sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Candelária


Foi em Espanha e mais especificamente na Aldea del Rocío, na província de Huelva, um lugar mágico e de grande significado para mim, que, pela primeira vez, tive contacto com esta festa.
A Candelária é uma celebração litúrgica que se realiza quarenta dias depois do Natal, a 2 de Fevereiro, conhecida também como a "festa da luz" e na qual se rememora a apresentação de Jesus no Templo e a purificação da Virgem Maria.
Em El Rocío, a tradição surgiu depois da guerra civil, quando um grupo de  trianeros teve a ideia de aproveitar a data e o seu significado para organizar uma peregrinação, a cavalo, de Villamanrique ao Rocío; e de apresentar à Virgem as crianças nascidas durante o ano, para que ela pudesse abençoá-las e protegê-las.
A ideia agradou à irmandade matriz - a irmandadade de Almonte - convertendo-se, nos últimos vinte anos, ou mais, numa comemoração de todos os rocieros e não exclusiva de Triana, que mantem, no entanto, o privilégio de celebrá-la num dia específico: o Domingo anterior à Candelária, que é, normalmente, o último de Janeiro.

Aproveitando, pois, o pretexto religioso, os espanhóis da Andaluzia organizam neste fim de semana uma grande festa de inverno que é, antes mais, a festa da celebração da vida, numa atitude típica do seu temperamento alegre e extrovertido.
No Sábado à tarde, há sempre um grande almoço no campo onde, não com os fatos de flamenca da romaria de Maio, mas em trajes campestres de caça, entre cavalos e carroças, música e a alegria exuberante do sul, todos se juntam a comer, a beber, a dançar, a cantar, ou simplemente a desfrutar o prazer de estar entre amigos.
Estive por duas vezes na Candelária. E foi absolutamente inesquecível. Conheci pessoa extraordinárias, daquelas que passam a pertencer à nossa vida para sempre, vivi momentos únicos, entre andaluzes extremeños e portugueses, emocionei-me com a força telúrica e arrebatada do cante flamenco e com a sonoridade do tamboril, da flauta, da guitarra, da caja e das palmas. E pude encontrar e sentir, ali, como em nenhum outro lugar de Espanha, aquilo de que fala Miguel Torga no seu Diário, ao dizer: "Não há dúvida que me sinto bem a pisar terra espanhola. É uma sensação agradável de alargamento físico, de reconciliação íntima, de fome satisfeita."
O Rocío é um lugar diferente e feérico, onde a vida parece suspender-se por momentos para tudo ser apenas sentimento, onde as almas parecem tocar-se na simplicidade de nos sentirmos todos em sintonia e onde, de uma forma  inexplicável, se torna mais intenso e urgente o que há em nós de mais emocional. 
É que, para lá da  alegria ruidosa da festa, que dura sempre até de manhã, ali também pode encontrar-se o silêncio e a paz de espírito, que nos reconciliam com o lado mais profundo e vulnerável de nós mesmos.
Lembro-me de uma manhã em que acordei cedo e saí para caminhar pela imensa areia, na solidão da aldeia adormecida. E de como, no recolhimento da ermita, diante da Virgem, senti, reconfortada, fortalecer-se a minha fé; ou de como,  na quieta tranquilidade da marisma e na sua beleza  de certo modo inebriante, encontrei o equilíbrio e a serenidade de me sentir em harmonia com o mundo e a vida.
O Rocío é tudo isto e o que eu não sei dizer, o que só se sente por dentro, o que só compreende quem já lá esteve e pôde maravilhar-se com a explosão dos sentidos de uma vivência assim.
Tal como me acontece por alturas da Romaria, mesmo quando não vou ao Rocío, vem-me a nostalgia daquele lugar e a doce lembrança de tudo o que ele passou a ser para mim.


Este fim de semana, muitos amigos e conhecidos voltam a reunir-se para mais uma Candelária. Eu não vou. Mas, Sábado e Domingo, o meu coração volta a ser rociero e o o meu pensamento estará entre Portugal, onde estou e aquele lugar tão especial de Espanha, o Rocío, onde, uma vez mais, eu queria estar...

6 comentários:

  1. Admiro a beleza e a exatidão da tua escrita. A Candelária é tal como a descreves. Essa mescla saturada de vida onde se harmoniza tradição, estética, sentimento e espírito. Continua a escrever Isabel. Eu como gosto mais de cantar, dedico-te esta sevillana:

    Si un año yo no pudiera,
    Hacer contigo el camino
    Hacer contigo el camino
    Si un año yo no pudiera
    Hacer contigo el camino
    Si un año yo no pudiera
    Hacer contigo el camino

    Hacer contigo el camino
    Dile a la que nos espera
    Que yo siempre iré contigo
    Dile a la que nos espera
    Que yo siempre iré contigo

    Que yo te llevo en mi memoria
    Que yo te llevo en mi memoria
    Y también en la garganta
    Porque te quiero por dentro
    Dentro, muy dentro del alma

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    1. E eu agradeço-ta, emocionada. E sou feliz porque sei que me compreendes muto bem e porque, apesar de todos os "apesares", estamos sempre juntos. :))

      Um beijinho muito muito grande
      Isabel

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  2. Uma agradável viagem que fiz com este seu texto. Não conhecia nada de Rocío, agora sei alguma coisa. Também por isso, grato pela partilha!

    Beijinhos :)

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    1. Vale a pena, pelo menos uma vez na vida, ir ao Rocío. Porque é diferente de tudo o que conhecemos. Eu, que sou especialista, recomendo duas visitas: uma na Romaria do Pentecostes e outra noutra altura, quando o Rocío é só silênco e paz. Porque são dois lugares absolutamente distintos, mas onde fica um pouco da nossa alma e de onde se volta, sempre, de certo modo enriquecido :)

      Um beijinho
      Belinha (só para si...)

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  3. Aprende-se muito a ler blogues, mas alguns ensinam mais do que outros. O meu só se sente!!:))

    Gosto de ler e saber mais....sobre Espanha, sei muito pouco, de modo que por aqui me fico.

    Bom Domingo!

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    1. Também tenho aprendido imenso com os blogues, todos, incluindo alguns de que nem gosto muito, mas vou lendo; e com os que só "se sentem", claro... ;)
      Espanha é um mundo de contrastes, Virgínia, um país fascinante!

      Bom Domingo também para si.
      Beijinho

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