segunda-feira, 14 de março de 2016

O Senhor Contente


A minha primeira memória de Nicolau Breyner é a do "Senhor Contente", personagem que se lhe colou à pele, talvez por se adequar também à sua personalidade e maneira de viver.
E tanto, que nem imaginávamos que um dia pudesse morrer, ainda mais assim, de surpresa, deixando tudo e todos em suspenso.
O Pedro Correia tem aquela capacidade invejável de dizer em palavras claras e sentidas, sem lamechices nem rococós, o que muitos sentimos e não sabemos dizer tão bem.
Por isso, hoje, tal como já fiz outras vezes, "roubo-lhe" as palavras e trago-as para aqui. Estão no Delito de Opinião, um blogue que é também um pouco meu. O texto chama-se "Um triste adeus ao Senhor Contente". Obrigada, Pedro.

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Grande actor – de teatro, cinema e televisão – Nicolau Breyner era uma das raras figuras de indiscutível dimensão nacional: tornou-se popular junto de portugueses das mais diversas gerações. Começou a trabalhar muito cedo, no início da década de 60, e ainda coexistiu nos palcos com gigantes da arte de representar, como António Silva e Ribeirinho. E trabalhou até ao fim, com jovens colegas que tinham idade para serem seus netos.
Artista multifacetado, tão à vontade na comédia como no drama, também evidenciava qualidades humanas que amigos e colegas têm recordado desde que, há um par de horas, soubemos todos da inesperada notícia do seu falecimento. Num meio muito fértil em invejas e rivalidades de todo o tipo, poucos conseguiram ser tão consensuais como ele. Apesar de estar nos antípodas da correcção política e nunca ter escondido as suas convicções – no plano estético, ideológico e até religioso.


Como tantos de nós, lembro-me dele desde sempre. Na televisão (onde em 1975 fez parar o País com o seu programa Nicolau no País das Maravilhas, em que popularizou o duo “Sr. Feliz e Sr. Contente”, ao lado de um Herman José em início de carreira). Na telenovela (onde foi pioneiro em 1982, como autor e actor, com a sua Vila Faia, que rompeu o monopólio brasileiro). No teatro (não esqueço a magnífica actuação dele em 2005 na peça Esta Noite Choveu Prata, monólogo de Pedro Bloch, em que se repartia por três personagens). E no cinema, em filmes tão diversos como A Vida é Bela?! (de Luís Galvão Teles, 1982), a cuja estreia assisti, e Os Imortais (de António-Pedro Vasconcelos, 2003), com um inesquecível desempenho no papel do inspector Joaquim Malarranha. O último foi há pouco mais de um ano, noutro filme de Vasconcelos, Os Gatos Não Têm Vertigens, em que fazia um papel emocionado e emocionante ao lado de Maria do Céu Guerra.
Fiz-lhe duas entrevistas, uma delas durante um jantar que partilhámos há uma década no Estoril em que deixou bem evidente outra faceta que tantos têm sublinhado: era um magnífico conversador. E um homem gentil, que também sabia escutar.


Nicolau, o Sr. Contente, teve uma vida cheia, repleta de episódios que dariam para vários livros e muitos filmes. Partiu hoje sem avisar, como por vezes lhe sucedeu em vida quando decidia pôr fim a uma etapa e iniciar outra. Para ele o tédio era uma espécie de pecado mortal.
Deixa-nos um pouco mais pobres e muito mais tristes. Mas com a recordação inapagável do seu talento, capaz de suscitar lágrimas e provocar sorrisos – numa perfeita simbiose da dualidade humana.

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