domingo, 19 de abril de 2020

A nostalgia do resto do mundo










Agora que não podemos ir por aí fora a conhecer o mundo, que tudo nos parece mais pequeno, vazio e solitário, faltam-me as minhas cidades, como me faltam as minhas pessoas. Entre umas e outras encontro muitas semelhanças. Podem atrair-nos e enamorar-nos ao primeiro olhar, mas só se conhecem devagar e com o tempo, revelando-se-nos aos poucos na sua complexidade, e numa descoberta lenta que pode ser apaixonante, ou decepcionar-nos para sempre.
Amo as cidades, cosmopolitas e efervescentes de vida, ou mais pequenas e tranquilas, exuberantes ou discretas, mas com qualquer coisa de peculiar, uma magia própria, que pode estar no movimento das ruas, no bulício matinal, num cheiro diferente ou num recanto  tranquilo e mais ou menos secreto, num pormenor de arquitectura, ou no modo como as pessoas vivem, circulam, interagem.
Conhecer cidades é para mim o lado mais interessante das viagens. Por isso, preciso de voltar uma e outra vez até nos conhecermos, nos fazermos íntimas e me poder sentir como em casa, confirmar apegos, deixar-me levar naquela preguiça boa de ir sem destino, à procura do que me enche a alma e me faz sentir uma felicidade maior.
Partir é tão bom como voltar. Eu, que preciso com frequência de respirar outros ares para me (re)encontrar em novos lugares ou nas cidades que eu amo, vejo-me agora, como toda a gente, limitada às quatro paredes da minha casa, que eu adoro, mas de qual preciso às vezes de sair para querer voltar.
Faltam-me os lugares e as pessoas - os que eu conheço e os que me falta descobrir - como me falta o vento no cabelo e a brisa do mar. Falta-me a luz de Lisboa ao fim da dia, que agora só vejo da minha janela, a lânguida quietude dos fins de tarde frente ao rio, de olhos, movimentos e pensamentos à solta, sem limites nem poiso certo.
Ligo-me às cidades com a mesma dedicação e afecto com que me ligo às pessoas, deixando que me seduzam devagar, e que cada reencontro saiba à familiaridade do que já se conhece e ao espanto do que é capaz de continuar a surpreender-nos. E, tal como no amor, delicio-me a contemplá-las, deixo-me arrebatar sem dar pelo tempo passar e sento-me em silêncio muitas vezes, como quem se abriga num colo conhecido, deixando-me envolver pela serenidade desse doce encantamento, em momentos que depois gravo na memória para horas de desgosto, desencanto ou aflição, como estas por que passamos agora.
Assim, revivo todas as horas de felicidade que guardo na memória, todos os abraços, os beijos e os passeios que nunca pude esquecer, para mitigar o tédio e a solidão. Mas, mesmo querendo continuar a acreditar que tudo vai voltar a estar bem e a ser bom, que não há impossíveis, e que, na lógica do perpétuo movimento, o que há-de vir poderá ser  ainda melhor, é impossível não querer agora voltar a encontrar e a deixar-me deslumbrar pelas cidades e pelas pessoas.

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