domingo, 16 de junho de 2013

O exame de Português


Amanhã é o dia do exame de Português, a realizar por todos os alunos do 12º ano. Será? Infelizmente, julgo que não. Às vezes orgulho-me de ser professora; e outras, muitas outras, envergonho-me. Sei muito bem do que falo. Conheço bem demais os professores (que também sou). Conheço-os no que há neles de bom, de excepcional até, nalguns casos; e também no que há neles de mais desprezível e medíocre. Conheço a escola há muitos anos, como aluna primeiro e como professora depois, por dentro e por fora.  Tive ainda o privilégio de poder trabalhar do lado de fora, o que me deu uma visão muitíssimo mais abrangente da vida das escolas numa área geográfica alargada, e que é uma experiência que, simultaneamente, enriquece e assusta.
Como li hoje no DN, num artigo de opinião de Alberto Gonçalves, a classe docente não é "uma entidade abstracta, sempre maravilhosa, incansável e esclarecida (...) Fabricar uma imagem idílica da docência é equivaler as fraudes aos profissionais sérios - e caluniar estes."
A mim custa-me ver um professor que se manifesta aos gritos na rua e que quando lhe perguntam o que move apenas consegue dizer: "Isto está tudo muita mal!". Custa-me sobretudo assistir a este mau exemplo educativo: passar para os alunos a mensagem implícita que vale tudo para se tentar obter o que se pretende.
Dizem que o Governo e Ministro se têm mostrado demasiado inflexíveis. Pode até ser. Ou não. Então e a solução é responder com uma inflexibilidade ainda mais cega?
O programa de Português do 12º ano é difícil. Eu gostava de ver aqueles que dizem agora estar a defender "a qualidade do ensino" e a "escola pública" revoltarem-se no quotidiano e ensinarem os alunos desde o 7º ano, pelo menos, ou ainda antes, a pensar, a ler, a escrever e argumentar, para eles não chegarem ao 12º e se verem de repente confrontados com a necessidade de o fazer, sem serem capazes. Porque isso leva anos a exercitar. E que em vez disso não ensinassem as "modalidades epistémicas com valor de possibilidade", os "actos ilocutórios assertivos", os "enunciados com valor de genericidade ou especificidade" ou outras designações bárbaras como "orações subordinadas adjectivas relativas explicativas" (é só uma frase, imagine-se...). Mas sobre isto, que não serve para nada, ninguém fala. Obedece-se e pronto. Até dá menos trabalho do que pôr os alunos a pensar e a escrever...
Por isso, não me venham agora falar em preocupação com "o ensino de qualidade". O que preocupa os professores é antes de mais os seus umbigos. As 40 horas. Os ordenados. A avaliação. As condições de trabalho. E até é legítimo. Mas há que assumi-lo!..

Hoje, no blog "Duas ou três coisas", de Francisco Seixas da Costa, encontrei isto, que não podia vir mais a propósito:

(...)
Os sindicalistas professores têm assim toda a razão em arguirem em favor da legalidade da sua ação, mesmo em dia de exames, mesmo induzindo uma considerável perturbação numa data muito importante para a vida dos estudantes, mesmo com efeitos negativos sobre os esforços feitos pelos respetivos pais, num tempo económico-social de rara complexidade, com vista a assegurarem o êxito académico dos filhos. Um direito é um direito: a democracia impõe que nunca se conteste o respetivo exercício.

Percebo isto muito bem, porque, também eu reivindico o meu inalienável direito de pensar o que, de há muito, penso sobre o sr. Mário Nogueira e sobre a estratégia do "quanto pior melhor" que orienta as forças políticas que, com tanto sucesso, o tutelam. Desse direito não prescindo e, em democracia, nem sequer necessito de um sindicato para o impor.

12 comentários:

  1. Na escola onde o meu marido trabalha fizeram os exames...
    Não tenho poder de argumentação para certas polémicas, nem gosto de me meter em assuntos que desconheço totalmente.Mas tenho impressão que há politicas e políticos que só mostram que estão na ribalta espalhando confusões. Atenção que me considero apartidária. Por isso mesmo, talvez, vejo as atitudes das "politiquices" sem palas...
    Como sempre gosto do que escreve!...

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    1. Na escola do meu aluno das explicações, em Benfica, também fizeram todos. Mas infelizmente, não foi assim em todo o lado.
      Ó Madalena, eu não sou apartidária, mas isso não me impede de ver as coisas com clareza, nem, muito menos, de pensar pela minha cabeça. E acho que isso agora nem é para aqui chamado. Porque, simplesmente, fazer isto de hoje é "ir longe demais". E os meios não justificam os fins. Fico triste. E acho que os professores têm razão em certas coisas, mas acabam por perdê-la. Têm razões de queixa (quem não tem?), mas isso não pode dar direito a tudo.

      Obrigada :)
      Um beijinho

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  2. Engraçado como a Isabel foi escolher citações (com as quais concordo na íntegra) de pessoas com visões diametralmente opostas, mas que aqui coincidem e, mais, respeitam-se. Isto é o que se chama pensar pela própria cabeça.

    De resto, mais uma vez, concordo em absoluto com o que escreve: trata-se de uma luta (legítima) duma classe profissional e jamais da defesa do ensino público. E, mais uma vez, gabo-lhe a coragem!

    Beijinho :)

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    1. Eu também concordo, óbvio, e hoje estou meio de "ressaca" com o cansaço dos últimos dias, das polémicas e da preparação do meu aluno e envergonhadíssima com o triste espectáculo do que vi hoje pelas escolas.
      Pergunto-me com que cara é que os professores são capazes de dizer aos alunos: "a sala 1, 2 e 3 podem entrar e os outros têm que ir para casa." E espanto-me como é que se pode achar que se está a defender a escola pública criando uma situação em que os alunos do privado fazem todos exames, tranquilamente e os do público estão na incerteza até ao último minuto. Como é que eu posso concordar com isto?
      Hoje até concordei, talvez pela primeira vez com MST que tem um estilo que me irrita e que diz tudo como se fosse uma verdade absoluta, mesmo quando não é. Exemplo: dizia hoje que o calendário dos exames sai ni início do ano lectivo. Não! Sai lá para Março ou Abril. É um pormenor, claro, mas por estas coisinhas se vê o que os comentadores das nossas televisões percebem dos assuntos que comentam.

      Beijinho :)

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  3. Respeito a sua opinião, da qual discordo, deixo-lhe só um desafio:) - "a classe docente não é "uma entidade abstracta, sempre maravilhosa, incansável e esclarecida"" - certo, todos não. Mas eu ouço precisamente o contrário, que há maus professores, e há, ouço ou leio "vão trabalhar malandros", leio e ouço histórias sobre os maus e nunca sobre os bons. Deixo um desafio, dizia (hei de fazer o mesmo no AE)- apontarem profissões cujos profissionais primem sempre pela competência, pelo rigor, pelo brio, pela honestidade, pela pontualidade, pela capacidade de trabalho, pele eficiência, pela eficácia, pela produtividade. E mais. Quem são, digam-me ? É que assim de repente, não me lembro, e isso não implica que não possam, como classe, lutar pelos seus direitos e melhorias das condições de trabalho. Percebe onde quero chegar, Isabel? :)

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    1. Ó Faty, fico feliz que venha aqui debater pontos de vista, pois já tinha percebido que não temos a mesma opinião e acho isso muito saudável, desde que a possamos discutir civilizadamente. Sei que sim!!... ;)
      Nós somos as duas professoras e sabemos bem do que falamos. Ambas sabemos que os professores dedicados (e há muitos que o são) trabalham muito mais que 40 horas e são tão maltratados, desconsiderados, mal pagos e pouco reconhecidos como os outros, os que não fazem nada, que se encostam, que engonham que têm atitudes menos dignas a todos os níveis. Porque esses também existem e é por causa deles que a Faty e eu temos de ouvir "vão trabalhar malandros" ou coisas piores ainda, decorrentes de generalizações que são sempre perigosas e injustas.
      Diz-me que isso não é exclusivo de um professor, que existe em todas as profissões e eu concordo inteiramente. O problema é que um professor está sempre como num palco. O que faz, o que diz, o que veste, o que pensa, o que sente, assume uma visibilidade muito maior e é transmitido cá para fora imediatamente. Mas os professores também têm responsabilidades acrescidas por, nas coisas boas e más, servirem de exemplo aos seus alunos. Sabe isso tão bem como eu.
      Também concordo consigo no sentido em que hoje se pede tudo e mais alguma coisa aos professores incluindo a tentativa de resolução de casos sociais complicadíssimos que a própria sociedade não tem capacidade de resolver. Eu acho que os professores têm razão de queixa, sim.
      Mas há também o reverso da medalha: também muitas vezes se calam quando deviam falar, ou utilizam uma linguagem imprópria nas manifestações e também deixam que os espezinhem e só gritam quando têm um pé no pescoço etc. e tal...
      Apesar disso têm direito de lutar pelos seus direitos, claro. Aquilo com que eu não concordo, Faty, é com esta greve aos exames, porque me parece um péssimo exemplo de "vale tudo", que faz com que os alunos (não todos, mas a maior parte) e a sociedade em geral passe a olhar os professores ainda com piores olhos. Eu vejo aquilo de hoje de mandar alunos para casa e fico muito triste. Todos nós sabemos os nervos dos exames. é justo pedir-lhes, olhem venham noutro dia? Eu o que critico é esta atitude de querer "levar tudo na frente".
      E outra coisa ainda: os professores estão a lutar por direitos que têm vindo a perder. E isso é legítimo! Não é preciso virem falar em qualidade de ensino e defesa da escola pública. Porque se fosse isso que estava em causa não faria sentido acentuar o fosso público/privado, como hoje se fez. E olhe que eu até sou das que defendem que os melhore professores estão no público (até já cometi a gaffe de dizer isto a uma directora de um colégio - típico meu eheheh).

      Faty: este é o meu ponto de vista. Eu hoje não teria feito greve. E não me considero mais nem menos que os outros que pensam diferente, respeito e aceito que tenha uma opinião diferente, mas para mim é isto que faz sentido. E custa-me ver da parte de quem defende a greve uma postura às vezes um pouco radical, do tipo: não és a favor disto, então não tens respeito nem solidariedade blablabla. Eu respeito quem quer fazer greve, mas tenho o direito de estar contra ela. Nem que seja por causa daquela máxima da liberdade que acaba quando começa a do outro (do aluno neste caso).

      Sei que não concorda nada comigo, Faty, mas acho que expliquei o meu ponto de vista, não?

      Beijinho :)
      (E venha sempre, mesmo para discordarmos, que é bem-vinda, porque eu sei que vem em paz ;)

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    2. Concordo que o uso de linguagem imprópria é negativo, eu própria já falei disso no AE (a linguagem dos colegas no FB, inclusive com alunos, com quem mantêm demasiada familiaridade),concordo que assim se põem a jeito a críticas, obviamente, concordo que fazer greve ou não é um direito, eu fiz muitas vezes e uma ou outra não (porque num dia "normal" não vejo qualquer tipo de "vantagem"), concordo que se luta por melhores condições de trabalho - eu não sou missionária, nunca o quis ser, tenho um emprego, com responsabilidades sociais e educacionais, e dou o litro, temos direito a lutar por isso senão ainda estaríamos como há séculos, concordo que o sindicalismo pode não ser o ideal mas não podemos esquecer as suas conquistas aos longos dos tempos para nós todos, mesmo com falhas no tom ou até por meios violentos, Isabel.
      Não concordo com, por exemplo, se lamentar um dia de nervos comparado com uma vida de nervos, não concordo com o facto de sentirem a angústia de não saber quando terão exame quando colegas (ou eu, um dia) não sabem se terão emprego no final de agosto,ou até depois, não concordo com o dramatismo e a vitimização dos filhos (eu também sou mãe) quando há traumas enormes e muitas vezes causados, espante-se, por esses mesmos pais preocupados, etc.Omg, tanto par dizer. Temos opiniões diferentes, sim. penso que muitas vezes isso reflete uma posição política, lá terá de ser, mas não necessariamente. Sabe uma coisa, Isabelinha? Estou farta, farta disto, farta de tanto "achismo" por parte de quem nada sabe, que não é o seu caos, claro. Ás vezes apetece sair. Com nada que nos ampare, com ninguém a entender. E é pena que os bons, porque sou boa, nem tenho traumas nem me flagelo, queiram sair. pena para os alunos que ainda merecem, não os outros, os que também nos maltratam. Que até podem estar entre os que fazem exame, ou estaremos a demonizar os profs neste dia e a divinizar os alunos que se propõem a exame? É possível, lamentavelmente. E acredito que também perceba isto, Isabel, não acredito que não perceba. Quanto ao futuro dos jovens em exame, nada lhes acontecerá a não ser fazerem o exame noutro dia (mesmo estragando as férias marcadas, como também ouvi). O futuro de muitos colegas e mesmo o nosso, esse é bem mais incerto e mais injusto, e olhe que não passa pelo bilhete de avião.
      Com isto tudo, uma coisa é certa: Isabelinha - 1 Faty - 0. Porque nunca escrevi um comentário tão longo, nem gosto de o fazer, de longe. :) Ando sem tempo, sou instrutora de um processo disciplinar desde a semana passada e passei os dias nisto, inclusive o domingo. Trabalho que me farto e tenho todos os direitos de reivindicar. Não sou missionária, sou fria e no entanto uma excellent teacher :)
      Bjs e na paz, claro! :) Acho que sou educada (como a Isabel) e serena apesar de ter cá uma personalidade não conformista :):)

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    3. Faty, concordo com grande parte do que diz, não tudo! Acredito que seja uma boa professora e sei completamente o que é não ter um fim de semana livre e ficar farto apesar de gostar muito do que se faz. Eu conheço isso tudo. E tive a sorte, Faty, porque foi uma sorte primeiro e um privilégio depois, de poder sair quando também sentia que já não estava a aguentar. E de ficar a assistir de fora ao que se passava dentro. Esse tempo, três anos, permitiu-me descansar um pouco, admito-o sem culpa (na escola trabalhava o triplo), mas também ter outra perspectiva das coisas e uma visão muito mais abrangente e enriquecedora. E agora, veja lá, mesmo podendo continuar de fora mais um ano, já tenho vontade de voltar. E as pessoas não conseguem entender bem porquê. Mas eu acho que a Faty percebe: porque eu gosto da sala de aula. E, imagine, já tenho saudades! Gostava que todos os professores (ou pelo menos os bons) pudessem fazer a experiência que eu fiz.
      E sabe o que me irrita nisto é que nem toda a gente é educada e civilizada como nós duas. Vejo mais intransigência do lado dos que defendem a greve. E acho inaceitáveis posições públicas sobre os que defendem a minha posição deste tipo: "Raio que os parta! Eles é que deviam ir imediatamente para a mobilidade!"
      Eu respeito a sua posição Faty e compreendo-a até, mas não a partilho. E sei que do seu lado é o mesmo. O que certo é mesmo: Isabelinha 1 Faty 1. Eu gosto de si!
      Beijinho

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  4. Errata: tem lá um Ás e é Às, claro. Ooops! Não vá ser acusada, não por si, de não saber escrever! :)

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    1. Entre nós não são precisas erratas. Isto não são erros, são gralhas. Nunca a acusaria de nada ;)
      Toda a gente faz gralhas a escrever à pressa e como tão bem diz o Paulo isso são minudências. Certo?

      Mais beijinhos

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  5. Apreciei muito tanto o post como os comentários.
    JCC

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    1. Obrigada José Catarino. Haja bom senso, acima de tudo, e razoabilidade...
      Isabel Mouzinho

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