É uma manhã soalheira de um Sábado de Primavera que parece anunciar já o Verão. Um daqueles dias em que nem importa levantar cedo, se acorda em perfeita disposição e quando se chega à rua, a luz é tão intensa que quase nos cega.
Daí a nada, abro o jornal, que folheio devagar, de trás para a frente como de costume, e leio a notícia: Rui Mário Gonçalves morreu ontem, na sequência de um ataque cardíaco.
Mal posso acreditar. Rui Mário Gonçalves era uma daquelas pessoas que me parecia que não haveria de morrer nunca, por mais irracional que fosse este pensamento. Depois de Maria Alzira Seixo foi o melhor professor que tive na Faculdade de Letras, quando em muito boa hora não escolhi a mesma opção que a maior parte das pessoas, os que faziam "Neerlandês" para ter boa nota sem muito trabalho, e me pareceu que deveria escolher qualquer coisa que representasse uma aprendizagem significativa. E por isso escolhi "Literatura e Artes Plásticas". Nunca me arrependi. As aulas do Rui Mário Gonçalves foram absolutamente marcantes, a ponto de ainda agora me lembrar delas muito bem, apesar de terem sido nos anos 80 (há tanto tempo, já!).
Lembro-me da voz simultaneamente calma e entusiasmada com que nos falava, de como nos ensinava a olhar, do modo pormenorizado como nos fez ver "Guernica" e de tantas outras coisas que me abriram um mundo novo, até aí quase totalmente desconhecido. Hoje posso dizer que o pouco que sei de artes plásticas e o interesse que a arte desperta em mim é, em grande parte, a ele que o devo.
Depois de ter sido sua aluna, não voltei a ter qualquer contacto com ele, mas encontrava-o muitas vezes, nos mais diversos sítios, e comentava muitas vezes com o meu círculo mais próximo, e com quem também o conhecia, o facto de estar tão "bem conservado" e se manter quase igual, como se o tempo não passasse por ele. Tinha acima de tudo o ar de estar sempre contente, como aquelas raras pessoas que parece que nunca se zangam, ou aborrecem. E que sorriem sempre muito.
Ainda há cerca de um mês, na visita à "Casa da Achada", se falou tanto nele... E hoje esta triste notícia. Mais uma. Ultimamente dir-se-ia que o mundo se está à desmoronar à minha volta: em pouco tempo desapareceram Moustaki, Paco de Lucía, Gabriel García Marquez, Vasco Graça Moura e agora Rui Mário Gonçalves. Fica-me uma sensação de desamparo, como tive pela primeira vez quando morreu o meu pai: a de que a vida nos vai empurrando, e que somos cada vez mais nós, os da minha geração, a ficar na linha da frente.
Rui Mário Gonçalves representa na minha vida tudo aquilo que eu acho que um "mestre" deve ser. Transmitiu-me, entre muitas outras coisas, a alegria e o prazer do conhecimento, tão vasto e abrangente quanto possível. E isso ficará sempre comigo.
Não foi meu professor. No entanto, durante os anos, mais tardios, que passei pela Faculdade de Letras, tive o prazer de assistir a alguns colóquios e conferencias proferidas por Rui Mário Gonçalves, um dos grandes precursores da própria profissão de Crítico de Arte em Portugal. Concordo consigo, Isabel, a sua morte representa uma perda inestimável.
ResponderEliminarTeve de facto uma importância enorme na divulgação da arte, não só junto dos que, como eu, foram seus alunos, mas na maneira clara como a falar ou a escrever a sabia trazer até nós.
EliminarAinda há pouco li o livro "Mário Dionísio Pintor", que é bem prova do que acabo de dizer.