às bloguices?)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Verdade, regressei às 'bloguices'. Está-me no sangue (o que quer que isso queira dizer) não consigo deixar de escrever... disparates ;)

      Eliminar
    2. Fez bem. Os motivos não importam. São tão boas as coisas que fazemos só porque nos apetece, não é?

      Beijinhos

      Eliminar
    3. Bem dito, Isabel. Transversal, a origem do problema e a solução.

      Eliminar
    4. Como nós tão bem sabemos, não é, Faty?

      Eliminar
  5. Muito bem. Concordo completamente tanto com o que afirma no post como nos seus comentários. Vê-se que sabe o que são as escolas, as direcções,as turmas (aí, os CEFs e certos profissionais!), os alunos e, quando os há, os pais.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. São muitos anos, José, a viver a escola e na escola. Conheço-a em todos os seus meandros. Pelo lado de dentro e de fora. Especialista sou eu - eheheh!

      Eliminar
    2. Os anos passados na escola ajudam, mas não explicam -- o problema das escolas, como bem sabe, não está na falta de experiência dos professores e das direcções, antes na concepção de ensino que os norteia e na formação que tiveram e reproduzem. (Sobre a mera veterania, digo como Brel "Plus ça devient vieux Plus ça devient ..."
      Sim, é especialista porque conhece a realidade e analisa-a com lucidez, recusando a demagogia das soluções fáceis, o que não sucede com alguns doutores das Ciências da Educação, alguns dos quais muito contribuíram para o actual estado de coisas.
      E escreve muito bem, pelo que é um prazer ler os seus textos, mesmo discordando -- o que não sucedeu desta vez.

      Eliminar
    3. Como julgo que percebeu, também não acho que a veterania por si só sirva para entender ou resolver o problema. Mas conhecê-lo por dentro e ter consciência e distanciamento suficientes para o analisar ajuda muito.
      Quanto ao resto, muito obrigada. E é bom que discordem de mim. E até gosto que mo digam, desde que civilizadamente, claro está.

      Eliminar
  6. CEFs, nem de propósito:) Este ano sou Diretora de Turma de 2 CEFs :) Serralharia Civil e Tratamento e Desbaste de Equinos (2 em 1, são 29 alunos numa sala em aulas teóricas e separados apenas nas técnico-práticas. Do melhor, não é? :)). E há 4 anos, tive 3 CEFs como professora, no mesmo ano, e numa nova escola. Foi duro... Agora não, estou catedrática nisto :) Mas é esgotante, de qualquer maneira. Dão um trabalhão... Mas subscrevo o que diz, Isabel, os especialistas nada sabem.. mesmo nada. E francamente estou farta destas campanhas anti-professores, que é o que acabam por traduzir.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já sabia disso, que tenho acompanhado o seu blogue, apesar de nem sempre o comentar.
      Pois eu, até agora, ainda não passei por isso, felizmente. E ainda bem. Tenho muita dificuldade e pouca paciência para quem não quer aprender nada. É uma incapacidade minha, eu sei...

      Eliminar