sábado, 26 de abril de 2014

Intensamente belo e perturbador


Dizer que é uma obra-prima poderá talvez ser excessivo. Mas este Jeune et Jolie parece-me um daqueles filmes que não se pode perder. Mesmo descontando o facto de eu ser um pouco suspeita. Não é novidade que gosto muito de cinema e que o cinema francês ocupa um lugar de destaque nas minhas preferências. Posso até acrescentar que François Ozon é sem dúvida um dos "meus" realizadores, no sentido em que o vejo como garantia de qualidade quase certa.
E, ainda assim, surpreendeu-me. Tinha estado para ver este filme no Outono, na Festa do Cinema Francês. Desisti à última da hora, por razões que não importam. Vi-o agora. E valeu bem a pena.
O que nos conta vem um pouco na linha de La Vie d'Adèle, centrando-se na figura de  uma menina-mulher à descoberta de si e do corpo, naquela sede de amor e de absoluto tão arrebatadoramente juvenil.
Tal como Adèle Exachopoulos, aqui é Marine Vatch que ocupa o filme todo pela força da sua enorme beleza e sensualidade, que tornam uma e outra inesquecíveis. Mas a frescura de Adèle é substituída pelo ar algo enigmático de  Isabelle/Léa, sempre um pouco longínqua e misteriosa. Quase parecendo, à primeira vista, desprovida de emoção ou sentimento.
Também o que era excessivo e demorado em La vie d'Adèle, mesmo maçador, é aqui contenção, tempo certo, sugestão mais que revelação, e uma infinidade de perguntas que ficam sem resposta. Nisto reside, quanto a mim, grande parte do encanto do filme. Cada um de nós encontrará a sua verdade, as suas respostas, ou sentir-se-á apenas inquieto, sem saber o que dizer, ou o que pensar.
O modo como o filme nos coloca perante questões como o que leva uma rapariga da classe média alta, que aparentemente tem tudo para um caminho de sucesso (afecto, inteligência, beleza, dinheiro) a sair do caminho traçado e a viver uma vida dupla, como trata os temas do que significa crescer, da procura de sentido para a vida, da aprendizagem do prazer e da dor, das relações familiares, de como nos relacionamos com uma juventude que não tem por que lutar nem o que desejar, da normalidade e da transgressão, sem nunca apresentar soluções, é o que há nele de mais avassalador e tocante.
E há cenas magníficas, das quais destaco duas: a aula no liceu Henri IV em que os alunos recitam Rimbaud: On n'est pas sérieux quand on a 17 ans / et qu'on a des tilleuls verts sur la promenade e a seguir falam sobre o texto (a dar-me umas ideias interessantes para Setembro), ou a cena de amor na praia, logo no início, quando no momento em que perde a virgindade, totalmente despojada de afecto e de ternura, a personagem sai do seu corpo e se observa a si mesma.
E apesar das canções de Françoise Hardy que integram a banda sonora, foi de Moustaki que me lembrei ao ver este filme, e em particular da letra da canção 17 ans, tão apropriada à descoberta da sexualidade e do prazer da sedução. Diz assim: 17 ans une femme, une enfant, qui ne sait rien encore et découvre son corps (...) une faim de loup et une soif de tout (...) comme un fruit éclaté, comme un cri révolté...
Jeune et Jolie é tudo isto e muito mais. É um filme a ver...

7 comentários:

  1. Não conheço rigorosamente nada deste filme.

    Já do 'tapete musical'... 10 estrelas.

    Beijinho, Isabel.

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    1. O filme é Ozon e isso já dá algumas garantias. Não viu "8 mulheres" ou "Dans la maison", mais recentemente?
      Ozon é um dos mais marcantes realizadores franceses da nova geração. digo eu...

      Beijinho

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  2. Pronto, já vi o filme! Pois é,boa pergunta: o que leva uma jovem bonita , de classe média alta atirar-se para um mundo daqueles? Como disse o psiquiatra, o fascínio do "jogo" criava-lhe expectativas que se tornou em vício! Por outro lado,o facto de não precisar de grandes esforços para obter o que quisesse criava-lhe vazio. É muito perigoso! Também uma certa falta de afectividade. O filme finaliza de uma forma surpreendente parecendo isto mesmo!...Olhe, Isabel, não sei mais o que acrescentar. Mas que é uma história que tem panos para mangas, lá isso tem!
    Beijinhos.

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    1. O que me parece de facto interessante e inquietante, em simultâneo, é que o filme não dê respostas e nos deixe a pensar nisso.

      Diga lá que eu não lhe dou boas sugestões... ;)
      Beijinho

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    2. Ah, pois dá! E eu agradeço! Também gosto das suas análises e dou preferência vê-las após ver o filme. Embora seja muito discreta nas suas explicações. Fui habituada a ver cinema e depois discutir ou ouvir os pontos de vista na minha roda de amizades. com os livros também acontecia o mesmo. Hoje em dia quase não tenho ninguém para estas mordomias. Mas quem não tem cão caça com o gato: venho aos meus blogs preferidos e fica resolvido o vazio...:)

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    3. Não é para agradecer. Pode vir aqui discutir os pontos de vista que entender... :)

      Beijinho

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    4. Do filme diz hoje João Lopes no DN que é "uma delicada parábola sobre a insensatez do desejo sexual, com alguma nostalgia romântica". E eu concordo com ele.

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