segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

(In)certeza(s)

 
À medida que o tempo passava, ia percebendo com mais clareza que não havia volta a dar, que o fim tinha chegado e que tudo estava decidida e definitivamente perdido, colado a um passado a que era impossível regressar.
Agora sabia que não queria arrastar aquela história para além do que ela podia durar, sabia que ela se desvanecera na espuma dos dias e deixara de pertencer-lhe sem que pudesse sequer ir percebendo os sinais, pequenos e quase imperceptíveis, a anunciar  a morte lenta de uma despedida assim, demorada, prolongando-se, agonizante e vagarosa, pelos dias e pelas noites fora.
Sabia que não podia suportar a ideia de perdê-lo deveras, do mesmo modo que lhe era às vezes  doloroso e outras vezes lhe parecia até patético tentar remediar o irremediável e persistir no que não eram mais que reminiscências de um tempo feliz e bom, de um amor enorme em que os dois continuamente ganhavam e perdiam e que, ainda que nunca tivesse sido simples, nem tranquilo, nada nem ninguém parecia poder derrubar ou destruir; e que fora o melhor e o pior da sua vida, mas se fora desfazendo aos poucos, extinguindo-se como o lume que se apaga em silêncio e deixando um nó na alma e um buraco no lugar do coração.
Na verdade, havia muito que se tinham perdido um ao outro sem se aperceber e apenas nos olhares ausentes e em incómodos silêncios entendiam que eram os mesmos e  já eram outros, que o entusiasmo e a paixão já se haviam extinguido, e que o amor algures se quebrara  e dele já só restavam memórias de um caminho antigo, onde não havia sequer lugar a confissões, nem a desculpas, nem arrependimentos, nem coisa alguma. E que se durante muito tempo tinham protegido os seus pensamentos e sentimentos mais secretos, até de si mesmos, na esperança inconsciente de que desaparecessem e que tudo aquilo não fosse mais que um sonho mau, agora o que ia ficando cada vez maior era o vazio que já nem fazia doer, era só vazio, sem mais nada.
Conhecia de cor os momentos de maior vulnerabilidade em que tudo se define e se decide a sós connosco e  essa certeza tolhia-lhe  os movimentos, mesmo sabendo que era importante e urgente mudar de rumo por mais incerto que lhe pudesse parecer o caminho,  com todo o risco e o medo associados a novos começos, a inquietação do que fica para lá do horizonte visível e se pressente antes de ser real, entre o desejo de se lançar e o susto do desconhecido, que ora lhe faziam desejar  os abraços de uns braços que se lhe estendiam e que queria e não queria agarrar, ora  se virava para dentro e deixava que o desgosto se lhe prendesse à pele e lhe enchesse os dias, e a dominava o silêncio pesado do que nunca chegaria a ser dito e permaneceria na sombra até desaparecer, desfeito na claridade ainda imprecisa dos dias que iam ficando maiores e deixavam antever uma vida nova a querer (re)começar.

2 comentários:

  1. Isto hoje é fácil de comentar. Porque pouco vou dizer. Perceberá porquê, desde logo se lhe disser que é uma escritora a sério.
    Não, nada de não é bem assim, e tal, eu sei.

    Limitei-me a ler e a interiorizar. E depois de 'despachar' estas linhas, irei reler.

    Ai o que eu ouvi quando cliquei no link. Uma das vozes mais marcantes da música brasileira. O que havia para dizer sobre Ivan Lins ...

    Parabéns, Isabel.
    Um beijinho e obrigado pela delícia do que nos vai oferecendo.

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    1. Ahahah! Uma escritora a sério sei que não sou, apesar de gostar de escrever e saber que até o sei fazer mais ou menos bem. Mas já falamos disto.

      Também gosto muito de Ivan Lins que, curiosamente, é um dos poucos cantores brasileiros de que gosto que eu nunca vi ao vivo. E nem sei porquê. Porque não calhou, certamente...

      Obrigada pelas suas simpáticas palavras, António. Beijinho

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