segunda-feira, 8 de abril de 2013

Comovente



Já é como um ritual, que passou a fazer parte das minhas manhãs. Quando chego e me sento em frente do computador, antes dos Outlooks e Smartdocs, antes de me embrenhar em processos, pedidos de esclarecimento, pareceres e recursos, dedico-me ao prazer de passar pelos "meus" blogs, para ler as novidades. Faço-o com minúcia e critério, seguindo uma determinada ordem,  que começa invariavelmente pelos que eu mais gosto, passa depois aos assim assim e deixa para o fim, e apenas se tenho tempo, os que me dizem menos e só  a minha incorrigível curiosidade me leva às vezes a querer "espreitar".
Hoje, no Delito de Opinião, que é dos meus preferidos, encontrei um post de Rui Rocha que me comoveu de uma maneira especial. E, nesta altura em que o mundo parece ter esquecido os valores que verdadeiramente importam, em que as prioridades parecem cada vez mais invertidas, em que há um desânimo crescente e quase generalizado, esta história, bonita, triste, enternecedora - e verdadeira, ainda por cima, - vem lembrar-nos que o amor é, de facto, o que vale a vida.  Por isso, não resisti a partilhá-la aqui também:


Mind the gap
"Margaret McCollum levantava-se cedo. Muito cedo. Lawrence morrera há quatro anos. E, desde então, as alvoradas tinham-se tornado penosas. A sua ausência ocupava-lhe os dias. Com o passar do tempo, a outras horas, já era capaz de acomodar as memórias com uma certa doçura. As lágrimas já não vinham sem um sorriso terno. A saudade chegava em vagas plácidas que pareciam procurá-la mais para a reconfortar do que para lhe provocar dor. Mas não fora ainda capaz de transformar o tormento das madrugadas em ternura. Estremunhada, procurava o respirar sereno de Lawrence, a seu lado. O silêncio tornava-se insuportável. Um silêncio físico, rugoso. Que lhe tomava a boca e a garganta. Sufocada, levantava-se em urgência, como fizera tantas vezes para socorrer os seus doentes. Agora, tinha de acorrer ao seu próprio sofrimento. Por vezes, abrir a janela e receber o bafo húmido das manhãs anunciadas de Londres era suficiente para aplacar os sintomas. Como se Oswald estivesse ali a sussurrar-lhe a sua presença. A desatar-lhe os nós da angústia. Noutros momentos, em que a humidade a engasgava e as suas lágrimas ficavam ainda mais ácidas, Margaret sabia exactamente o que fazer. Vestia-se entre soluços, tomava da rua a réstia de luz que já se adivinhava e, aos tropeções, dirigia-se para a estação de Embankment. Ao longo do percurso, o calor regressava lentamente às suas mãos. A certeza de reencontrar a voz de Lawrence reconfortava-a. Já serena, sentava-se no banco junto à plataforma. O mesmo banco onde já se sentava, consumida pela saudade, quando Lawrence se ausentava de Londres, por motivos profissionais, durante alguns dias. Esperava então a chegada da próxima composição. A que lhe traria de novo a voz de Lawrence. Primeiro, a luz ao fundo do túnel. A crescer para ela. A chiadeira da travagem. A mensagem. A mensagem para todos. A voz só para ela. Mind the gap. A distância da composição à plataforma. A distância entre ela e Lawrence preenchida pela recordação da sua voz.

* Lawrence Oswald foi a voz da primeira mensagem "mind the gap" gravada, na década de 60 do século passado, para advertir os passageiros do metro de Londres para a distância entre as composições e a plataforma. Oswald morreu em 2007. Margaret McCollum, a viúva, tinha por hábito dirigir-se à estação de Embankment para ouvir a mensagem e recordar a voz do marido. Em determinada altura, a empresa do metro de Londres decidiu substituir a mensagem de Lawrence por outras. Margaret escreveu à Administração a contar a sua história. A empresa do metro de Londres decidiu repor a mensagem gravada por Lawrence na estação de Embankment. Margaret continua a aparecer por lá para recordar o marido. A notícia pode ser lida aqui."

6 comentários:

  1. Respostas
    1. A história é de uma ternura absolutamente tocante. Triste e linda, ao mesmo tempo.

      Beijinho

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  2. Muito interessante e enternecedor, até porque Mind the gap é mítico :) Incomparável em qualquer outro metro do mundo.:)

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  3. (tenho uma metodologia semelhante quando vou à blogosfera...)

    Conhecia a verdadeira história. Quanto ao post do Rui, está muito bom! Todos nós temos um "Mind the gap" que nos consola e, de alguma forma, mitiga a saudade...

    Beijinho:)

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    1. É mesmo isso, Paulo!

      (Acho imensa piada ao facto de termoa a mesma metodologia blogosférica ;)

      Beijinho :)

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