domingo, 28 de junho de 2015

Lições


A verdade é que não queria falar sobre isto. Mas não resisto. Encontrei hoje na comunicação social um ou dois artigos de opinião com os quais concordo e que, por isso, transcrevo aqui em parte.
O primeiro é de Alberto Gonçalves, no DN, e tem este sugestivo título:

O dinheiro e os palhaços
Ainda há quem se excite com as negociações entre a Grécia e os credores, ou a troika, ou a Europa. A meio da semana, a teoria dividia-se entre os que achavam o acordo alcançado uma humilhação do Syriza e os que o achavam uma vitória esmagadora desse divertido bando. O único problema é que a semana está no fim e o acordo alcançado destaca-se pela inexistência.
Mesmo que venha a existir, promete não servir de nada, na medida em que uma das partes, imaginem qual, nunca cumprirá coisa nenhuma, ou quase nenhuma. A bazófia do Syriza, colectividade pouco vocacionada para a democracia, não esconde o pavor de sair do euro, divisa pouco vocacionada para nações de excêntricos. A impaciência dos credores colide com algum receio das consequências. Dito de maneira diferente, o Syriza procura inutilmente ganhar tempo e dinheiro, os credores perdem ambos e os espectadores de tamanho aborrecimento têm um em excesso e outro nem tanto. Por mim, só rezo aos deuses (não os do Olimpo, nos quais não deposito confiança e pretendo não depositar um cêntimo) que a brincadeira não me saia cara.
Mas isso sou eu, que não padeço de altruísmo. Felizmente, a acreditar no que se ouve e lê, abundam por aí cidadãos generosos em cujos ombros recai a esperança da crise, da UE e da humanidade em geral. Essa abençoada gente, que em Portugal se confunde com a melhor parte do PS (a parte dos "valores") e a ponderada extrema-esquerda, percebe que, pela suja lógica do capitalismo selvagem, os países que emprestam dinheiro têm o desagradável costume de desejar recebê-lo de volta, nem que seja parcial e espaçadamente, antes de emprestarem mais. E mais. E mais.
O raciocínio dos generosos é simples, tão simples que mete medo: aparentemente ao contrário dos demais membros da UE, a Grécia é um país soberano que optou por um determinado nível de vida. Esse nível de vida não se alcança ou mantém sozinho, pelo que exige patrocínio alheio. Os patrocinadores impõem condições. Do alto da sua soberania, a Grécia não aceita as condições. Está no seu direito. E se um alemão tiver de trabalhar até aos 80 para que um grego se reforme aos 50, azar dele. Os alemães, por puro egoísmo, discordam e começam a cansar-se. Os pobres gregos vêem-se em soberanos apuros e já se descobriu um cantoneiro de Salonica com salário inferior a 1500 euros.
É em momentos de desumanidade assim que convém desviar o debate do materialismo para a moral, subordinado ao sempre fascinante tema "Solidariedade". Se não se pode esperar semelhante virtude do neo-supra-ultraliberalismo vigente, urge que os povos se unam a fim de financiar a Grécia. Acredito que as cúpulas do PS e do Bloco já abriram contas em favor daquele oprimido (e soberano) povo, e que os 17 participantes das recentes vigílias de solidariedade no Porto, Coimbra e Viseu contribuíram com verbas significativas. A filantropia autêntica recorre ao próprio bolso e não à extorsão de insensíveis que, como eu, são avessos ao conceito.
Entretanto, enquanto escrevia a crónica constou que o enésimo acordo iminente se transformou no cancelamento das negociações e num referendo do Syriza à vontade popular. Crentes na sensatez dos seus representantes, os gregos correm a exportar divisas e a assaltar os multibancos. Volta a crescer a ansiedade e a certeza de que, no fundo, toda a gente sabe como é que a paródia acabará: mal. E porcamente para a Grécia. Sem dinheiro, não há palhaços? Há sim, senhor. Duvido é que voltem a vencer eleições. O futuro da esquerda envelheceu depressa.

Também no Observador, hoje, Helena Matos escreve sobre o assunto. Diz isto:
Os credores esperavam que Tsipras negociasse condições. Atenas exigia-lhe que os arrasasse e, milagre da fé, que eles continuassem a cumprir o seu papel de credores financiando a Grécia.Queremos que os contribuintes dos outros países continuem a financiar o nosso modo e nível de vida?” Esta é a pergunta a que os gregos gostavam de responder. Só que em política a mesma pergunta não se faz duas vezes. E já foi a esta pergunta que os gregos responderam quando elegeram o Syriza. Eles deram a maioria a um partido que lhes garantiu que ia mandar no dinheiro dos outros. E isso não é possível. (...) não sei se Tsipras alguma vez quis negociar mas mesmo que quisesse muito francamente não podia. Uma negociação é um processo de cedências mútuas em que a vitória está no resultado (que para cúmulo só se vê daí a algum tempo) e não no fogacho de umas declarações tão imediatas quanto espampanantes.(...)
A fragmentação dos Syriza, Podemos, BE.. não acontece por acaso. São o resultado do excesso de egos e da falta de pensamento político desses agrupamentos que naturalmente ao primeiro choque com a realidade voltam ao seu estado natural: divididos e acusando-se de torpezas e traições. O Syriza, o Podemos ou o BE apregoam todos os dias a sua superioridade por enquanto movimentos serem uma alternativa aos velhos partidos. Nada mais falso. Eles são movimentos porque não conseguem ser partidos. Não têm líderes, não têm pensamento e não têm estratégia para tal.na verdade estes movimentos não passam de grupos, cada um deles a achar-se mais puro e mais revolucionário que os outros e o que nesta crise grega é crucial sempre prontos a acusarem os outros de terem traído, de se terem vendido… É portanto um tremendo erro esperar que movimentos como o Syriza, o Podemos ou o BE se comportem como partidos. (...)
Nesta crise grega houve de facto falta de experiência, de inteligência e de um partido que tivesse à frente um líder capaz de negociar logo ceder em muita coisa para ganhar outras. Não houve e daí o falhanço. (...)
E agora? Agora a vida tem de continuar seja qual for o caminho seguido pela Grécia. Mas que nos fique de emenda: não é possível, não é honesto e não é justo que o governo de um país da UE capture as atenções, o tempo e as energias das instituições europeias desta forma durante meses.
E eu mesma acabo este texto irritada comigo por ter perdido o meu tempo e o espaço desta crónica a escrever sobre uns gaiatos que não sabem o quanto custa ganhar a vida e não sobre aquele polícia espancado e esfaqueado numa “festa multicultural”. Azar o dele ser polícia. Se fosse gato ou doutor-activista de festas multiculturais o país estaria hoje verdadeiramente indignado. Assim não fosse o Correio da Manhã e quase nem se dava pelo assunto.
 
O que aí vem não faço ideia e, provavelmente, poucos farão. Temo que não seja nada de bom. Nem para os gregos, nem para ninguém. Mas que ao menos os que por cá defendem soluções facilitistas, percebam que o caminho é capaz de não ser bem esse...

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