segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ver e olhar




Quantas vezes passamos pela vida sem a olhar?  Quanta vida passa por nós sem nos darmos conta, por não termos a capacidade de nos deter, de reparar, de olhar?
Aparentemente sinónimos, ver e olhar são conceitos distintos: vemos de forma desatenta e olhamos com lentidão, com uma dedicação especial, porque olhar é contemplar, assimilar, colocarmo-nos  fora de nós, atentos ao outro e a tudo o que nos rodeia. O olhar é sinuoso, é minucioso, é analítico e não tem a imediatez com que vemos o mundo.
Para olhar, é preciso antes ver. Mas olhar é mais do que ver. É a consideração pelo que foi visto. Olhar é querer perceber; ou, simplesmente, ter prazer em ver com atenção; e saber saborear o que se vê.
Há descobertas subtis e raras, que só podem fazer-se a longo prazo. Mas há, também, tantas pequenas coisas que fazem a vida valer a pena... Se as soubermos "olhar".
Aqui ficam dez, escolhidas ao acaso: o barulho do mar; o calor do sol no corpo molhado; o cheiro da terra depois da chuva; a serenidade que vem depois do amor; a companhia das pessoas de quem gostamos; os fins de tarde no Verão; um colo onde deitar a cabeça quando estamos tristes ou cansados; a água a correr sobre o corpo; o sabor do primeiro café do dia; o conforto de um abraço muito apertado...
Na vertigem da velocidade em que vivemos, é bom, de vez em quando, determo-nos a olhar os pequenos pormenores da vida que nos podem fazer mais felizes.

"- Gosto de te ver como nunca. Fica-te bem o vestido branco.
- Já mo viste tanta vez.
- Nunca to vi como hoje.
- Deve ser do sol e do mar.
(...)
- Nunca reparaste que há certas coisas que nós vimos muitas vezes e que de vez em quando é como se fosse a primeira?
- Nunca reparei. - disse a rapariga.
- Nunca ficaste a olhar o mar muito tempo?
- Sim, já fiquei.
- Ou o lume de um fogão? - disse o rapaz.
- E que queres dizer com isso?
- Ou uma flor. Ou ouvir um pássaro cantar.
- Sim, sim.
- Não há nada mais igual do que o mar, ou o lume, ou uma flor. Ou um pássaro. E a gente não se cansa de os ver ou ouvir... Só é preciso que se esteja disposto para achar diferença nessa igualdade.
Posso olhar o mar e não reparar nele, porque já o vi. Mas posso estar horas a olhar e não me cansar da sua monotonia."
(Uma Esplanada sobre o Mar, de Vergílio Ferreira)

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