terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Programa de Português


Desde ontem, e até dia 2 de Dezembro, estão em consulta e discussão públicas os novos programas de Português para o ensino secundário e as metas curriculares. São sessenta páginas, que ainda não pude ler de fio a pavio. Mas, para já, aquilo que li agradou-me muitíssimo. Porque volta a dar à literatura o papel de relevo que ela deve ter no ensino do Português. Voltam assim a estar no programa textos fundamentais da cultura portuguesa, que é obrigatório conhecer. Falo, por exemplo, da poesia trovadoresca, das crónicas de Fernão Lopes, da Peregrinação, ou do Amor de Perdição. E de tantas outras obras e autores que, de uma maneira inexplicável, haviam desaparecido dos programas.
Como o próprio programa refere na introdução: (...) a complexidade textual apresenta-se como uma das variáveis decisivas na compreensão da leitura e, concomitantemente, na produção textual, em particular escrita. É ela que permite o desenvolvimento de capacidades de compreensão mais elaboradas e robustas, que naturalmente tenderão a reflectir-se nas opções realizadas ao longo da vida, quer dentro da escola, quer fora dela. (...) O presente Programa valoriza o texto literário no ensino do Português, dada a forma diversificada como nele se oferece a complexidade textual. A literatura é um domínio decisivo na aquisição da compreensão do texto complexo e da linguagem conceptual, sendo, além disso, um repositório essencial da memória diversificada de uma comunidade, além de um inestimável património que deve ser conhecido e estudado (...) na sua dialética entre memória e reinvenção. (...) Em suma, defende-se uma perspectiva integradora do ensino do Português, que valoriza as suas dimensões cultural, literária e linguística.
Estranho muito as declarações da Associação de Professores de Português. Ou talvez não, porque já é hábito discordar completamente das suas posições. Quem disse um dia que o texto de um exame de 4º ou 6º ano era muito difícil porque "obrigava os alunos a pensar", vem agora, de novo, e confessando não ter ainda lido o novo programa, defender a ideia de que os alunos das áreas de ciências não têm que aprender literatura.
Como um dia já disse aqui:  Não admira que os alunos do secundário, hoje, gostem cada vez menos de Português. E tenham sérias dificuldades na interpretação de textos e enunciados e na expressão oral e escrita. Porque além de leituras superficiais de textos tão básicos quanto possível, obrigam-nos a saber o que são orações subordinadas adjectivas relativas explicativas, ou os mecanismos de coerência e coesão textual, distinguindo "catáforas" e "anáforas"; e também a classificar os "actos ilocutórios", dizendo que uma determinada frase  ou enunciado é "um acto ilocutório assertivo", por exemplo, ou a aprender figuras de estilo  abstrusas como "zeugma", "quiasmo" e "hipálage", que seis meses depois já não saberão o que significam. Mas, estranhamente, destas barbaridades quase ninguém fala. E muito menos a tal Associação de Professores de Português.
O que os alunos precisam, antes de mais, é de aprender a pensar, de desenvolver o espírito crítico e a capacidade de argumentação. E  de descobrir a importância das palavras; e que a leitura e a escrita  podem ser um enorme prazer. E de conhecer, pelo menos, os autores de língua portuguesa.
É por haver muita gente sempre disposta a defender o facilitismo e o nivelamento por baixo, o utilitário e o explícito, que este país atingiu níveis de ignorância e de iliteracia tão generalizados e gritantes como os que vemos, ouvimos e lemos todos os dias.
E enquanto se entender a escola como o lugar onde impera o que é conhecido e fácil - e por isso se insiste excessivamente nas novas tecnologias e nos "powerpoints"-, e se esquecer que os livros e a literatura nos abrem um mundo inteiramente novo e nos podem ensinar tanto sobre nós e sobre a vida,  não poderemos passar desta mediocridade dominante.
A escola só faz sentido se for a indicação de outro caminho, a abertura de horizontes, uma descoberta face ao que é desconhecido e diferente. Mostrar como isso pode ser bom é a obrigação de todos os professores. E ninguém disse que era fácil. Mas é, sem dúvida, um dos mais aliciante desafios.

6 comentários:

  1. Aplaudo esta sua frase, Isabel:

    "E enquanto se entender a escola como o lugar onde impera o que é conhecido e fácil - e por isso se insiste excessivamente nas novas tecnologias e nos "powerpoints"-, e se esquecer que os livros e a literatura nos abrem um mundo inteiramente novo e nos podem ensinar tanto sobre nós e sobre a vida, não poderemos passar desta mediocridade dominante."

    E não haverá um pequeno exercício do puxar da brasa à sua sardinha, por parte dos referidos docentes?

    Beijinho

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    1. Não entendi. Quem é que "puxa a brasa à sua sardinha"?

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    2. Os interessados, que os há, na 'menorização' do ensino.
      Have I make myself clear? Hope so.

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    3. Ah sim, claríssimo agora. Pois claro que os há. E se calhar nem são tão poucos quanto isso. ;)

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