sexta-feira, 2 de maio de 2014

Prazer(es)

 
Havia dias em que o seu maior prazer era soltar o cabelo no vento e deixar a vida correr, escapar-se para um lugar onde tudo lhe parecesse quase perfeito e em silêncio e sossego  exultar alegrias e apagar as tristezas, reinventando cada instante como se a vida fosse começar de novo. 
Havia dias luminosos e quentes em que diante da tranquilidade azul do horizonte se punha imaginar e a adivinhar o que lhe faltava ver e mesmo conhecer pelo direito e pelo avesso, e não era ainda mais que desejo e vontade. Às vezes sabia-lhe bem a solidão, alimentada pela sua fantasia, que a levava por caminhos de utopias e quimeras, contemplativamente alheada de tudo.
Havia qualquer coisa de puramente físico, voluptuoso até, naquela sensação boa de deitar o corpo molhado e impudicamente o entregar ao sol, deixando o calor invadir-lhe  a pele  devagar, levando-lhe o pensamento para longe do que no mundo real tantas vezes o  limita e detém.
E olhava tudo com os olhos da alma,  achava que podia ver tudo por fora e por dentro, que conseguia ver mais além, chegar ao interior das coisas e das pessoas, descobrir-lhes os mistérios e os segredos, fechados a sete chaves no âmago mais recôndito de cada um, naquela zona secreta e obscura que não se confessa nem revela a ninguém.
Olhava o mundo e a vida como se lhes pertencesse e pudesse ao mesmo tempo observá-los de fora, no espanto e na surpresa que tem a primeira vez, como um paixão que nos toma de assalto e nos deixa na ilusão do que virá, e naquele aperto no peito que é amor e mais nada.
E parecia-lhe chegar assim  a um mundo mais quieto e mais tranquilo, sem medos nem incertezas, nem desejos que não chegam a cumprir-se, ou promessas de felicidade adiadas.
Guardava a paz daqueles momentos para poder ir buscá-la e usá-la mais tarde, num dia qualquer, quando por  alguma contrariedade da vida, lhe fizesse falta.
Era como uma luz; como  um bálsamo que alivia as mágoas e faz entender que o mundo e a vida são acima de tudo grandes e belos; como o calor  e o conforto de um abraço que conhecia de cor e a fazia ver tudo começar a andar à roda; ou como quando ele a olhava no fundo nos olhos e se lhe desatavam vontades, e logo se esquecia do resto e mais nada importava, porque então era apenas, simples e inteiramente, sua.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

2 comentários:

  1. E há dias em que apetece ler, ler, ler.
    Beijinho, Isabel.

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    1. Ler apetece-me sempre. Se pudesse nem me importava nada de só ler e escrever.

      Beijinho

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