quinta-feira, 13 de março de 2014

Tão perto e cada vez mais longe...




Viviam vidas separadas, mas encontravam-se às vezes ao meio do caminho, numa existência exclusiva, um segredo que apenas eles os dois conheciam, difícil de aceitar e de entender pelo resto do mundo,  que não sabia nada sobre o começo daquele amor quase clandestino, que surgira nas suas vidas como uma inevitabilidade pressentida desde o primeiro instante, confirmada no tempo que separou o primeiro olhar do primeiro toque, no desejo que não pôde refrear-se e  no arrepio da pele a estremecer, primeiro, e a explodir depois em prazer incontido, até à saciedade; quando tudo parecia ser só corpo,  na excitação da vontade física a transbordar dos olhos e na urgência do abraço apertado, almas a nu e carícias demoradas, quando esquecidos de tudo se entregavam ao prazer e se demoravam um com o outro e um no outro, num consentimento mútuo feito mais de gestos do que de palavras, no aconchego do seu amor, que tinha uma aura romanesca e parecia existir de uma forma difusa, fora da vida real, mas era ao mesmo tempo tão diferente e maior e melhor que o que estava aquém e além dele  e os marcava profunda e definitivamente; e eram um do outro sem ser; e estavam perto mesmo quando estavam longe; e deslumbravam-se e entonteciam  com a certeza de se terem um ao outro e de se conhecerem de cor e não poderem  nunca separar-se ou esquecer-se, nem sequer em momentos de dor e de desânimo.
Depois tudo fora mudando  lentamente, sem aviso nem sinais de alerta. Ainda se encontravam, mas não era já a mesma festa; já não havia aquele loucura do coração a saltar no peito e do corpo a arder de desejo, como nos momentos em que não havia mundo, nem vida, para além deles os dois. Havia dias em que ainda se perdiam no fundo dos olhos um do outro e se emocionavam e enterneciam; e havia os outros, em que a distracção do quotidiano dissimulava o facto de na verdade já pouco restar dos momentos de magia, de cumplicidade secreta e de entendimento total.
Agora, eram cada vez maiores os recantos de silêncio e os mistérios impenetráveis das suas vidas, que já raramente partilhavam; e crescia a distância que os ia separando mais e mais, até serem quase como dois estranhos que apenas tiveram um passado em comum. Agora, até quando estavam perto estavam cada vez mais longe e o que os unia era também o que os separava, o que queriam e não queriam esquecer.
E ela pensava, às vezes, quando  a nostalgia a invadia desde dentro até chegar à superfície da pele e  tomar conta de tudo - coração, cabeça, corpo, vida - que lhe parecia não haver mais remédio que virar costas e partir de vez, perguntando-se o que acontecera afinal: se é apenas o tempo que destrói tudo, ou se pode um amor daquele tamanho morrer assim, ficando cada vez mais afastado, emudecendo e apagando-se devagar.
Mas em momentos de abandono e lágrimas silenciosas correndo à solta, ou em noites de solidão e desamparo, quando estava cansada, farta, triste, ainda sonhava com os seus corpos agarrados um contra o outro, em longos abraços, no doce embalo da brisa suave e na luz do fim da tarde sobre um rio qualquer...
Porque havia os dias em que ele lhe faltava sem doer, e  havia também as horas e os dias  em que lhe doía a imensa falta  que lhe faziam o seu olhar silencioso, o seu cheiro, a sua voz, a mão, o colo, ou o corpo inteiro.
E vinha a saudade de um tempo em que o desejo de ser livre coexistia com  afectos que julgava atados ao peito para sempre, quando  afinal para sempre poderia não ser mais que uma miragem. E aquela canção ao som da qual se haviam amado pela primeiro vez voltava a tocar na sua cabeça, repetindo-se sem cessar: maybe it's just the way it is and there's nothing I can do it's just the way it is...

6 comentários:

  1. Lido e relido.
    Dito isto, um desafio: que tal editar um livro?
    A sua forma de escrever merece.

    Phil Collins. Suddenly. Pois...

    Beijinho, Isabel.

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    1. António, quando a minha auto-estima estiver "por los suelos", como dizem os espanhóis ( e porque também tenho dias desses), falo consigo.

      Agora a sério: obrigada pela sua habitual gentiliza, que eu sei que é sincera, mas vou repetir-me: não tenho falsas modéstias e sei que escrevo bem (aliás ando a ouvir isso desde pequenina). Mas publicar é outra coisa. E isso não sei se merece. Não quero apenas ser "mais uma", se é que me entende (Há tanta gente a publicar, que valia mais estar quieta...)

      E precisava de ter mais tempo para me dedicar à escrita. Ah, se eu pudesse só ler e escrever... :)

      Phil Collins, pois (o passado às vezes vem à tona mesmo assim, "suddenly").

      Obrigada António. Bom fim de semana (cheio de sol). Beijinho

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    2. (Há tanta gente a publicar, que valia mais estar quieta...)

      Uma frase (sua) a reter.

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  2. Desculpe contrariá-la, mas se escreve realmente bem, porquê não publicar? O mercado está cheio de gente que julga que escreve sem escrever coisa alguma. Quando há talento, há talento!!!!

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    1. Não tem que me pedir desculpa, CF! Era o que faltava não podermos ter opiniões diferentes. Nem teria piada... :)
      O que eu acho é que escrever penso eu, deveria ser preciso mais que isso: desde logo uma boa história. E depois, também, e talvez mais importante ainda, uma maneira interessante e original de contá-la.

      No que me diz respeito (e tirando um dia em que Urbano Tavares Rodrigues me disse que eu me devia dedicar mais à escrita e até publicar, o que muito me envaideceu, confesso) nunca pensei muito nisso, porque acho, sinceramente, que não é para tanto.
      E como diz há cada vez mais gente a achar que "escreve sem escrever coisa alguma". Eu nem penso nisso.

      E, já agora, apetece-me devolver-lhe a pergunta: por que não publicar? Já pensou nisso?
      (Gostei do seu texto da avó... )

      Beijinho

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