terça-feira, 6 de agosto de 2019

O que permanece


Não havia volta a dar. Aquele era um amor que tinha vindo para ficar, imune à passagem do tempo, às desavenças e às desilusões e que, pelo contrário, se ia afincando e tornando mais cúmplice e imprescindível com os anos, mesmo se diferente, amadurecido ou até desgastado aqui e ali pela rotina.
Já nem sabia quantos anos tinham passado. Só tinha a certeza que nunca nenhum outro amor, de antes ou de depois, a marcara de forma tão profunda, para lá dos limites da vida real, para lá de todas as palavras e de todos os silêncios, como uma condenação que era redenção, prazer e mágoa, desilusão e felicidade, desejo imoderado e incerto, proximidade e distância, princípio e fim.
Parecia até uma "ironia do destino": nunca acreditara no "para sempre"; bastava-lhe o aqui e o agora  de todas as vezes que, sem querer, se haviam ido somando, de todos os momentos de partilhas de todo o tipo, de risos e de segredos vividos a dois, que mais ninguém sabia ou poderia entender, e que incluíam o sabor amargo de todos  os dias e noites de saudade sem tamanho, de distâncias e esperas, de dor e de lágrimas silenciosas, de mágoas e de desalentos, que também tinham construido aquela história, tão simples e bonita e,  ao mesmo tempo, tão incompreensível e surpreendente.
Com ela aprendera que há muita coisa que não se percebe nem explica; e que há amores que, mesmo se mudam, permanecem resistentes às contrariedades de ser e estar, e são luz, felicidade, e o mundo inteiro.
Era uma história muito antiga, feita de desencontros e de felicidade, de caminhos sinuosos, de palavras duras e de gestos ternos, muitos dias e anos depois do arrepio do primeiro instante que o tempo fora confirmando e alterando devagar,  excepto nos momentos em que, esquecidos de tudo, se entregavam e se demoravam no prazer de estar juntos, de se conhecerem de cor e de saber que se tinham um ao outro nas grandes e pequenas coisas, e se enterneciam com o laço tão forte que se lhes tinha atado ao peito e os impedia de soltar-se ou de esquecer-se.
E enquanto pensava tudo isso, na sua cabeça ia-se repetindo, vezes sem fim, aquela canção que ouvira recentemente e de que gostava tanto:

Si me das a elegir entre tú y la riqueza
Con esa grandeza que lleva consigo
Ay, amor, me quedo contigo

Me enamora'o
Y te quiero y te quiero
Solo deseo estar a tu la'o
Soñar con tus ojos
besarte los labios
Sentirme en tus brazos
Que soy muy feliz


Sem comentários:

Enviar um comentário