sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Pedro Rolo Duarte - os grandes nunca morrem


Nunca fomos exactamente aquilo a que se pode chamar amigos. E, no entanto, o Pedro esteve na minha vida quase desde sempre. Porque há pessoas que mesmo não fazendo parte do nosso círculo restrito nos marcam de uma forma que nem imaginam. Há pessoas de quem gostamos ainda antes de as conhecer, ou de quem nos sentimos às vezes bem mais perto do que daqueles a quem nos ligam laços de sangue ou outras proximidades. 
O Pedro é da minha geração. Partilhamos amigos (a Helena Sacadura Cabral e o Luís Represas, por exemplo) e gostos musicais, o amor por Lisboa e a paixão das palavras. Conheci-o quando comecei a ler as suas críticas musicais no Se7e, devíamos andar pelos finais dos anos 70, ou inícios de 80.  Pouco tempo depois, convidou-me, sem me conhecer, para ir à rádio falar do Futuro. E fui recebida como só se recebem os velhos amigos. Era o tempo de todos os sonhos e ilusões, quando a vida nos parecia poder durar para sempre. Era o tempo do Só com Gelo,  - para mim um dos melhores programas de rádio -, muito antes do Hotel Babilónia e já  com o João Gobern, o amigo da vida toda. No ano passado, em Maio de 2016, foi a minha vez de retribuir esse convite, ainda que tivessem passado cerca de trinta anos; e o Pedro veio ao Liceu Pedro Nunes com a generosidade e a simplicidade que o caracterizavam, falar do jornalismo e da sua vida. Quem o ouviu gostou muito e até se comentou que "assim vale a pena". O Pedro agradeceu-me por me ter lembrado dele e por gostar do contacto com as novas gerações. Entre estes dois encontros, fomo-nos cruzando mil vezes, em concertos e eventos, ou simplesmente nas voltas pela nossa cidade.
Desde esse primeiro encontro em 1985 ou 86, nunca mais o perdi de vista. Acompanhei o percurso diversificado pelos jornais, pela rádio, pela televisão, pelas revistas e suplementos de que foi editor - o inesquecível DNA, que tinha a sua fortíssima impressão digital de qual falava hoje o João no Expresso -  e mais recentemente o blogue no Sapo, onde, no dia 5 de Novembro, escreveu o último texto.
Sempre gostei de o ler e de o ouvir, mesmo quando não concordava com o que dizia. Porque o Pedro era um comunicador nato. Porque sabia juntar as palavras certas, que nos faziam pensar "É isto mesmo!" Porque era inteligente e profundamente sensível, porque era acima de tudo um criativo, cheio de ideias novas, a quem me parece que este  país, pobre de espírito e mesquinho, nunca soube dar o devido valor.
É por tudo isto que não exagero se digo que hoje me morreu um amigo. Eu sabia que o Pedro estava doente. E pelos amigos comuns ia perguntando e sabendo como estava. Mas a notícia de hoje deixou-me em estado de choque, numa tristeza para a qual todas as palavras parecem poucochinho. Porque o seu desaparecimento precoce me toca muito fundo; porque sei que me vai fazer muita falta; porque nunca estamos preparados para a morte dos que nos são queridos.
É nestas alturas que surge, inevitável,  a pergunta "porquê?"; e que  a vida nos parece injusta, feia e malvada... Há na letra de 125 Azul, de que o Pedro gostava tanto como eu, aquela frase que diz: "Mas Deus leva os que ama/só Deus tem os que mais ama"... Provavelmente, será isso. Provavelmente, o Pedro estará agora junto Dele, a ajudá-lo a, contrariando o provérbio, "escrever direito com palavras direitas". Logo ele, que até era de esquerda, mas mantinha sempre o espírito crítico aguçado, como fazem os sábios.
Por mim, nunca vou poder esquecer o seu sorriso aberto e o seu olhar triste, não vou poder esquecer a voz grave e pausada, que me fazia parar sempre que a ouvia. Nem vou esquecer, nunca, as palavras que me tocavam tanto.
Aqui ficam algumas, naquela que é a homenagem possível, a única que sou capaz de fazer neste momento. Estas de 15 de Setembro deste ano, por exemplo:

Aos poucos, recupero os espaços que me são familiares, que me dizem respeito, e que tenho como "meus", mesmo quando sei que tudo deixa de ser pessoal quando partilhamos com terceiros.
Este blog andou meio abandonado nos últimos meses. E não merecia. Foi o psicoterapeuta, o amigo, o muro de lamentações. Às vezes apenas um sinal de vida. Devo-lhe essa fidelidade canina. Nessa medida, também "sofreu" com os momentos em que não tive (e às vezes não tenho) cabeça, espírito, vontade, energia para o alimentar. É como um espelho.
Comemora este ano, em Novembro, o décimo aniversário, e tenho-lhe respeito como se fosse algo exterior e superior a mim - sabendo que não é. Na caótica relação que mantemos, ambos sabemos quem manda. Não há greves, nem reclamações, nem sindicatos. Há compreensão, amizade e lealdade.
Por isso. merece que lhe dedique a atenção que os últimos meses não permitiram. Aos poucos, vou voltando aos meus diversos quartos, salas de estar, varandas.
Vivia triste se não tivesse uma varanda.
Estou de volta à varanda. 

Ou estas de 18 de Outubro de 1997, no DNA:

É muito triste, mas é verdade: cada minuto da nossa vida é avaliado pelo que nos sucede, pelo que vivemos ,e não pelo conjunto de acontecimentos desse instante. Festejamos o nosso aniversário enquanto ignoramos olimpicamente a circunstância de, à mesma hora, haver gente a sofrer, a morrer, a passar os piores momentos das suas vidas. (...)
Agora, todos os anos, eu convivo com a proximidade de datas que confundem sentimentos, que puxam à melancolia, que arrancam lágrimas onde menos se espera: entre 16 e 18 de Outubro de cada ano vai a distância entre a saudade a felicidade, entre o desequilíbrio e a harmonia, entre a tristeza e alegria, entre a recordação e o futuro. O meu pai não chegou a conhecer este seu neto. As datas estão tão próximas - e os factos tão distantes.
Nesta diferença, neste abismo, cabem todas as relativizações do mundo (...)

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