quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Ela sim, uma diva...



Uma vez mais, é de Pedro Correia o melhor texto que li hoje sobre Lauren Bacall. Está no "Delito de Opinião", mas eu transcrevo-o aqui, inteirinho, porque acho que vale realmente a pena lê-lo.
E numa altura em que há por aí tanta pseudodiva, dando-se ares disto e daquilo sem ter de quê, aí está a prova mais que evidente de que não é "diva" quem quer, mas só o é quem pode. Sem precisar de mais nada...

Bacall 'in excelsis'
por Pedro Correia,

Tinha um jeito único de olhar. Que lhe vinha de uma timidez profunda: poucos suspeitavam dela, chegando a confundi-la com sobranceria ou arrogância.
Baixava a cabeça e mirava-nos daquela forma, com os olhos em ângulo ascendente. E foi assim fotografada uma e outra vez, milhares de vezes, pelas câmaras que procuravam a sua prodigiosa fotogenia.

Era um olhar inconfundível: não houve outro como este no cinema.

Lauren Bacall era a última de uma estirpe rara. Vinha de um tempo em que a fama estava longe da banalização hoje tão corrente e transportava ecos dessa época tão distinta da nossa, em que havia um toque de mistério e majestade associado a quem imperava no mundo do espectáculo.
Era uma deusa do celulóide, como Ava Gardner, Rita Hemingway, Gene Tierney, Grace Kelly, Elizabeth Taylor e a eterna Marilyn Monroe. Cada vez que iluminava um pedaço de celulóide produzia em nós, mortais espectadores de osso e carne, o efeito de uma aparição.
Certas pessoas são assim: impõem-se pela sua presença. O cinema, quando não receia ombrear com qualquer outra forma de expressão artística, potencia e amplifica esta aura. Com a vantagem acrescida de ser um repositório excepcional de momentos inapagáveis.
Por este motivo teremos sempre Lauren Bacall entre nós. Atirando a Humphrey Bogart -- paixão na tela e na vida -- uma das mais fantásticas deixas de que há memória na Sétima Arte. Foi em To Have and Have Not -- o primeiro filme dela, o primeiro filme deles, rodado em 1944. Chamava-se Slim nessa fita, nome adequado para designar a figura esbelta que nunca deixou de ter.
Slim olhava Bogart, que ali se chamava Steve, daquele jeito único. Confessou muitos anos depois, num livro de memórias, que estava aterrorizada no momento em que rodaram a cena, filmada por Howard Hawks com base num roteiro de William Faulkner inspirado numa novela de Ernest Hemingway.
Tinha apenas 19 anos e mal ocultava o pânico de estar num plateau cinematográfico, rodeada de celebridades. O que contribuiu para lhe baixar o tom de voz, já grave por natureza. E acentuar a intensidade daquela mirada tão singular e tão expressiva.
Ao vê-la, ninguém a suporia sequer nervosa. Isto ajuda a perceber o fascínio da arte de representar, ao alcance apenas de alguns eleitos.

«Sabes assobiar, não sabes, Steve? Basta juntar os lábios... e soprar», disse-lhe Slim/Bacall.
Steve/Bogart ficou preso para sempre àquela voz, àquele olhar só gélido na aparência.
Juntaram os lábios, os corpos, as almas e viveram felizes como nos filmes. Até a morte dele os ter separado.
Hoje bem cedo, tantos anos depois, alguns cinéfilos escutaram um assobio vindo de muito longe.
Sinal inequívoco: eles voltaram a encontrar-se.

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