segunda-feira, 30 de julho de 2012

O estado da Educação



Depois de mais de vinte anos de trabalho na escola, dos quais vinte e dois sempre na mesma, foi-me dada a possibilidade de passar para o "outro lado" e trabalhar na Direcção Regional de Lisboa. E, só então, quando saí da escola e cheguei ao Ministério, pude ter uma visão mais alargada e tomar consciência do real estado de coisas.  Assustei-me! 
Sabia que a escola era uma lugar sem o sentido dos valores e da responsabilidade, onde imperava a falta de exigência e de educação aos mais diversos níveis. Sabia, também, como era difícil fazer entender a um aluno  coisas tão simples como, por exemplo, que um professor passa primeiro numa porta, que não se interrompe quem está a falar, ou que obrigado, se faz favor e com licença são palavras que devemos incluir no nosso vocabulário quotidiano. E que, perante isto e o resto, a generalidade das pessoas escolhia o caminho mais fácil: encolher os ombros e permitir quase tudo, como se isso fosse um sinal dos tempos, ou o preço da modernidade.
Mas só agora percebi como é realmente catastrófico o estado até onde a escola se deixou levar, por força de políticas que, querendo tornar a educação mais abrangente e "democrática", se permitiram as mais absurdas experiências ao longo de mais de trinta anos, sendo cada nova ideia, mascarada de modernas pedagogias, pior que as anteriores. Com um denominador comum: a  falta de rigor e de trabalho, que faz com que a escola seja  hoje um lugar onde não se educa, se ensina pouco e se aprende ainda menos, onde ninguém se sente feliz e onde a violência assume proporções inimagináveis para o cidadão comum.
Quantas pessoas  terão a noção de que sendo a transferência de escola a pena mais grave a aplicar a um aluno que não cumpra os seus deveres, nomeadamente para dar resposta a situações que incluem ofender, roubar, espancar, violar, e mesmo, no limite, matar (e  já estivémos mais longe - é só isso que falta), este ano lectivo, só na região de Lisboa, se fizeram cerca de 130 transferências? Mas, não sem antes se perguntar ao pai do jovem delinquente para que escola quer que ele vá (porque a lei assim o determina), o que faz com que, além de deslocar o mesmo problema para outro lado, esta medida sancionatória seja ainda uma espécie de prémio, ao permitir a este tipo de alunos frequentar escolas onde muitos outros alunos não conseguem entrar normalmente. Quantas pessoas saberão a quantidade de pais que gasta dinheiro a pagar a advogados para recorrer de medidas disciplinares aplicadas pelas escolas, numa tentativa patética de defender o indefensável? Quantas pessoas terão a noção, como eu tenho, hoje, porque lido agora com essa realidade todos os dias, que trabalhar numa escola é, cada vez mais, uma profissão de risco?
Não entendo, pois, a razão de tanto alarido em relação ao aumento do número máximo de alunos por turma, que passa de 28 para 30. Como se fossem dois alunos a mais, em cada turma, que fizessem a diferença. Não é mesmo disso que depende a qualidade do ensino. Eu posso ter trinta alunos numa turma e desenvolver com eles um excelente trabalho; e posso ter 10 e as coisas não resultarem. Eu prefiro trinta alunos com vontade de aprender, do que dez ou quinze daqueles que não querem saber de coisa nenhuma.
É que, de facto, para além de muitas outras questões, para além dos professores cada vez mais cansados e desalentados, vítimas da sua falta de cultura e de formação, da sua passiva mediocridade, que apenas se agita ligeiramente em corporativismos vários, a pretexto de concursos e avaliações, os dois maiores problemas da escola, hoje, são, para mim, a  indisciplina e a desmotivação, aliadas à ideia fortemente enraizada de que sem esforço e sem trabalho se vai conseguindo progredir, o que é um facto,  numa sociedade que promove generalizadamente "a lei do menor esforço", o facilitismo, a incompetência e a falta de profissionalismo.
Um dos problemas da educação é mesmo, quanto a mim,  perder-se demasiado tempo e demasiada energia a discutir pormenores insignificantes, esquecendo, quase sempre, aquilo que é verdadeiramente essencial e que torna a passagem pela escola eficaz e significativa: o trabalho de ensinar e de aprender, que se desenvolve maioritariamente na sala de aula.
Enfim, atingido o máximo do laxismo, a educação é, sem dúvida, um dos mais fundos problemas do país, relativamente ao qual há um imenso caminho a fazer e para o qual a solução parece só poder encontrar-se a muito longo prazo. Mas esse é, também, um desafio apaixonante!

1 comentário:

  1. Olá Professora!
    Li sua postagem sobre a educação e me surpreendi, pois parecia que eu lia um blog brasileiro. Enfrentamos esses mesmos problemas aqui.
    Tenha uma excelente semana!
    Parabéns pelo blog e pela postagem! Prazer estar aqui! Com tempo, venha ler e comentar O CÔNCAVO NA AXILA DIREITA DE ROSALMA no http://jefhcardoso.blogspot.com
    Abraço!

    “Para o legítimo sonhador não há sonho frustrado, mas sim sonho em curso” (Jeferson Cardoso)

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