sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sol de Inverno



Sempre gostara de se estender ao sol, como se dentro dela houvesse uma necessidade urgente de luz, ou da energia que  aquele calor lhe transmitia. Nem lhe importava a estação do ano. O sol, mesmo mortiço, sabia-lhe bem. Animava-a; compensava-a do frio  que se lhe instalara no corpo. E também, talvez, no coração.
Procurava, entre memórias perdidas, às voltas na sua cabeça, girando a mil à hora, desvendar o momento exacto ou o acontecimento que poderia tê-los feito chegar áquele ponto em que já nada parecia ter remédio.
Sentia-se dividida entre a vontade de o reter e recuperar o amor que o tempo desgastara, tão lentamente que não os deixara sequer aperceber-se  do que ia acontecendo, ou deixá-lo ir, como se o fim fosse natural e inevitável.
Seria tão banal como dizia a canção naquele dia?  (maybe it's just the way it is and there's nothing I can do it's just the way it is...) Tantos anos depois da primeira vez, recordava aquela noite fria de Dezembro, esquecida num tempo já muito longínquo; e perguntava-se o que sobrava desse amor, ao qual se dera para lá do que alguma vez julgara possível. Juntos, tinham vivido quase tudo: o amor e a dor, a descoberta do prazer e o desânimo, a mágoa e a saudade.
No fundo achava que, apesar de todos os entusiasmos que se lhe cruzavam por diante, nunca seria capaz de amar com a mesma entrega de corpo e alma com que sempre se lhe dera inteira. O que os unia afinal? Era cada vez mais amizade e cada vez menos amor, num percurso antigo,  em que até então tinha sido impossível distinguir onde acabava uma  coisa e começava a outra e que, no entanto,  nunca fora simples, nem mesmo pacífico.
Às vezes pensava que ainda queria que tudo pudesse voltar a ser o que já fora; e como seria bom se bastasse simplesmente abrir os braços para trazê-lo outra vez para perto do seu coração, na serenidade de um afecto antigo, porto seguro de todas as horas e memória de colos ancestrais. Amava-o,  na verdade, ou tudo o que sentia não eram senão os restos de um amor à beira do fim, a saudade de uma intimidade perdida?
Quando o olhava no fundo dos olhos,  procurando em vão a resposta para o que lhes acontecia, continuava a enternecer-se e a enfeitiçar-se um bocadinho com o seu brilho meio triste, semelhante a  um pedido de protecção reprimido pelo pudor,  capaz de despertar nela instintos maternais entretanto adormecidos na parte mais funda e obscura de si.
E tentava entender por que a atraíam novos enredos, o que a fazia deixar-se levar na procura de novas emoções e de uma felicidade mais plena, o que a fascinava noutros corpos,  ou em personalidades mais  pressentidas do que reveladas, em possibilidades sonhadas, na incapacidade de resistir à tentação, quem sabe se apenas iludida pela ânsia do coração disparado a querer saltar do peito e do corpo a arder de desejo, de sentidos à solta, em busca de uma originalidade qualquer, que lhe permitisse voar a grandes altitudes, em direcção a caminhos tão incertos quanto aliciantes, muito para lá do horizonte, atravessando a linha onde o mar o o céu se juntam numa união aparentemente  tão perfeita.
Depois, voltava a indisfarçável vontade de se enroscar no seu colo e a saudade de todos os momentos em que, esquecidos do mundo, se entregavam ao seu amor, tão profundo e diferente de tudo, demorando-se um no outro, num consentimento mútuo que não precisava de muitas palavras. Do tempo em que se arrepiavam ao mínimo toque; do prazer da  pele deslizando contra a pele; da descoberta de cada milímetro de corpo, que as suas mãos conheciam agora de cor; e do gosto dos beijos, quentes, molhados, grandes, pequenos, depressa, devagar. Ou das vezes em que, estando sozinha, um cheiro a  perfume lhe bastava para o  trazer de novo até si e sentir a vontade da sua boca a crescer-lhe no corpo, na imensa saudade de tanto que haviam aprendido e experimentado juntos.
Mas o tempo, implacável, tinha acabado por confirmar o que a idade adulta lhe deixava adivinhar e o coração persistia em querer contrariar:  só  as histórias de encantar têm finais felizes.
O  seu amor era  agora semelhante  ao sol de inverno, obstinando-se num brilho enfraquecido, ou deixando-se vencer pela sombra das nuvens. Os seus braços já não a agarravam com a mesma força protectora; o seu colo não tinha o mesmo calor de outrora. E, ainda assim, não imaginava a sua vida sem aquele abraço.  Como separar-se, excluindo da existência o que tanto se quis? Sabia que entre eles, depois de tudo o que tinham passado juntos, a distância total era impossível. Que o quer que fosse que viesse a acontecer, ele sempre lhe importaria. E  concluía que nunca nada é definitivo, nem mesmo o que parece  próximo de ser um fim. Tinha a certeza que, tal como precisava  da música e da poesia, do mar e do sol, precisaria sempre da pureza e da fortaleza do seu afecto amigo. Porque há sentimentos íntimos que são como um nó que nunca se desfaz. E porque há amores assim, sem limites nem amarras, que chegam à nossa vida, se instalam e ficam nela para sempre.

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