quarta-feira, 15 de maio de 2013

Os Autores Portugueses


Tenho por Vasco Graça Moura uma grande admiração intelectual e aprecio particularmente o que escreve, incluindo os seus artigos de opinião, com os quais, em geral, estou de acordo. O de hoje, no DN, é sobre Aquilino Ribeiro, a pretexto das celebrações do cinquentenário da morte do autor.
E diz, por exemplo, isto:

(...) Estaremos a homenagear um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos, mas trata-se de um autor que ninguém ou quase ninguém das novas gerações é capaz de ler pela razão singela de que não percebe o sentido de muitas das palavras que ele utiliza.
Isto já acontece com outros escritores. Ninguém pode garantir que os estudantes saiam da escola em condições de ler Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós ou Vitorino Nemésio. Mas no caso do autor de Andam Faunos pelos Bosques, a incapacidade e a desmemória são chocantes, para não dizer escandalosas.
Se considerarmos os programas escolares e também a preparação que nas últimas décadas terá sido dada aos professores de português, o mais provável é que aqueles que hoje têm entre quarenta e cinquenta anos, e se encontravam, portanto, na mais tenra infância à data do 25 de Abril de 1974, tenham sido sujeitos a tantas experiências pedagógicas de duvidosa consistência, a tantas abstrusas injecções teóricas e práticas de nenhuma utilidade, a tantos descasos em matéria de formação cultural, que, salvo as honrosas excepções do costume, é legítimo alimentar as mais sérias dúvidas sobre se estarão em condições de ler Aquilino Ribeiro, ou, questão mais geral, ensinar correctamente o português nas nossas escolas.
Bastaria, de resto, um inquérito relâmpago muito simples a realizar nesse universo, perguntando aos professores de português que livros é que leram, de Camilo ou de Vitorino Nemésio, de Eça de Queirós ou de Aquilino e de mais alguns que não poderiam faltar na lista.
Mesmo sem se entrar em questões de compreensão e interpretação dos textos, as respostas mostrariam sem dúvida que esse é um mundo de dramáticas nebulosidades e que não é possível ensinar aquilo que não se aprendeu e ainda menos desenvolver o gosto pelas qualidades de uma língua cujas excelências e projecção planetárias andamos todos a proclamar por aí, a torto e a direito, sem conhecer minimamente aquilo de que falamos...
Depois, passando para o campo de outros profissionais da utilização da língua, oralmente ou por escrito (como os jornalistas, os actores e mesmo alguns escritores), acabaríamos por concluir que também muitos deles não se encontram em condições que lhes permitam ir muito longe. Basta ter alguma vez feito parte de um júri literário para se ficar confrangido com a nenhuma qualidade, no tocante à língua portuguesa, da maior parte das obras apresentadas a concurso.
Sem dúvida que a escrita de Aquilino, com o colorido dos seus pitorescos regionalismos e arcaísmos, constitui, ao mesmo tempo, um conjunto de dificuldades espinhosas e um tesouro incomparável da língua portuguesa.
Dada a riquíssima complexidade lexical da sua obra, de há muito que ela, só por si, teria justificado fosse introduzida nos programas de português uma utilização eficaz do dicionário, em que tirar significados constituísse uma obrigação corrente na prática escolar. Isto sem falar na questão do estabelecimento de um cânone mínimo, de que já tive ocasião de falar aqui e que também não pode existir sem a reabilitação do dicionário...(...)

Estou totalmente de acordo. Também defendo a existência de um cânone mínimo de autores e de textos. E não me conformo que os alunos de 12º ano sejam obrigados a ler obras e autores menores, como Sttau Monteiro ou Saramago e desconheçam tantos textos e autores fundamentais da língua e cultura portuguesas, numa perspectiva facilitista que vem marcando o ensino e que só muito dificilmente poderá inverter-se.

19 comentários:

  1. Não sei se concordo inteiramente consigo neste assunto.
    reconheço a necessidade de dar a conhecer autores portugueses conceituados, mas o importante mesmo é que os jovens fiquem a saber falar e escrever corretamente, sobretudo quando não se destinan a cursos de humanidades. Sempre achei que a Literatua só deveria ser ensinada por prazer, ou seja, incentivada e apoiada, mas não obrigatória. Tive de dar obras completas de Hemingway, Steinbeck, John Osborne e até de Shakespeare no secundário e achava que era um esforço inglório, pois só um ou dois alunos o fazia com algum interesse ou gosto. Ler não se força. Incentiva-se.

    Os meus filhos no colégio alemão tiveram de ler Os Maias e depois disso não leram mais Eça de Queiroz, embora leiam Nabukov ou Tolkien e outros que gostam a sério.

    Ler na escola e até na universidade às vezes é uma vacina para não mais lermos alguns autores. E tb depende muito dos professores. Tive-os extraodinários antes do 25 de Abril. Adorava literatura e fi-las como opção na FLUL. Mas porque quis, não porque era obrigada!!

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    1. Diz bem Virgínia: tudo depende dos professores! A literatura tem de ser obrigatória, sim, como saber ler e escrever. É preciso é procurar encontrar o caminho de levar os alunos a gostar dela. Não concordo com o caminho facilitista de dar textos da comunicação social em vez de bons autores portugueses, só porque é mais fácil. Um aluno que aprende a interpretar um texto literário, a pensar sobre ele e a discuti-lo saberá fazê-lo com qualquer outro. Mas o inverso já não é verdadeiro.
      Também hoje, os alunos detestam ler porque a maior parte dos professores transforma o PNL em mais fichas sobre os livros. Assim, ninguém aprende a escrever e a falar correctamente. E a literatura pode ensinar isso e o mundo ;)

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  2. Saramago, não é um autor menor. Ainda que se possa não gostar.

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    1. Para mim é, embora isto valha o que vale uma opinião, com tudo o que ela tem de subjectivo. E de discutível também.
      Há grandes autores da literatura portuguesa, como por exemplo Agustina Bessa Luís, de que eu não gosto. E ainda assim reconheço-lhes a qualidade que lhes permite figurar entre os maiores.
      Saramago pode ser o que se quiser, mas não o considero, de todo, um grande escritor. Aliás, se repararmos, uma certa unanimidade à volta dele surge apenas depois do Nobel, um pouco naquele ponto de vista à portuguesa "se os estrangeiros dizem que é bom..."
      Ora o Nobel é um prémio político, mais que outra coisa qualquer. O Saramago ganhou por ser comunista, como Camilo José Cela, de resto. E tanto em Portugal como em Espanha há nomes que francamente o mereciam muito mais.

      Mas, repito, isto é apenas a minha opinião.

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    2. Isabel, eu também não aprecio Saramago, mas daí a considerar um escritor menor vai uma grande distância. Depois, o único Nobel que costuma ser manifestamente político é o da Paz. George Lucas e Steven Spielberg andaram anos a fio atrás de Saramago para comprar os direito de autor do Memorial do Convento. Anti-americano como era, claro que não conseguiram. Isto vale o que vale, mas não deixa de ser relevante... E, lá está, é a minha opinião.

      Beijinho :)

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    3. Pois não concordo nada que ele seja um grande escritor. E não é apenas por não o apreciar.
      Ouça: também há quem ache o José Rodrigues dos Santos um óptimo escritor e eu acho-o abominável. Nem nunca consegui ler um livro inteiro.

      Mas como diz uma amiga minha, ao contrário do que se diz, são gostos; e os gostos discutem-se.

      Beijinho :)

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    4. Mas comparar JRS com Saramago é dramático! Mas pronto, já vi a bitola com que mede Saramago, cruzes! :)

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    5. Ahahah! Pronto foi o que me veio primeiro à ideia, dado o "adiantado da hora". Em todo o caso não anda muito longe da verdade... :P

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    6. Concordo com o Paulo em tudo, Isabelinha :) Sorryyyyyy :)

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    7. Não tem que pedir desculpa! Era o que faltava. Viva a diversidade de opiniões! Mas ninguém me convence da qualidade literária dos escritos de Saramago.
      Sorry, também, pois!... :P

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    8. Acho que aqui ninguém a quer convencer disso, até porque a qualidade está mais do que comprovada internacionalmente. O que aqui se discute será eventualmente uma questão de gosto pessoal. Não sei se leu, e julgo que certamente também não aceitará a dica, mas deixo-a, ainda assim. Experimente o ensaio da cegueira. Não há nenhum outro, de tudo o que já li, que me espelhe tão claramente a crueza do ser humano. Eu sei que na sua área as opiniões divergem muito quanto ao escritor. Há quem adore e há quem odeie, mas isso é normal. Na minha área profissional, que explora o ser humano por dentro e até aos limites, e não apenas no que diz da boca para fora ou através dos dedos, acredite que é de uma utilidade imensa para compreender isto tudo.

      ( E desculpe-me, mas comparar José Saramago com José Rodrigues dos Santos, parece-me demais. Só se for mesmo no primeiro nome, deixe-me que lhe diga... :))

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    9. A qualidade é sempre também ela discutível. Há muita gente que pensa como eu, de resto. E não só da minha área.
      Quanto à sua sugestão: eu já li de Saramago o suficiente para saber que não vale a pena insistir. É que há tanto para ler e tão pouco tempo, que acho que não preciso de insistir no que já sei como é e não me interessa.

      (Dito isto, respeito, naturalmente, quem pensa diferente de mim. Mas não sigo. E ainda bem que não temos todos a mesma opinião... :))

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  3. Também reconheço que é preciso dar a cinhecer a literatura por meios de textos, mas não obras completas que, hoje em dia, se tornam um fardo quase heroico para alunos habituados ao visual, ao dinâmico, ao auditivo, etc. Em Inglaterra, aliás, a leitura auditiva tem um enorme impacto e a BBC criou em formato digital praticamente tudo o que existe em livro, até peças de Shakespeare com imagens das peças e gravações de cenas em directo.

    Os alunos são todos diferentes e há os que leem com enorme facilidade como há os que não conseguem ler. Textos curtos , com 400 e tal palavras podem ser excelente meio de fazer chegar outros registos e até de incentivar a leitura da obra completa, mas não são Agustinas ou Aquilinos que poderão motivar a maioria dos alunos habituados a ver telenovelas ou a jogar jogos de computador. Ler numa lingua estrangeira, então, não é pera doce.....

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    1. É uma tarefa muito difícil, mas fundamental. Acho que a escola não tem que dar aos alunos "mais do mesmo", telenovelas, computadores e o que eles já conhecem. Deve, sim, sem esquecer a evolução dos tempos, naturalmente, mostrar-lhes "outros mundos". A literatura pode ser um deles.
      E levá-los a descobrir que também são interessantes e bons, alargando-lhes assim os horizontes, que é o que a escola tem que fazer sempre. Por mais difícil que seja!

      Beijinho

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  4. Bom, nem oito, nem oitenta.
    É claro que a escola não deve rebaixar-se ao nível do lixo televisivo ou praticar a violência dos jogos de computador, mas há idades para tudo e os programas devem estar adequados às idades, o que não acontece. Ensina-se os Lusíadas no 9º ano como se ensinava - a elites - no 5º ano dos liceus. Não pode ser. Hoje em dia, há mil e umas fontes de conhecimento literário mais acessíveis, mais aliciantes e mesmo mais eficazes.
    Acredito nas novas tecnologias para o ensino, usá-las-ia com todas as minhas forças se ainda ensinasse. A Internet pode e deve ser um mundo novo, que não está contido num livro tradicional. Os alunos podem aprender imenso com a investigação pela NET.
    Mais tarde, os mais renitentes à leitura aprendem a maravilha que é o objecto de papel com páginas - na universidade, terão capacidade para ler autores vernáculos e até podem ser leitores compulsivos, como o meu filho mais novo que só começou a ler a sério aos 15 anos e agora lê muito mais do os irmãos, que liam desde os 6.
    Literatura é como a música clássica....não se força as pessoas a gostar...
    Pode-se escrever bem e falar bem, sobretudo, sem ler Aquilinos ( nunca o li) ou Agustinas ( a minha Mãe gostava muito dela, mas eu não) ou mesmo Saramagos ( não aprecio).
    Até se pode ler só em inglês ou francês - era o meu caso - e escrever-se bem português.
    O mesmo se passa nas línguas estrangeiras. Não é preciso ler Chaucer ( que li) para falar ou escrever bem inglês, é preciso é contactar com a língua nas suas vertentes comunicativas e praticar em todos os registos. Mas não é preciso ler literatura arcaica para isto.....

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  5. Pronto, hoje não estamos de acordo: Sttau Monteiro, um dos poucos e melhores dramaturgos da Língua Portuguesa dos meados do século XX, um autor menor...? "C'um caneco!", não me diga que Alexandre O'neil também é fracote... :)))

    Vá, não se chateie comigo, beijinho! :P

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    1. Não Alexandre O´Neill não é ""fracote". É genial. Para mim, um dos maiores :))
      Vê? Nalguns casos até estamos de acordo. :P
      E ainda bem que não estamos sempre de acordo. Eu acho "Felizmente há luar" uma "seca". E não aprecio particularmente Sttau Monteiro. Olhe para dramaturgo, se calhar prefiro o Bernardo Santareno, que é da mesma época.

      E não me chateio consigo nada. Acha?
      Beijinho :P

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    2. Sou ultra fã de Bernardo Santareno, li tudo, praticamente. Mas não concordo com os "seus" autores menores. Embora não leia Saramago, mais por preguiça e porque comecei com o Ano da Morte de Ricardo Reis quando era mais nova e desisti logo. :) Talvez hoje fosse possível e agradável, mas hoje é a falta de tempo para romances. Leio outras coisas, que me preenchem mais, ficção vou mais para o cinema, confesso. Mas nem um nem outro são menores, por tudo o que fizeram e simbolizam, embora gostos nunca, nunca se discutam :)

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    3. Pois claro que são gosto e opiniões. E os gostos discutem-se sim. É bom expormos os nossos pontos de vista, que não têm que ser coincidentes. Para mim, no conjunto de autores da literatura portuguesa Sttau Monteiro não está entre os maiores. Bom e quanto e Saramago acho-o francamente medíocre.
      Mas esta é a MINHA opinião! ;))

      (E já percebi que este tipo de post é o que suscita os comentários mais "apaixonados", o que (confesso) me dá um gozo enooorme!...) :P

      Beijinho

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