quarta-feira, 10 de abril de 2013

O romper da aurora


Eram iguais quase todas as manhãs: no despertar mais ou menos contrariado  à  hora certa, nos  gestos que se repetiam maquinais, de olhos atentos aos ponteiros do relógio, todos os minutos contados, sem lugar a falhas, rotina cronometrada com rigor, acordando distraidamente para o mundo a ouvir as notícias no rádio, anunciadas com uma energia exaltada, que soava a falso e destoava do ambiente tão quieto e silencioso à sua volta.
Depois a rua, ainda semi-deserta, o café apressado e o jornal,  de novo a realidade da vida,  o autocarro pontual, que ao longo do percurso se enchia e se esvaziava de pessoas caladas e sonolentas a quem a chuva, repetida dias a fio, empurrava para um emudecimento mais fundo.
Sentava-se num lugar qualquer onde não estivesse mais ninguém e, até chegar ao Campo Pequeno, deixava-se ir, remetendo-se ao sossego do trajecto que já conhecia sem precisar de o olhar e observando, desatenta, as sombras que se dissipavam lentamente e os carros que passavam sem pressa, o dia  a chegar vagaroso, o pensamento à  deriva, misturando as ideias do que planeava fazer, com os restos dos sonhos de uma noite que lhe parecia sempre demasiado breve. 
Mas era quando o colorido das árvores lhe lembrava de repente uma Primavera obstinada em esconder-se, que se perguntava por que razão estaria a aurora tão zangada com o sol para não vir pelos céus enchendo-os da claridade com que costumava precedê-lo e anunciá-lo. E , então, era inevitável: punha-se a sonhar com os dias de sol, de mar e de horizontes límpidos e sem limites, que estavam por vir e que não se lembrava de, alguma vez, ter desejado tanto.

4 comentários:

  1. Bonito texto e bem verdadeiro. Hoje as 7 da manhã estava escuro, o céu cinzento de chubo, as árvores paradas.

    Voltei para a cama:))))

    Bjo

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    1. Obrigada. Foi assim, hoje de manhã, sim, como em muitas outras manhãs. Mas eu não voltei para a cama. Fui para o ginásio ;)

      Beijinho
      Isabel

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  2. Há já uns dias que venho dizendo: quando as nuvens desaparecerem, não virá apenas sol. Com Ele virá o quentinho... sente-se.
    Belo texto.
    Beijinho:)

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  3. Deus queira que esteja certo, Paulinho!
    E já agora que seja entre 20 de Abril e 5 de Maio, que vou estar de férias e poderei então aproveitar esse "quentinho" todo, deitada ao sol, ao pé do mar, ou vagueando pela cidade,como eu tanto gosto...

    Obrigada por tudo. Beijinho enorme! :)

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